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Penso como será fascinante estudar a inteligência artificial e os robots. Parece um mundo irresistível.
Mas a minha atracção e o deslumbramento pelo ser humano e, em especial, pelo seu cérebro, são extensíssimos e, evidente é para mim, que só um deus o podia imaginar e construir, melhor criar tal como é (calculo que deus seja a palavra que tem o conteúdo mais incerto das que pudemos compor).
Acontece-me muitas vezes focar a minha reflexão num ponto de todo o processo-conhecido que acho particularmente interessante. É o facto de imaginarmos, sabermos imaginar, coisas e acontecimentos perfeitos e de valor absoluto (talvez visualizemos isso… como?) quando calculamos saber sem sombra de dúvida que não há perfeição nem valor absoluto. Sabemos que não chegamos lá, mas lá onde? E como sabemos se chegamos ou se não chegamos, se não sabemos onde é e o que é?!
Todas estas interrogações se tornaram lugares-comuns, há muito.
A contrariedade é que tudo continua tão estranho e tão incerto! Às vezes, pensamos que são as palavras que não dizem nada do que queríamos que dissessem, não lhes demos, em devido tempo, conteúdo adequado. Ou não encontramos palavras, ou não há palavras.
Como pudemos inventar palavras sem conteúdo real e autêntico e, todavia, usá-las adequadamente? Não podemos usá-las adequadamente, a maior parte das vezes. Acho que não era essa a ideia, quero dizer, uma palavra (um significante para cada significado ou um significado para cada significante) seria a ideia justa. No entanto, elas aí estão, todas baralhadas. Servimo-nos delas em todos os momentos e não sabemos como pensar sem palavras. Nem como comunicar, naturalmente. Não teremos linguagem, pelo menos, a nossa complexa linguagem de dupla articulação, que é decerto o que de mais original engendrámos.
Porém, mais fácil do que tudo isso é não pensar. Parece haver a este propósito um desentendimento deliberado. Deliberado… de quem?
É embaraçoso.
Somos todos malvados?É o que eu concluo sempre que estou deveras desiludida. E além de malvados, ruins e funestos… que é tudo a mesma coisa… somos e temos muitas outras qualidades que nos impedem de fazer descobertas verdadeiramente significativas e úteis, neste domínio.
Por mim, apreciava criar palavras com conteúdo genuíno, único, só aquele, apenas um referente, evitando toda a sorte de conflitos, devidos quase sempre a desentendimento quanto ao significado e às intenções das palavras que se dizem.
Talvez, com a ajuda de alguns interessados na paz dos textos e no sossego e conciliação da vida em geral (utopia, utopia), arranjássemos capacidade para criar uma verdadeira linguagem ou FALA com que nos entendêssemos.
Recordo com saudade alguns períodos de férias que apreciei muito, há muitos anos. Sempre em lugares da província nortenha.
Nunca incluíram grandes viagens para lugares exóticos nem de aparato nem de extravagância. Eram sítios a poucos quilómetros desta cidade do Porto, para onde íamos de carro por estradas sinuosas ou de comboio, de camioneta talvez também. Qualquer coisa diferente da rotina diária era tão importante naquele tempo como agora.
Lembro-me de um lugar de que gostei particularmente, algures nas margens do rio Vouga. Por alguma razão, a história me lembra a da Menina e Moça, de Bernardim Ribeiro, a sua linguagem poética de novo estilo (renascentista, foi escrita em mil quinhentos e pouco), diria que retrata emoções ternas e puras e a saudade de um certo estilo de vida simples, pastoril, bucólico e um pouco triste.
Porém, a crónica nada tinha a ver comigo, já que eu nunca ali estive triste: a minha história não era essa, não seria esse o tema. O que me animava era o estilo de vida próximo da natureza, gozando-a, admirando-a; talvez ambicionasse ser pastora e estar todo o dia “lá fora” na contemplação. Escreveria doces poemas que falassem não do pastor mas do rebanho, dos montes e dos vales, dos rios, das brisas matinais e do céu azul ou cor-de-rosa ou alaranjado. Era o mundo que eu queria compreender.
Fiquei em casa de uns tios simpáticos cujas filhas eram muito mais novas do que eu e com quem aparentemente me seria difícil confraternizar. Mas confraternizava. E lia muito. O Tio tinha uma boa biblioteca e emprestava-me livros que a Tia achava que não eram próprios para a minha idade. Ouvia-os discutir e divertia-me. O que apreciava era que se interessassem por mim de forma tão saudável.
Tudo serviu para enriquecer intelectualmente e moralmente a minha formação. Como lhes agradeço!
