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fala, palavras, letras

por Zilda Cardoso, em 12.12.17

Analisando a forma de algumas pessoas pronunciarem os seus simples discursos, seja, a sua maneira de falar, sou a pensar que as palavras que dizem e que constituem as suas falas não correspondem às que conhecemos constituídas por letras redondas ou ovais ou coisa que o valha, tal como as aprendemos na escola para serem escritas. Na verdade, pelo som, parece quase não terem volume e são achatadas e tortas, muito irregulares e, para mim, esquivas, difíceis de ouvir e entender.

Como poderia escrever o que elas dizem? De que modo lhes descobrir o sentido…?

E, portanto, neste momento, estou a ouvi-las, mas não as ouço. Além do mais, naqueles discursos, as palavras restam desgraciosas e sem energia e eu perco-me no fascínio dessa análise, naquela miscelânea, na aparente desorganização do que, na verdade, não tem forma definida, volumosa e conhecida.

Presto à cena uma atenção impiedosa, suponho. No meu silêncio, desejo ouvir o que for em boa cadência, sonoridade agradável, entoação harmoniosa. E calculo que seja mais fácil encontrar originalidade e arte, eloquência e divertimento aqui do que em fraseados regulares e lineares.

É claro que não me refiro propriamente a letras desenhadas no papel mas sendo discursos orais, falo do que se diz, do que é pronunciado, de sons, de fonemas.

Além de que as falas, (palavras faladas e discursos orais) têm em geral uma finalidade: são para serem ouvidas e/ou percebidas. E eu fico-me muito para trás: não entendo aquelas palavras e logicamente também não os discursos mesmo se os oiço.

Nesse sentido, é inútil tentar.

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publicado às 15:18

KANSHA

por Zilda Cardoso, em 11.12.17

                                      

Quero dar graças por haver nascido e por, tendo nascido, me

            ser dado apurar o ânimo nos rigores da vida;

Quero dar graças por ter nascido onde nasci, pois que,

            nascendo onde nasci, pude afeiçoar-me a um trecho de

            amorável geografia e aos que lá enraizaram o seu destino;

Quero dar graças pela gentil simetria da flor que me aconteceu

            no parapeito da janela, pois se uma semente invisível

            gera tal prodígio, é vão o desespero;

Quero dar graças pelo tamanho das minhas dúvidas, pois que,

            se fossem menores as dúvidas, eu estaria acaso

            mais longe da Verdade e mais perto do orgulho;

Quero dar graças por não ter herdado ou ganho fortuna:

            a frugalidade abre horizontes dentro de nós e desperta-nos

            para as coisas eternas;

Quero dar graças pelo jeito que não perdi de sonhar, pois o sonho

            fecunda a vida de um fertilizante que não morre;

Quero dar graças por aquela doença que, fechando-me em casa

            por tempo desmedido, me ofereceu poder ler o que jamais

            leria com tão frutuosa pausa;

Quero dar graças por ter visto em meu redor o aparente sucesso

            da ambição e do embuste, pois fui-me dando conta de que

            vitórias actuais podem significar derrotas adiadas;

Quero dar graças por ter achado nos caminhos da vida gente que

            deturpou a minha boa intenção e disso retirou ganho.

            Tornou-se-me, assim, mais claro que o verdadeiro Juiz

            não é deste mundo;

Quero dar graças por quantos me usaram, e não raros, para atingir

            os píncaros – cá em baixo poderei ampará-los na queda;

Quero dar graças pelo desamor radical aos penachos, por cujo brilho

            tantos se mordem, pois que sem eles encontro a liberdade;

Quero dar graças porque, tendo o meu antigo clube, embora

            moralmente vitorioso, perdido todos os jogos e a sua

            Direcção o devido decoro, vivo hoje na maior

            serenidade desportiva, não tendo clube nenhum;

Quero dar graças por haver números tão curiosos como

            a raiz quadrada de menos dois,

            e por aquela estrela azul ao endireito da galáxia M96,

            e pelo binómio de Newton, pois

            coisas assim embalam a imaginação;

Quero dar graças por tudo o que na vida perdi sem remédio.

            No vazio aparente que ficou pôde germinar uma nova esperança.

 

Autor: António Simões Netto, cerca de 1980.

(Kansha significa Gratidão em língua japonesa - nota do autor)

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publicado às 21:34

INCOMUNICAÇÂO

por Zilda Cardoso, em 11.12.17

 

 

  

DSC06250.JPG

 

 Das imagens que as palavras suscitam

nos outros e em mim

perdi a memória e o sentido…

resta-me a solidão

e que o Inverno chegue

e as chuvas caiam dentro de mim

sem interrupção.

Que se dissolva tudo

o que importa

e eu deixe de ver a curva do monte

e o recorte dos eucaliptos azuis

no céu de qualquer cor,

de cheirar o alecrim em flor...

que deixe de tocar a cabeça das crianças

de saborear a água sem sabor

de ouvir os pássaros.

Até que o poema se acabe

 E venha o silêncio enfim…

Ou até que…

 

(escrito em Crato,1998, certamente num dia como o de hoje)

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publicado às 13:02

Sombras e ecos

por Zilda Cardoso, em 09.12.17

DSC05829.JPG

Dia tristonho… hoje… um dos que eu não aprecio… Parece chorar sozinho e sem motivo, ele, ninguém mais clama e lacrimeja, ninguém o acompanha nesse pranto universal, ninguém está com o dia.

