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Ruído de Fundo

por Zilda Cardoso, em 29.05.18

 

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É um daqueles dias de especial interesse para mim porque velado por um véu translúcido que tapa e destapa, deixa ver ou adivinhar, esconde, revela… dá que pensar.

Talvez seja um jogo. Ou talvez tenha a ver com o “ruido de fundo” dos comprimentos de onda cósmica.

Gosto de tudo o que me faça lembrar o mundo que julgo conhecer ou que, de um momento para o outro, se enche de mistérios. Aprecio aquilo que me leve a pensar em coisas que me são exteriores, seja a ponte, o rio, a estrada ou as linhas antigas do eléctrico.

As pessoas passam por mim com ar abatido – não era isto que queriam. Eu também não queria isto, esta sombra. Mas também não está o vento frio que nos enfadou (aos frequentadores deste sítio ou passeadores de por-aqui) desde há dias até ontem à noite. Vento de quase Junho!  

O véu vai-se tornando mais espesso, daqui a pouco, por este andar, não verei o rio. O céu vai ficando mais carregado, mais cinzento, mas é claro, cinzento claro. (Tudo isto são sinais que me dão informações preciosas). Vejo que está claro, não quero dizer nítido. É o contrário.

Vou.

Vejo ainda o electrico cheio de miúdos, o verde e branco, RESERVADO. Que quer dizer?

Gostava de saltar para ele, para aquele degrau e entrar. Pagar bilhete… Quanto custará agora?

Abriria a janela junto a mim. Iria até ao fim da linha e depois regressaria a este lugar a pé. Seria um exercício razoável.

Apesar de tudo, tristonho. Melancólico.

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publicado às 14:01

Paredes Nuas

por Zilda Cardoso, em 25.05.18

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Encerrada nas paredes brancas que não dizem nada, que não ajudam replicando quando afirmo e se me queixo e protesto… E que também não tomam qualquer iniciativa nem têm uma só ideia nova nem mesmo louca...

E não são quatro, são muitas paredes, paradas, todas nuas e mudas e maldispostas...

Quem me dera que elas tivessem uma ideia desatinada, uma só. Tenho a certeza que isso me daria alento e motivo para refutar, para criticar, para comentar. Ou mesmo só para conjecturar. Deitar a língua de fora, fazer todo o tipo de carantonhas não é suficientemente violento, sequer estimulante.

Fui até ao jardim do Calem, não suportava mais este interior (a “expressão das coisas”, legenda do belo quadro de Amadeo). Vejo o rio do meu lado direito, a marina em frente e o resto da cidade vizinha para além da marina; vejo a ponte que não se opõe a nenhuma das cidades, une-as. E também pode dividi-las. E do meu lado esquerdo passa o carro electrico pintado de branco e verde.

Em tempos, havia destes carros leves e uma rede de linhas por toda a cidade, (150 quilómetros de linhas e trinte e oito vias) era um divertimento, muito útil e barato. Agora há um museu.

Via-se como um transporte colectivo agradável, arejado. Falava- -se alto, ninguém se incomodava, havia janelas dos dois lados que se abriam para a cidade.  Mesmo que fosse para perto, a janela do meu lado estaria aberta, mas era demorada a viagem, qual fosse.

Às vezes, havia contratempos e retardava mais. Os rapazes penduravam-se perigosamente nos carros, de modo a que o guarda-freio os não visse e iam ao seu destino sem pagar, dispostos a ter um acidente grave pelo gosto de viajar de borla. Não pensavam nisso. Alguns trajectos eram muito festivos e particularmente propícios, pelo meio da cidade, nas horas de maior movimento.

