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Aconteceu hoje uma coisa imensa: compreendi que estar ou não estar só, depende principalmente de cada um. E estar só é tremendo!
Ninguém deve colocar-se nessa posição. Há alguém que goste de estar sempre só? Nem por isso. Como assim? Então devemos procurar companhia, não esperar que o mundo venha ter connosco.
Não vem.
Há biliões de pessoas no mundo, de muito variadas línguas e cores, formas e feitios, com aptidão para nos acompanhar. Não aceito que não haja alguém, mais do que uma pessoa, naturalmente, que queira seguir-nos nas nossas actividades, só pelo gosto de estar connosco! E a quem nós possamos retribuir dando com alegria idêntica alegria e um olhar acolhedor?! É inconcebível e, pelo menos, matematicamente impossível, logo, mentira!
No entanto, pode não ser tão simples como está a parecer. Há que fazer escolhas, surgirão conflitos e… é difícil aprender como o outro é.
Assim, as pessoas disponíveis podem não ter qualquer afinidade connosco. Haverá quem cuja conversa nos não merece atenção. Terão outros interesses, outros objectivos na vida, diferente cultura e educação, sei lá... não se entenderem connosco por serem de outra época, de muito mais idade. Cada vez há mais pessoas nesta última categoria e por consequência maior desentendimento.
Os motivos das variadas diferenças são a descobrir. Haverá muitos e ocupar-nos a desvendá-los é uma tarefa importante que nos leva a esquecer que estamos sós. Alias, deixaremos de estar sós: feixes de ideias tomarão a nossa mente até um exagero de ocupação.
Aqui, recordo Eduardo Lourenço num artigo de 1987, Repensar Portugal, em que diz que os Portugueses vivem mais a sua vida do que a compreendem. Talvez seja próprio dos Portugueses, como insinua E.L. ou comum a muitos povos, como admito eu, não sei, o certo é que dá trabalho pensar e descobrir razões, e esta mesma ideia, quero dizer, o pensamento de que dá trabalho pensar, é muito comum e aceite. Para quê compreender, dirão? Pois, para quê e o quê?
Esse comportamento será responsável por estarmos ausentes da nossa realidade, como também ali se diz? Continuamos a estar ausentes depois de Abril? E teremos, nós portugueses (desde sempre poetas a caminhar a um palmo do chão) tomado consciência da nossa realidade? Continuamos a viver demasiado de imagens e mitos?
Vale a pena prestar atenção ao que escreve Eduardo Lourenço sobre o tema, eu vou continuar a ler e falarei nisso, só para vos lembrar da importância de reflectir sobre as suas palavras, analisá-las e discuti-las. Certamente haverá de imediato grandes diferenças para melhor.
Voltando à solidão… não há nada pior para um bom convívio e para uma vida razoável com outros do que alguém se mostrar desamparado, a abarrotar de solidão sólida, de cortar à faca. E que a exiba como um troféu.
É contagiosa a solidão e, por isso, quem de bom grado se aproxima da pessoa doente, por gosto e sem pensar no serviço que está a prestar!? Quando os sinais de isolamento são visíveis ninguém ousa aproximar-se, quebrar esse elo que se fecha sobre o próprio. Que é rejeitado.
Tem dois caminhos: ou se deixa amachucar de vez ou reage de forma radical e salta fora agilmente, criando os tais mundos novos que todos esperamos de uma raça de antigos vencedores e de heróis e que agora são outra coisa com alguma nostalgia à mistura (sem deixarem de ser vencedores e heróis).
Por isso, o que desejo é que estejamos inseridos na nossa realidade que é dinâmica e sempre actual por sermos conhecedores dela, por termos reflectido com desprendimento e desenvoltura sobre nós como povo, por sabermos quem somos no momento e não em definito e para sempre. E por estarmos abertos ao mundo.
Partem decididas todos os fins-de-dia
na mesma direcção, ignoro se voltam
talvez abracem outros caminhos.
Nem reparam no meu apelo
para que fiquem algumas
só até amanhã, para não irem tão longe
e porque seria outra com elas
a minha varanda encantada.
Nunca as vejo regressar
o que abandonam?
