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Respostas importantes

por Zilda Cardoso, em 15.04.18

 

Desejaria saber comunicar o que descobri. Há várias horas que caminho nesta beira-mar, meditando, em busca de respostas importantes.

Estou a tentar mostrar por que razão a atitude não pacífica é mais proveitosa para a saúde mental e física, como dizem, do que estar em casa, na varanda, olhando a mesma paisagem, a partir de uma confortável cadeira, sem sol excessivo, sem frio nem vento, sem cansaço de espécie nenhuma. Só prazer.

Cheguei a uma conclusão.

Em casa, é suposto não ter com quem falar.

Posso ler um livro ou ver um filme ou ouvir música ou uma palestra interessante na rádio. Posso pensar. E não terei suficientes estímulos para uma enorme actividade interessante. A menos que comece a pintar as paredes ou a raspar o chão…

Na Avenida, caminhando, exercitam-se os músculos e as articulações, talvez se coordene melhor a respiração do que dentro com o aquecimento ligado, as janelas fechadas e as preocupações já no limite. E há com quem disputar argumentos.

No entanto, apesar das centenas de pessoas que por mim passam em poucos minutos, não encontro com quem falar ou discutir seja o que for com algum ganho ou transmitir e receber simples informação.

As pessoas passam, olham e continuam sem uma palavra, sem um sorriso, tal como eu.

Que aconteceria se tomasse a iniciativa e fizesse uma pergunta simples a alguns dos que se cruzam comigo, sei lá, “acham que o mar está hoje menos risonho do que ontem?” “Que lhes parece, se eu tirar uma fotografia só para comprovar que é o mesmo mar, se bem que diferente!?”Mais rendado, mais enigmático ou mais zangado…

Não, não creio que resulte. Talvez alguém dinâmico e empreendedor chame uma ambulância… A maioria se afastará com alguma pressa e sem uma palavra.

Penso que é bom ter com quem falar… se se falar. Se não se falar, não vale a pena ter com quem falar.

Por isso, tanto faz estar na rua como em casa. O problema é outro.

Lembrei-me que seria divertido para mim, lançar um tema de discussão em plena Avenida Brasil ou no Passeio Alegre ou no Jardim do Calem de modo que todos os que por aí passeassem tomassem conhecimento dele.

As pessoas principiariam a falar sobre o mote lançado, a dar opinião. Logo depois alguém contestaria em voz muito alta, sem autofalante. E outro contradiria esse e assim por diante. E antes de chegarem a um consenso, muitos estariam envolvidos em instrutiva pancadaria. E haveria grande espectáculo grátis, pro bono, mas género nouveau cirque, muito muito novo, inteiramente original, ou uma luta corpo a corpo para regalo dos assistentes, com toda a certeza, por essa altura, muito numerosos.

Que ao fim da tarde iriam discutir para casa, talvez com os seus botões, depois de terem exposto todos os convincentes argumentos em público, em altos berros, muitos jargões, e gestos expressivos adequados.

De certeza que o desfecho seria apropriado - para o espírito como para o corpo, ambos harmoniosamente exercitados.

Mesmo que eu não tenha descoberto as palavras, as imagens, os símbolos, os signos, os sinais, as formas e as cores para comunicar a minha conclusão com toda a clareza e inteligência… terei comunicado.

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publicado às 19:27

NINGUÉM ENVELHECE

por Zilda Cardoso, em 10.04.18

 

Há pouco, estava o Sol nas ruas, quase lá. Quis sentir o seu calor de mais perto; e saí.

Dois minutos depois, antes de virar a primeira esquina, começaram a cair minúsculas lágrimas, um tanto frias.

O meu entusiasmo esmoreceu.

É que não compreendo. O Sol promete vir e é chuva (com maiúscula?) que cai, e ele esconde-se sob nuvens pesadas e feias.

“Leve o guarda-chuva”, “leve o guarda-chuva!”

Por que o levaria …?! De resto, gosto que aquela água me escorra!