Actualmente é para turistas e continua a ser divertido. Ouve-se a campainha fina (buzina… ou como lhe hei-de chamar?) de vez em quando. Recordo aquelas vezes em que um pedal era carregado com fúria pelo pé do condutor, que não suportava que alguém na rua desdenhasse o seu aviso de que queria passar, queria mesmo passar, tinha um horário a cumprir. E uma linha de que não podia desviar-se. E há o outro ruido muito simpático que não sei o que parece, mas suponho que sei o que é: o travão. É areia sobre os trilhos metálicos ou nos carris e que dificultava o andamento e travava irritantemente as rodas.

No rio que contemplo do jardim onde me instalei, vejo os barcos passear. E observo os que estão parados. Na ponte da Arrábida, há movimento permanente nos dois sentidos e aqui junto a mim, do meu lado do rio, os canhões, pousados no tapete de relva, mas em posição belicosa, enfrentam a marina e esperam as suas ordens. Se um dia, o rio voltar a separar as cidades, as peças estão preparadas...

Estou muito-pouco-menos ansiosa agora depois destes movimentos de sair e de estar. No entanto, quero ir ao sítio que me torturou durante horas e donde saí de manhã, já que aqui o trânsito de automóveis e de outros é permanente e também por de mais enfadonho.

Não exactamente ao mesmo sítio, vamos lá ver, não é aí que quero ir. Talvez descubra a casa original, de sonho, habitada por belas metáforas, onde possa ouvir música aliciante ou um poema com maiúscula inserido num bom silêncio; não pretendo aquelas paredes, não sei quantas, brancas frias e sem tamanho definido, sem intimidade estranhamente …

Vou tentar.

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publicado às 19:01

BOM MOMENTO

por Zilda Cardoso, em 23.05.18

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É o bom momento para habitar o mundo.

Um pouco cansada depois de um dia movimentado, não posso, apesar disso, perder o caso, fechando os olhos e o entendimento, qualquer coisa assim. Não posso.

Pois, da minha varanda, vejo o mar (esta é uma frase que uso muito!), o céu, o pôr do sol, os pequenos barcos de pescadores… nada mais pacificador.

E não há ondas nem espuma neste momento, o céu tem belas tonalidades de azul, o Sol despede-se até amanhã de forma encantadora e afectuosa. E é esta despedida calorosa que eu aprecio, mesmo que ele a faça todos os dias, de modo igual.

Não é igual.

São 19.30h a passar, ele ainda está pouco alto, espelha na água, há uma faixa que brilha numa grande extensão até à minha famosa varanda, sempre fulgindo, atravessa o jardim, a esplanada, a estrada quase sobe até à varanda, ao meu sítio como para reconciliação.

Espero para ver o que acontece. E tento olhá-lo, ele cintila de mais e tenho que arranjar uma pala, os olhos não suportam luz tão impiedosa.

Entretanto, aparece-me outro sol no lado oposto, duplo, tão fluido como uma miragem, posso encará-lo. Também há um seu reflexo na água que morre ali.

Não sei de onde vem esse duplo. Acredito que é mágico! Aprecio olhá-lo, observá-lo. É mais acessível do que o outro. Dois discos ou dois círculos não concêntricos, não tangenciais… secantes. Na água vê-se isso mesmo.

É um prodígio!

Passaram alguns minutos.

Estas duplas esferas são tangenciais outra vez, uma à outra, são luminosas, frágeis, parecem apoiar-se mutuamente. Afastam-se logo depois sem jeito e sem deixarem nunca de se tocar.

Ninguém me sabe explicar como nem porquê, mas eu procuro a serenidade, por isso, pergunto… jogam um jogo impossível?

Vejo uns barcos enormes que deixam esteira em curva, frente a mim, afastados, depois seguem para norte.

A água continua azul, não sei se lhe chame mar. Embate nas rochas amigavelmente e provoca, apenas em algumas, pequenas manchas brancas de espuma.

O Sol vai perdendo o fulgor, fica de um dourado queimado. Muito diferente dos dois do meu lado esquerdo que se aproximam de novo um do outro; o mais pequeno redondo, o outro oval por trás do redondo.

Não sei como este divertimento terminará: eles nunca deixaram de se tocar.