Tenho saudades das que podiam ter ficado
no meu balcão de ver o mar.
Já nada é azul a esta hora
nem o mar nem o céu.
Para onde partem elas
com rumo tão certo tão definido?
Algumas voltam, por instantes
um pouco atrás,
mas logo se invertem, seguem o bando
às centenas centenas milhares,
todas, diria.
Não apreciam as estrelas
que virão mais tarde.
O bando passa sempre ao fim do dia
não quer sentir o calor, o brilho delas
não precisa que lhe iluminem o caminho.
Será esse o seu plano
e a razão da pressa.
Pensei que lhes agradasse o frio
o romance da lua de Fevereiro…
mas nunca vêm a tempo do luar.
Apenas vão e não voltam
serão outras todos os dias.
O céu das gaivotas e doutros pássaros
é agora carregado, negro espesso
já nem cinzento e rosa como foi.
Enquanto um avião luzidio
à distância se vê
e se aproxima em silêncio.
Trará o fim do Inverno
distinto tempo novas histórias
de Primavera, pequenas novas histórias
ou de Verão, para meu deleite.
O que pensar sobre isso, o que pensar sobre outros temas e quais?!
Ao longo dos dias, procuro viver tranquilamente, observando o que me rodeia, ao longe, ao perto… Dizer o que penso sobre isso, sobre o mundo sensível,
não é difícil.
Mas há o outro. E é muito delicado entender as pessoas desse outro mundo, mundo aparte para mim. Como se houvesse dois mundos, compreendem?
Afinal e o pior é que estas mesmas pessoas povoam o mundo/paisagem que me seduz. Então talvez não sejam dois mundos. É que gosto de pensar no mundo paisagem como se não fosse povoado por pessoas. Ou como se as pessoas não fossem estas de que me dou conta e que estão sempre de tal modo preocupadas com a sua vida que se esquecem de sorrir.
Parece que essa vida, que é sua, as preocupa demasiado. E, desse modo, se esquecem de olhar para além, de mirar as belezas do panorama, de se deslumbrarem com ele (se é que sabem que existe e que hoje é diferente de ontem).
Mas também não preveem aquilo de que os outros-muitos necessitam, os que passam ao seu lado. E que pode ser simplesmente companhia, ajuda, amizade, partilha… atenção.
Não sorrir… é uma pena! Não apenas no ponto de vista estético mas também porque supõe uma qualquer dor. E fico a interrogar-me por quê? O que lhe dói, até onde lhe dói? Por que está triste ou zangado? Que desgosto o atormenta? Que punição…? Terá havido justiça na sua vida?
Os humanos inventam desgostos, castigos, aflições, angústias com tanta frequência que raramente estão deveras felizes e deleitados. Supondo que apreciarão estar felizes e deleitados… sentirão a mágoa de não estar.
O que é preciso modificar?
Acho que é urgente mudar sobretudo as nossas zonas de interesse, definir o que tem valor e o que não tem, e a nossa forma de resolver os problemas, nossos e dos outros.
Porém, isto, sim, é problemático. Começa por ser complicado entender as pessoas e não sei se me apetece inventar um mundo de que essas pessoas estejam ausentes. Mas é uma ideia… ser audaciosa e aventureira e arriscar…
Alguém tem coragem de alterar esta ordem de coisas? De ensinar às crianças o fundamental?
É que eu gosto de pensar e sinto-me obrigada a reflectir sobre realidades e sobre sonhos, sobre seres e sobre palavras e o modo como se relacionam. E sobre mitos e segredos.
Mas…
Não posso e não quero estar sempre a magicar na mesma coisa, tanto mais que essa “coisa” me traz um mundo de emoções e me deixa um tanto ou quanto triste e sem saber o que pensar. E como não concluo nada, volto sempre ao princípio. E é um sem fim.
É também um risco de endoidar.
Na verdade, esta natureza natural de que vos falo com frequência serve como é, não inventaria nada novo para ela. Seria estúpido querer um mundo/paisagem mais estimulante, mais atraente do que o que está aqui agora, aquele que posso experimentar e testemunhar. Tocar. E que é infinitamente múltiplo e variável, fluente e dinâmico, diferente todos os dias! Que aprendi a amar e nunca me decepcionou, mesmo quando é medonho; e nunca é medonho.