Estou confusa. Desconheço o mundo como é. Não posso ter qualquer experiência dele, apesar de viver no mesmo lugar há muitas dezenas de anos. É que este é diferente todos os dias e ainda conforme as horas do mesmo dia.

Quer dizer, o mundo é sempre outro. Não pode haver experiência do que é novo, do estranho, não pode haver conhecimento disso que se renova diariamente. Saber sem experiência é absurdo: não sei que possa haver qualquer saber sem prova, sem toque.

 

Aquilo que há milhares de anos tentamos descobrir com tanto afinco e tanta inteligência - quem somos, o que é o mundo – não conseguiremos nunca, não tanto por falta de complexidade do nosso cérebro como por falta de traquejo do mundo. Devíamos brincar mais com o universo.

 

Apenas empreendemos pequenas práticas relativas de coisas mínimas, não o mundo. Que esse que julgávamos conhecer,  mas não, não se deixa entender!

 

Não tive antes o direito de escolher o planeta onde queria viver, mas talvez tenha no presente o direito de ter os meus direitos nele, na Terra. Os que inventei para mim, pelo menos.

Quanto à meteorologia, devia ter regras e leis rigorosas para cada um saber minimamente com o que pode contar, como deve vestir-se, se é ocasião de plantar as cebolas no quintal, se são de apanhar as castanhas já...

A propósito: nunca devia chover na cidade!

Apetecia-me viver num mundo inteiramente outro novo, (já escolhi o meu próximo planeta e isto não é considerar o futuro, sempre frágil, mas apenas o imediato, o quase não-futuro, o presente futuro) acabado de criar, tudo à superfície, sensivelmente sem raízes, sem tradições, sem cultura, sem educação…

 

Com esta minha pesquisa, descortinei uma realidade importante: é afinal uma alegria viver apenas, não precisamos de desvendar seja o que for. É sempre tudo distinto, não é necessário saber porquê. Nenhum porquê. É só aprovar. Não sei se temos ou não capacidade de superar a tristeza de não descobrir. Se poderia haver tristeza. Ou se vale a pena pensar nisso.

 

Não careço de pensar (embora por vezes aprecie, quando não tenho nada relevante para fazer!) desde que não seja forçoso ou esperado alcançar ciência. Talvez unicamente pensar sobre mim mesmo tenha ainda e apesar de tudo algum interesse.

 

Cada dia que passa é um dia novo. É sempre um dia novo, está aceite. E se tudo é sempre novo, nada nem ninguém envelhece: nem o mundo nem os que o habitam.

 

É uma boa notícia.

 

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publicado às 19:53

O gato do Gallé

por Zilda Cardoso, em 05.04.18

DSC06825.JPG

 

 

Por que não escreve sobre um animal? Respondeu interrogando a minha amiga.

Considerando que a pergunta é muito mais importante do que a resposta que eu poderia dar, fiquei desde logo muito agradada, ri-me satisfeita com a sugestão, e tratei de analisar a interrogação procurando, do mesmo passo, as respostas possíveis.

Simplificando: decidi falar de um animal. Mas não tem que ser um cão, pois não?

De cães… todos falam, todos são donos orgulhosos dos seus incríveis pedigrees, todos e cada um contam histórias, de modo que é difícil não dizer banalidades. Além disso, gosto muito mais de gatos.

Da sua personalidade, do temperamento, das suas capacidades atléticas, das unhas maravilhosas especialmente concebidas para trepar, da velocidade em corrida, da sua visão na semiobscuridade, de como salta e sabe cair mesmo de alguns metros de altura, aterrando nas quatro patas sem problemas de maior.

Aprecio a sua noção de higiene, a extrema beleza do corpo elástico, macio e colorido, talvez porque dorme ronronando a maior parte do seu dia e sabe depois espreguiçar-se ao máximo, como felino que é.

Não gosta de ser agarrado, apertado, prefere poder esgueirar-se de qualquer colo na primeira oportunidade. Aprecia uma independência por vezes desconcertante, por isso, parece altivo, e é observador. E também contemplativo.

