Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Apesar do Sol e do seu fulgor que entra pela casa dentro e a ilumina e me ilumina… não deixo de me sentir triste, nesta bela tarde de Inverno.
Interrogo sem fim a paisagem que parece ter-me sido oferecida. Poderia considerar um privilégio saber apreciar o que vejo. Isto é, ver não apenas com os olhos. Ver doutra maneira. Como Alice quando divisa o outro lado do espelho ou o que está por detrás e para além dele. Alice quando entra nesse mundo de maravilhas… through the looking glass.
Mas não. Hoje não sinto nada disso, razão de estar triste, ou… como devo chamar a este estado tão desconsolado…?! Quero dizer que estou só - que estou só triste - e que não gosto da palavra por muito bonita que pareça… e simples. E fácil de entender.
É que estou longe, estou muito distante, aqui, na casa, onde me encontro no momento e na maior parte dos meus dias. Quase sempre. E onde continuarei até… não sei.
Talvez ainda lhe não conheça todos os recantos. Porventura, tenha preferido sempre olhar para fora, para o que se modifica em cada décimo de segundo, para o que escusa a minha intervenção, para o que não a admite, isto é, para aquilo que não tenho capacidade de abordar… Ao meu nível.
Longe.
É assim que aprecio estas coisas em que não posso tocar: acho que as desvalorizaria se tentasse e que as vulgarizaria se as apertasse nos meus braços, se as tivesse no meu colo.
É sadio não poder tocar no céu nem no mar. Nem na passarada que vejo passar decidida, a certa hora. Nem quero sequer tocar nos barcos à vela que passam constantemente em frente a mim, num sentido e no outro. Ocorrendo apenas. Ou apresentando-se.
Não quero. É por isso que estou feliz. Enaltecendo só.
Ser solitário pode ser um luxo.
No presente, é para mim muito negativo ser solitário.
Solitário faz-me lembrar duas coisas: a lógica de Carroll bem clara em Alice do Outro Lado do Espelho e a jarra alta para uma flor só, sozinha e única, que procurei durante anos nas casas de velharias da cidade.
Encontrei alguns desses solitários elegantes e sofisticados que continuo a apreciar no meu ambiente, dia-a-dia.
A flor neles dura enquanto durar.
E se pelo contrário não durar… não dura.
“Sei no que estás a pensar, mas não é assim. Pelo contrário, se fosse assim como eu digo, poderia ser como eu digo e, se tivesse sido assim, teria sido assim. Mas dado que não é, não é”.
É a lógica em que tentamos descobrir como as coisas são, raciocinando com base no que já sabemos. Conta como uma boa razão para o quê e o porquê.
Procuro raciocinar com lógica, dando razões e chegando a cconclusões válidas, às vezes à maneira do par Tweedledum/Tweedledee que eu acho tremendamente atilados, compostos e racionais.
Aconselho vivamente a leitura dos livros dos autores de que falo aqui
.
“Lógica”, de Graham Priest, Começar, Temas e Debates.
Tinha aquele livro na mesa de cabeceira há bem dois anos, mas nunca o abrira. Decidi que não ia gostar antes de iniciar qualquer abordagem – o que é uma atitude, pelo menos, estúpida.
Hoje abri-o. Havia umas citações, uma por cada página de entrada, e comecei a ler o texto propriamente dito. Não passei das primeiras linhas da primeira página!
Afinal, tinha razão a minha desrazão. Não gosto. Não gosto nada, não vou explicar por quê. E já tenho sabido de coisas mais tolas do que esta minha tolice, mas enfim… não se fala mais nisso!
Levantei-me e fui espreitar à janela. Não. Não posso explicar por quê. Ora essa! E olho para toda a paisagem exterior rescendendo a estopada, cinzentura e humidade. Não há brilhos e eu começo a ficar farta deste planeta monótono, sem escapadela possível. Talvez se houvesse umas cenas teatrais, de opera e ballet, de Inverno na Rússia, sobre as ondas geladas movimentando-se, e se desenrolassem quebradas em pedaços lindíssimos, transparentes, cintilantes, e tombassem sobre a areia na praia... Nunca teria visto nada tão interessante. Na verdade, deslumbrante!
Mas eu quero é ir para outro planeta. Quando podemos ir? Um mais alegre, mais divertido, solheiro… Já escolhi há muito tempo, marquei lugar, tenho tudo preparadíssimo. Poderei levar comigo o meu neto mais novo, se não tiver aulas de futebol, nesse dia. Talvez tenhamos sorte os dois. Vou tentar marcar meio bilhete para ele.
Tomei outra decisão marcante, hoje: almoçar exactamente ao meio-dia.
Entrei na cozinha, olhei para o relógio, 12 horas. Receei, tive a certeza de que não ia cumprir, o que me enfadou. Fui directa ao frigorífico, tirei umas coisas já cozinhadas e comi assim frias com muita satisfação.
Terminei com vinho do Porto, como é devido nesta cidade, um tawny de 30 anos, Taylor’s, uma beleza.
Eram 12h 20m.
Vou descansar.
Estivemos bem naquele restaurante/bar que é esplanada e noutro tempo teve funções muito diversas. Criado em 1946, projectado pelo arquitecto Amoroso Lopes em estilo moderno art-deco, foi desde lugar de festas, no primeiro andar, a garagem de automóveis e oficina no rés-do-chão.