O verdadeiro ainda me cega se o olhar, desprende cores vermelhas em raios redondos à sua volta. E também na água há fios da mesma cor.

Todo o horizonte se modifica soberbamente, acentua-se mais o azul da água, do céu, das nuvens.

Os meus dois suspensos parecem joias de preço, dourados, agora com vagas nuvens azuis horizontais, sempre em movimento, como dançando um com o outro…

Enquanto o verdadeiro é agora cor de fogo, arde literalmente, apesar dos raios horizontais e em diagonal cinzento-azulados. Quando descer ainda, cairá sobre o molhe e o farol. É um perfeito disco de ouro radiante e radioso, diria, incandescente.

Os meus dois caseiros em posição secante, um sobre o outro, são menos afogueados ou ligeiramente desbotados e transparentes, não bem na frente um do outro, claro, mas deixando o da frente que se veja o de trás.

O verdadeiro é muito mais simples de entender. Mais alto no firmamento, não mergulha para já.

E não quero ver.

Os dois ao meu lado acabam de se afundar lentamente, a uma certa distância um do outro.

O verdadeiro desaparece num mar incrivelmente azul, rodeado de luz ruborizada e riscas azuis e cinzentas.

São 20.30h. A Lua brilhante e fria aparece na companhia de Vénus…

O espectáculo promete continuar.

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publicado às 09:57

voltar a ter vinte anos

por Zilda Cardoso, em 17.05.18

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Por vezes, parece-me que seria interessante voltar a ter 20… 30 anos….

Aconteceram tantas coisas importantes nesses anos e em muito do tempo que se seguiu…

Acontecimentos que considerei bons, mesmo esplendidos e outros que nem por isso - tive ocasiões de ver o meu céu muito azul carregado de estrelas cintilantes e também cinzento com nuvens espessas e ameaçadoras - mas no presente pergunto se teria algum sentido voltar atrás e revivê-los, se os teria vivido doutra maneira, (“se eu soubesse o que sei hoje”, ouve-se muito).  Teria valido a pena?

Na verdade, estive muito ocupada a viver a minha vida, tive tanto para decidir nesse capítulo, casos fundamentais não apenas para mim!

E vivi vidas de outras pessoas, o que é pelo menos surpreendente.

Sinto-me privilegiada e orgulhosa por ter testemunhado e participado de todos esses prodígios, sem estremecimento.

As minhas perguntas e as minhas respostas deixaram de ser básicas, no sentido de essenciais na dinâmica do mundo.

E eliminei o redundante - o que me deu a serenidade de que agora disfruto e que é antes silêncio, solidão, liberdade e independência.

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publicado às 15:09

AVALIAÇÃO IMPLACÁVEL

por Zilda Cardoso, em 12.05.18

As pessoas do meu tempo não sabem o que fazer do seu tempo.

Não sabem mesmo e é um tormento! Salvo algumas que continuam a cuidar moderadamente do que sempre cuidaram. E aquelas outras que inventaram novas ocupações.

Mas há todo um mundo que não descobriu o que fazer de acordo com recentes circunstâncias e que não se sente bem assim ocioso.

O que leva qualquer um a manter-se ocupado é o querer legitimar a própria existência. E pode fazê-lo trabalhando no que sabe fazer melhor… é o que penso justo. E louvável como atitude (se fizer juízo de valor).

Surgem inúmeros problemas, já que o grupo de pessoas nesta situação aumenta todos os dias, na verdade cresce de maneira exponencial. Ocorre perguntar se não há lugar para tanta gente neste nosso pequeno planeta!?

Aparentemente, as ideias não ocupam espaço. É necessário e urgente que todos pensem, enumerem ideias novas e exponham experiências antigas para que uma solução seja encontrada.