É um choro apagado e sem emoção. Quem o acompanharia nesse deplorável estado em que, no entanto, todos o podem ver e lamentar? E alegrar-se alguns, quem sabe?

Estou numa espécie de ressaca, presa em casa, com alergia ao ar frio. Espirro tão forte que não sei como não fico de todo vazia. Na verdade, não sei se fico.

O que vejo é o espectaculo excessivo de nada: sem esplendor, sem brilhos, sem metáforas, sem clarões. Alguém nos “o” proporciona com muito desejo de figurações, de formas, de cores.

Porém, como vai ser contada a história deste dia? Preocupa-me. Será como uma soma de cenas reduzida a uma cena imensa sem graça e sem agilidade, em que nada acontece?

É um cinzento obstinado, isso, eu sinto, e não tenho a certeza de que seja o mundo real, ou se tenho os olhos fechados; se quando os abrir vou ver finalmente o mundo verdadeiro, ostentosamente real.

Não sei nada disso.

Neste momento, parece-me haver uma cortina, não vejo senão isso. Pode o mundo ser reduzido a este véu opaco?

Será uma doença!? (Que ideia sedutora, redutora!) Uma epifania?!

Este cinzentismo espesso é de tal modo convincente que penso que me enganei e nunca existiu a paisagem aqui, o panorama que eu adorava e de que vos tenho falado. Há uma dúvida agora: nunca terá havido neste lugar o mar, o céu, os barcos, as copas e as esplanadas, a passarada, aquela luz…?! A beleza em que o lugar era pródigo?!

 Ficarei bem mais triste e solitária, se amanhã...

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publicado às 19:07

"A grande conversa universal"

por Zilda Cardoso, em 06.12.17

 

Rodeio-me naturalmente daquilo que considero belo. É, em geral, a natureza, quero dizer, a paisagem e aquilo que os homens criaram para o seu bem-estar e que embelezou a paisagem e os recantos recolhidos onde gostam de viver.

Há aí coisas delirantemente feias e há coisas belas, é a minha opinião, nunca chegaremos a acordo quanto a isto. Nunca chegaremos a acordo quanto às qualidades e às características da maior parte dos objectos e dos acontecimentos deste mundo.

Mas estou a simplificar de forma desconcertante.

Se me for possível, e faço por isso, vou ver o pôr-do-sol incandescente, eternamente único, há uma ínfima diferença de detalhe, cada dia. Vou vê-lo. Isso me satisfaz ao ponto de me sentir feliz por poder contemplá-lo, sem mais, sem pensamentos entrelaçados que são, por vezes, tremendamente asfixiantes.

Fico tranquila e tento ver com singeleza o que lá está.

Não é apenas o poente que me dá este conforto. Todas as belezas que os Poetas celebram merecem que eu as exalte, merecem ser celebradas.

A Lua de há dias, plenamente luminosa no céu, espelhou no mar como um sol, em plena noite.

O Céu com as magníficas constelações de estrelas que muitas vezes o decoram e o iluminam.

O Mar triunfante ou pacífico, com ou sem transparentes rendas brancas sumptuosas, com reverberações e desenvolturas, e invulgares brilhos irradiantes e mesmo ofuscantes.

Do outro lado, a majestade das montanhas com os cumes cada vez mais altos, desejosos de se aproximarem do céu ou da divindade.

Os rios e os riachos sinuosos, amorosos, sensuais...

Sou facilmente seduzida pelo silêncio, por certas alusões enigmáticas, pela musicalidade leve que nem sempre é macia e pelas ilusões que se perseguem.

É um espectáculo megalómano talvez aquele de que falo e que prezo, mas também é mágico.

Nenhum tédio palavroso de alguém menos prevenido me leva a parar para escutá-lo.

As fealdades (torpezas, indignidades, hediondezas…) não me cativam nem na natureza nem nas obras construídas ou criadas pelos homens. Por isso, não aprecio as obras de arte contemporânea que em geral apresentam uma visão do mundo catastrófica, carregada de ruídos anacrónicos, de sombras e de monstros fazendo esgares.

Não quero saber, não escreverei sobre essas experiências de tristes realidades. Não esbanjo o meu tempo com contemplações tais.

Ruídos… só aprecio, comovida, os das asas dos pássaros que por aqui passam em bandos copiosos, ao fim do dia, a caminho do seu poiso habitual no Parque, para o recolhimento. Às vezes, parecem sussurrar…cantar pianinho. Ou talvez sejam apenas ecos, o que ouço, ecos luminosos, sem dúvida.

A perfeição… já não pretendo topar. Quiçá essa busca seja essencial para a ciência progredir. Podia dizer: procuro mas sei que não encontro. E não me importo com esse progresso… Seria em que sentido?

Não, não darei forma a outros mundos, não ajudarei a criá-los. Não tenho esperança de...  

O que, por vezes, ainda procuro é o sentido tão disperso do mundo. De resto, é esse o avenço que ainda desejo.

Eis as melhorias apetecidas: assim, que haja debate para formulação de ideias novas; debate lúcido, autêntico, livre, desinteressado e intuitivo. O debate sereno da Filosofia.

É o meu simples compromisso com seja o que for.

Na minha contemplação deste mundo tal como o vejo hoje, há motivos suficientes para o amar.

Encontrei, sim, a serenidade.

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publicado às 15:04




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