O outro não serve, é claro.
Com os seres humanos, nada do que os outros realizam tem qualquer interesse ou desculpa, nada do que fazemos tem valor e aceitação para os outros.
Quando pretendemos entrar nesse mundo – humano – o que sentimos é uma desolação completa. Não somos o que desejaríamos ser, tal como já descrevi. Não somos e damos cabo do outro mundo que, no entanto, nos seduz, me seduz. Seremos pessoas que sentem algumas obrigações? Por exemplo, a de estarmos satisfeitas connosco por sermos bondosas, interessadas com o que acontece aos companheiros de viagem, e dispostas a cumprir as regras fundamentais de convivência?
Prefiro participar do mundo naïf da paisagem do mesmo modo que aquele barco minúsculo, lá ao fundo, rodeado de mar cintilante por todos os lados; como o horizonte nítido que separa com rigor mar e céu; como os pássaros que gozam o sol e o bom tempo, mas se não detêm. Farei o possível por lhe pertencer, mesmo que isso implique alguns conhecimentos relacionados com sabedoria e não com ciência, alguma coragem, alguma moderação.
Com o tempo… talvez consiga.
Qualquer experiência humana é radical – li algures. E acredito, referindo-se à experiência de uma vida. Mas também se aplica a qualquer pequena aventura do dia-a-dia.
Hoje, na Casa da Eira, nada de brilhos nem das claridades de que me recordo, não havia reverberações nem transparências. Sendo Inverno como tantas vezes quando venho, tinha-me esquecido disso, é natural que seja assim, salvo por momentos em que o sol brilhava com intensidade e tudo se conformava com a minha memória.
A razão da jornada era bem outra, quero dizer, fui observar o jardim de outro ângulo, decidir de como o ajudar para que renasça saudável na Primavera. Era preciso limpar as árvores de muitos ramos secos, dando oportunidade a novos de reviverem. E foi preciso podar.
Podar é complicado e poucos sabem. Poucos sabem que é complicado e poucos sabem podar. Mas quando cheguei com pré-aviso, os caminhos estavam já inundados de ramos aparentemente inúteis. É só preciso um impulso, mesmo de longe, e coisas como esta acontecem.
Devo dizer que é uma tristeza um campo assim! Perante a minha consternação, o responsável disse: “Não se aflija, tudo vai rebentar! Mais um mês ou dois com sol e boa temperatura e estará tudo florido! Mais do que antes!”
Não é de todo verdade, mas é certo que muito disso vai acontecer. Quero voltar quando tiver acontecido, quando houver risonhas flores por todo o lado e folhas frescas e transparentes nas pernadas.
É minha ambição esquecer esta tortura, os sacrifícios impostos, mas tenho experiência de não cortar, de não torturar e não resulta, acontece o pior… O jardim e o pomar viram rapidamente selva, o que não parece conveniente, pelo menos aqui: temos apenas um pequeno espaço de regalo e talvez não fosse aceitável ter leões e panteras, elefantes e zebras… além do mais.
Por essa razão, continuarei a prestar às plantas uma atenção impiedosa. Vir aqui com esse desígnio foi de uma lucidez insustentável! Não quero voltar a tê-la… tão cedo, já que elas revigoram mas eu… desgosto-me, do mesmo passo.
Preferia que houvesse uma fórmula mágica que transformasse este pomar velho num pomar de árvores suculentas e frutos perfumados, coloridos e suspensos. Alguns formarão cachos, outros… tomarão outras formas. Serão sempre fonte de emoção antes de serem canibalísticamente saboreados.
Sinto muitas obrigações para com elas: tratá-las bem, dando-lhes o que necessitam – é o que espero conseguir, mas confesso: a tortura da poda é imposta mais a pensar na quantidade de frutos em que hão-de ser pródigas do que no bem-estar delas, minhas amigas de longa data.
Esta é a minha confissão, a minha memória, a minha apologia ou defesa… (tenho que rever as complicadas diferenças entre estes termos).