Sempre apreciei estas qualidades, acho que o compreendo.

“Ninguém é dono de um gato”, sempre ouvi.

O gato sabe dar-se quando quer, quando de algum modo lhe interessa. Não é assim tão mau, isso. Sabe também desaparecer sem dar cavaco nem motivo de preocupação. Ele volta… se quiser, é bom que queira.

(Não é agradável ter alguém sempre agarrado a mim, será?)

Não sei se é muito inteligente, mas tem que ser astucioso. Senão como se arranjaria no mundo hostil com toda aquela independência e altivez?!

Quando era pequena, diziam que tinha olhos de gato, eu não compreendia, mas esperava que tivesse ligação com a sua capacidade de enxergar de noite. Eu tinha muito interesse em divisar de noite coisas que ninguém mais veria, a não ser precisamente o meu felino preferido e antigo caçador nocturno.

Havia realmente uma ligação minha com eles. Seria a cor comum dos olhos, porque as pessoas que assim me classificavam, observavam-me muito de perto, quase encostando o seu nariz no meu, antes de chegarem a essa conclusão. Devia ser verdade, desejaria agora que fosse.

Por mim, fascinava-me, além dos azuis, dos verdes, dos dourados, a forma das pupilas, ora dilatadas, redondas, enormes, ora retraídas até serem uma fina linha vertical. Essa linha fina vertical… eu admirava sem restrições, procurando motivo para tantos mistérios. Acho que ainda hoje, haverá todo o interesse dos cientistas em estudar a estrutura e o funcionamento destes olhos para os saberes adquiridos serem aplicados ao género humano.

Todos os gatos gostam de ratos e de pássaros, quero dizer, gostam de os comer. E de peixe vivo ou morto. Se não aprovarem a comida que lhes põem… deixam ficar e, pronto, vão roubar. Ou caçar.

Acho que desejam objectos difíceis de apanhar sem armas de fogo, o que dê luta ou lutas corpo a corpo, correrias, raciocínios rápidos e olhares vivos, membros ágeis e articulações polidas. Pode ser pássaros que voam ou ratos finórios e sempre vencedores, género Jerry disneyanos – mas nada de comida processada.

Em casa dos meus pais, havia um gato, pelo menos, acho que era uma gata, quase sempre. Tinha uma missão e uma função: a de caçar ratos que davam grandes prejuízos e transmitiam doenças. As gatas eram mais agressivas e melhores caçadoras, favoritas.

Tinham ninhadas monumentais com muita frequência e ninguém sabia o que fazer de tantos bichanos que, no entanto, eram afectuosos. Foi a observá-los que vi, com enorme surpresa, alguém nascer e aprendi acerca da missão de todas as mães. Ficou sabido para sempre.

Impressionou-me o carinho e o sacrifício da mãe ao transportá-los de um lugar para outro para os defender de qualquer perigo, sem magoar, só amor, alimentar tantos mesmo sendo franzina, lavá-los com primor a todo o momento sem se cansar, ensinar-lhes a serem empreendedores. Recordo que havia quase sempre um mais débil, mais pequeno, o último a nascer talvez: esse merecia especial atenção da mãe. Nenhum era rejeitado.

Menina pequena, estendida de bruços e cotovelos fincados no chão, mãos no queixo, passei muito tempo a espiar, a tentar entender aquele mundo simples, possivelmente perfeito.

Procuro, no momento, descrever algumas das belas imagens que me ficaram do seu amável e discreto convívio. Evoco em especial os olhos verdes ditos de lince (agora sei que há outras cores, mas sempre uma visão acima do normal), amigáveis para mim, às vezes, maliciosos; e lembro-os sempre prestes a apoderar-se do que lhes fazia falta, sem rodeios, sem fingimentos… só porque tinham e têm direito.

Deles e das suas características, sinto sempre saudades.

 

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publicado às 19:08




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