Os mais velhos (tal como os outros, afinal) devem certificar-se de que têm capacidade física e intelectual para executarem um trabalho ou o trabalho que escolheram sem excessivo esforço. Não apenas porque já deram uma contribuição forte nos anos de juventude e de maturidade, como por que o envelhecimento significa um decréscimo considerável dessas capacidades. E mostra, de qualquer modo, um cansaço imenso que tende a aumentar: o que se verifica em cada pessoa de forma muito desigual.

Não se sabe até que ponto é que alguém com determinada idade pode realizar o mesmo trabalho que outrem da mesma idade executa facilmente. Depende não apenas da preparação que teve em jovem e ao longo da vida como da sua vontade de continuar a contribuir para um mundo melhor, da forma como entende a obrigação de o fazer. E depende, além disso, da maneira como os seus esforços são recebidos. E, das suas actuais condições físicas e mentais. (Sempre dependeu não é verdade?)

Os mais velhos são apenas aqueles que estão numa nova fase das suas vidas. Não estou a pensar em pessoas doentes. Devem ser respeitados e considerados como respeitáveis. Terão uma actividade adaptada a si. Devem ser respeitados e considerados respeitáveis sob pena de não se conformarem, de estarem infelizes e de tornarem os outros infelizes – os seus pares e aqueles amigos e familiares que apreciariam vê-los satisfeitos.

Temos obrigação de descobrir o que é necessário que seja feito e que agrade a uns e a outros. Há que haver muito boa vontade e sobretudo consciência dos problemas por resolver, de acordo com preferências e aptidões e não com preconceitos e pretensões.

Acho que cada um dos mais velhos deve escolher com bem senso o que pode e quer fazer. E tem que haver clarividência dos que governam (entenda-se, dos de meia idade), para que haja concordância.

Os-mais-novos mais novos não têm em geral problemas de relacionamento com os-mais-velhos mais velhos, mas os-do-meio têm, os que detêm o poder.

Alguns dos poderosos gostariam de os empurrar borda fora – “o que estão ainda aqui a fazer? Já viveram a sua vida! Estorvam, complicam. Não produzem, ficam caros”. Sentem-se prejudicados, o que é abominável. Como se os mais velhos não tivessem já presumivelmente trabalhado anos e anos para terem direito a essa pausa._

Sentem-se mal, os velhos. Não querem impor a sua presença, ainda têm tanto para dar! Não viram? Têm sempre para dar, têm sempre o que dar.

O que eu acho é que cada classe destas que se separam por idades tem um papel que importa definir. Ninguém pode com verdade, sentir-se a mais. Como renuncio a uma vida que me foi dada com amor?

O que caberá aos mais novos? De certo, criar estruturas que permitam aos mais velhos serem úteis e estimulantes. E felizes. A questão é de obrigação e de devoção. Tèm que se escutar uns aos outros. Saber o que uns e outros pensam necessitar.

Saber o seu lugar neste mundo em movimento perpetuo é fundamental, é nele que os problemas nascem sempre motivados por diferenças. Obrigações e direitos bem entendidos cabem a cada um, a todos.

Os mais velhos não perderam direitos porque envelheceram, nem os mais novos ganharam obrigações porque os outros envelheceram. Rapidamente uns e outros envelhecerão, se bem que nunca cheguem todos a ficar iguais.

O que é uma pena!

Isto tem que ficar e ser claro: continuam todos cidadãos de pleno direito com direitos e obrigações – variáveis conforme o necessário, isto é, de acordo com a época e as condições de vida de cada um.

É interessante verificar que tendo conveniências idênticas no mesmo espaço, no mesmo tempo, as pessoas não tenham descoberto maneira de se entenderam.

Os mais velhos precisam de ganhar coragem para eliminar o que é redundante na sua vida, de modo a ficarem mais soltos, mais lúcidos, mais divertidos.

Mas há muito que trabalhar neste assunto: definir objectivos e tentar atingi-los, considerando novas circunstâncias, novos pareceres, silêncios sedutores e esperança de alterar agilmente o mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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publicado às 18:13




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