No dia seguinte, em busca de renovada aventura que justificasse a ideia de vida radicalmente nova cada dia, contemplo tranquila a paisagem. Vejo o Monte Santa Tecla e muitos outros por trás, isto é, desviados ligeiramente à direita, montes pequenos e pouco recortados: um, outro, ainda outro, de formas diferentes, diversas cores…
Acho que nunca tinha visto conjunto tão curioso, apesar de anos de contemplação do lado de cá do rio... É bonito! foi só o que pensei.
Pouco depois, vi aproximar-se um nevoeiro denso, pouco branco, moderadamente cinzento – na realidade, diversos tons de cinza e luz – e manchas sobrepostas, desiguais espessuras com extravagantes formas geométricas em cascata, e rapidamente cobriu todos os montes, com espanto meu.
Pareceu-me uma gigantesca pintura de arte moderna em exposição. Magnífica! Iria deter-se sobre os montes impedindo-os de serem vistos? Ou continuaria em movimento e em transformação e eles voltariam a ser visíveis do meu lado?
Daí a pouco, o nevoeiro ou o que fosse, tinha desaparecido e levado com ele… precisamente os pequenos montões que sempre vi ao lado do de S.ta Tecla, a mártir. Na verdade, o que fosse passou, não sei se chegou a deter-se. Talvez por instantes, para ser admirado.
Foi estranho.
Estará o mundo a mudar rapidamente a ponto de coisas desta envergadura desaparecerem ou mudarem de sítio?!
O velho Monte, talvez respeitando o povo celta (?) que no século I a.C. ali terá habitado e constitui um dos maiores castros conhecidos, continuou inexpugnável, belamente recortado no azul, cravado como sempre no lugar, imponente, sobre a água.
Terei uma nova visão das coisas? Ou é antes a minha delirante imaginação das coisas?
Que experiência exaltante! E radical, sim.
Julguei tê-la perdido, aquela manhã.
Com mágoa a procurei
caminhando como sempre
a um palmo do chão
leve, tão ligeira, empenhada …
Sobre mim apenas o céu azul
o que se encherá de estrelas à noite.
Desde há vários dias
que a procuro com receio
saudosa do sol magnífico
e magnânimo que dá fulgor
a toda a paisagem até ao horizonte
e da briza que ondula
o mar em espuma e renda.
Mas esta manhã encontrei-a.
Achei tudo de que me lembrava.
Animado, para mais.
Terminou o silêncio profundo
que me impacienta
e não compreendo,
as cortinas de nevoeiro…
o que não se abre nunca e não se movimenta.
Vi-a, finalmente, aquela manhã
esplendida, cheia de luz
como sempre a conheci
Apesar do Sol e do seu brilho que entra pela casa dentro e me ilumina… não deixo de me sentir triste-sem-razão.
Interrogo sem fim a paisagem que parece ter-me sido oferecida. Poderia considerar um privilégio saber apreciar o que vejo. Isto é, ver não apenas com os olhos. Ver para além. Como … para além do espelho. Como quando Alice vê o outro lado do espelho ou o que está por detrás.
Mas não. Hoje não sinto nada disso, razão de estar triste, ou… como devo chamar a este estado tão desconsolado…?! Quero dizer que estou só - que estou só triste - e que não gosto da palavra por muito bonita que pareça… e simples. E fácil de entender.
É que estou longe, estou muito longe aqui na casa onde me encontro no momento e na maior parte dos meus dias. Quase sempre. E onde continuarei até… não sei.
Longe.
Talvez ainda lhe não conheça todos os recantos. Porventura, tenha preferido sempre olhar para fora, para o que se modifica em cada décimo de segundo, para o que escusa a minha intervenção, para o que não a admite, isto é, para aquilo que não tenho capacidade de abordar.
É assim que aprecio as coisas em que não posso tocar: acho que as desvalorizaria e que as vulgarizaria se as apertasse nos meus braços, se as tivesse no meu colo.
É bom não poder tocar no céu nem no mar. Nem na passarada que vejo passar decidida, a certa hora. Nem quero sequer tocar nos barcos à vela que passam constantemente em frente a mim num sentido e no outro.
É por isso que afinal estou feliz, enaltecendo, valorizando. Só.
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