Esteve fechado 30 anos, um desperdício!
Noutro tempo, que agora evoco, os pais, que não permitiam que as raparigas saíssem à noite, deixavam-nas frequentar o Belo Horizonte em ocasiões especiais, pela tarde para dançar, dizia-se para o chá dançante. Alguém organizava uma coisa dessas e aí íamos muito autorizadas e divertidas, um pouco soltas.
Se a música nos agradava e os pares para a dança também, não nos importávamos com o sol a iluminar os detalhes, eu pelo menos não era fã da noite nem dos seus segredos. Bastava-me a música e a perícia e o encanto dos pares na dança para me sentir feliz e seduzida para toda a semana.
Há dias, juntámo-nos doze jovens amigas e fomos almoçar ao BH. Algumas já não se viam há anos e alguém sugeriu que levassem o nome escrito na lapela para evitar embaraços, já que os estragos do tempo eram consideráveis. Ninguém o fez, ainda bem, apesar de tudo as tempestades não foram tão devastadoras que nos tornassem irreconhecíveis.
No fim do almoço que nos agradou, teríamos passeado na Avenida se o tempo o tivesse permitido. Como não, visitamos o apartamento de uma de nós, a dois passos dali, com vista esplendorosa e desconcertante sobre o mar. Na varanda aberta, sentimo-nos sobre as ondas largas, vigorosas e como iluminadas por clarões, que avançavam, correndo para os nossos pés. Era um espectáculo quase excessivo.
O apartamento, muito classicamente francês sem uma falha, é um primor e, em toda a minha vida, só conheci um igualmente bem arranjado, organizado e embelezado. Há, no entanto, uma notável diferença entre eles: para a amiga francesa, com uma paixão pela decoração, tudo tem que estar perfeito num determinado estilo; a portuguesa é mais apaixonada pala organização em si, sabe a todo o momento onde está o quê, não poderia conceber que uma vírgula estivesse fora do sítio das vírgulas. Nem outra coisa qualquer, de resto.
Fomos recebidas por um cãozinho amoroso, muito bem-educado e cheiroso, mas alvoroçado com o movimento das visitas, aproveitou para, num golpe inteligente, abusar um nadinha saltando para os sofás. Por instantes.
A meio da tarde, regressamos cada uma a sua casa. Quanto a mim… pensando seriamente como organizar as minhas tralhas de modo a que sequer me entenda entre elas. De qualquer jeito, acho que não saberia, mas gostaria de saber, viver assim, no meio de tanta perfeição.
Num próximo encontro semelhante, passearemos na Avenida sem vento, com o programa engendrado na própria tarde, porque nunca se sabe se haverá, como desta vez, uma bela alternativa.
Julguei tê-la perdido, essa manhã.
Com mágoa a procurei
caminhando como sempre
neste lugar a um palmo do chão
leve, tão ligeira e empenhada …
Sonhando o céu espesso de azul
o que se encherá de estrelas à noite,
apenas ele sobre os meus ombros.
Desde há vários dias
que a procuro inquieta
e saudosa do sol magnífico
e magnânimo que dá fulgor
à paisagem até ao horizonte
e da briza que ondula
o mar em espuma e renda.
Esta manhã encontrei-a.
Achei tudo de que me lembrava
animado.
Findo o silêncio profundo
que me impacienta
e não compreendo,
Não estão as cortinas de nevoeiro
nem o que não se abre nunca
e não se movimenta.
Achei-a, finalmente, aquela manhã
esplendida, cheia de luz
tal como sempre a conheci.
Esta época da minha vida, que é nitidamente de retirada da maioria das actividades que me ocuparam até há pouco, é propícia a uma reflexão profunda e sobretudo tranquila e sensata sobre os problemas da vida. Tempo não falta, tempo em termos de espaço, espaço de tempo. Deixou de haver pressão para tomar decisões rápidas e concisas.
No presente, é tudo mais simples: observo demoradamente, tento disciplinar o meu pensamento afastando o que não importa, pensar com qualidade, reflectir. Posso dizer o que pensei deste modo, escrevê-lo ou não. Se não chegar a desfechos não é grave, outros chegarão por mim… a tempo. E serão conclusões mais frescas, mais modernas, menos ponderadas. Serão conclusões que refletem este tempo exibidor dessas características.
Há pelo menos um detalhe que eu julgo conhecer e posso, para já, afirmar como tal: é que não há neste nosso mundo uma conclusão que possa considerar definitiva, uma só. Ninguém a descobriu : é apenas isso talvez. Tudo é provisório. Por isso se diz que não há verdade absoluta, o que neste primeiro dia do ano 2018, me deixa tranquila (depois de ter passado toda a vida a tentar desvendá-la).
Porém, já não quero meter-me em sarilhos buscando o que não existe, quero dizer, a verdade. Quando o nosso cérebro crescer ou se complexificar o suficiente para compreender o que não compreende… compreenderemos. Posso importar-me muito com esta desolada conclusão ou não. Acho que já não me afecta; é deste modo que se chega à idade da sabedoria. (Ouçam o que eu digo!).
Durante muitos, muitos anos, fiz perguntas aos sábios e aos sabedores ou mestres ou sages procurando respostas satisfatórias para as minhas dúvidas. Até que concluí que o que é interessante e o que posso continuar a fazer é… as perguntas certas.
É isso que espero que aconteça no ano que está a iniciar-se.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.