A Tia pedia-me ajuda para pequenos trabalhos próprios da época, fim do Verão, como a confecção da marmelada ali executada religiosamente segundo a tradição. Era um ritual. Os marmelos depois de descascados e cozidos eram passados numa peneira fina. O polme obtido voltava a cozer com o mesmo peso de açúcar e era mexido regularmente, atentamente, sob pena de ser todo queimado e dramaticamente danificado sem remédio.
Um dia, ouvi a Tia explicar para uma amiga de que modo “o serviço de menina é pouco, mas quem o rejeita é louco” apontando para mim, referindo-se ao meu trabalho com a peneira. Fiquei desvanecida e enchi-me de sorrisos.
Passeava e brincava com as muito jovens primas como se esse fosse o meu maior anseio. Acho que tinha imaginação suficiente para inventar o que fazer proveitoso para todas. Só recordo uma asneira: um dia destes conto, sei que não têm muita paciência para me ouvir.
Faço uma minúscula descrição do lugar, oh pouca coisa! Era uma pequena casa de traça popular, quintal e árvores de fruto, o rio ao fundo. Trepava às àrvores, logo de manhã - eram pessegueiros, e comia os frutos, aquela frescura sumarenta não excessivamente doce, directamente, selvaticamente, isto é, sem cerimónias. Uma delícia!
Porém, nada como o fim do dia para me dar melhores motivos de satisfação. Saíamos todos depois do jantar e passeávamos tranquilamente por ali, sem qualquer constrangimento, perto da hora do pôr-do-sol, sentindo profundamente o encanto do momento que apenas se repetiria no dia seguinte, talvez em todos os dias seguintes - que poucos seriam - com alguns encontros amenos e saudações de amigos e vizinhos .
Não era ainda noite, já não era dia. Havia a luz crepuscular, acolhedora, magnífica… não havia a preocupação das tarefas do dia. Talvez o que nos alegrasse fosse a antecipação do que era nosso desejo que acontecesse a seguir, quero dizer, no futuro, o que chamam o momento mágico. Ou do fascinante aparecimento das estrelas e do luar?
Porventura, tivéssemos ganho coragem para deixar correr… sem quaisquer encorajamentos. E isso, era tão silencioso!
Sei que aqueles dias foram para mim um aperfeiçoamento excepcional - aproximação à natureza e à cultura, à vida.
Tanto quanto posso estar certa de alguma coisa, afirmo que as minhas (e as nossas) decisões são difíceis e criadoras de problemas.
São difíceis porque há sempre vários caminhos, todos bons e todos maus, cada um com as suas inconveniências, cada um com incríveis conveniências, todos rigorosamente possíveis e literalmente impossíveis.
Tudo isto soa a irracional. E é assim que me convenço de que a parte emocional das nossas decisões é, pelo menos, tão importante como a racional. Se não, não poderíamos chegar a estes resultados absurdos.
Mesmo conhecendo tal, opto pela resolução que me parece mais lógica, sabendo que nunca é apenas racional. Porque não somos assim… não somos esses, não seríamos capazes.
Em geral, opto pela solução mais racional… porque é tranquilizante, dá-me maior esperança de estar próxima da verdade que desejo, ainda e apesar de tudo, entender.
É fascinante pensar que sabendo que não chego lá e sobretudo não sabendo o que isso é, continuo a querer estar próximo e mesmo tocar (como se fosse verdade).
Se soubéssemos distinguir o racional do irracional não teríamos dificuldades na escolha dos nossos caminhos – os mais acertados, convenientes e possíveis seriam decerto os racionais, os que seguiríamos. A solução que a razão descobre é a verdade apenas enquanto a mesma razão não descobre outra solução ou outra verdade que anule esta.
O que necessitamos é encontrar uma nova designação mais apropriada para a resposta a que antigamente chamaríamos verdadeira ou científica e agora podemos apenas chamar equilibrada, isto é, a que contem boa dose de um e de outro dos ingredientes que se podem classificar de racionais ou de irracionais. Serão essas as soluções aceitáveis como verdadeiras.
É certo que há as máquinas inteligentes que inventamos e são apenas racionais e que devem resolver todos as nossas dificuldades, calculamos. Segundo os Damásio, não é possível atribuir-lhes sentimentos como parecem desejar agora… quem? Os seres humanos têm sempre que ir mais longe, que ambicionar, que desejar, que querer; temos que nos emocionar - será ainda o que nos distingue delas, das máquinas inteligentes. É assim que progredimos nas nossas actividades e demonstrações culturais.
Será uma frustração se, em relação a essas máquinas, tal como são no presente, não conseguirmos passar da lógica e do raciocínio que usamos para as construir e para as usar, e conseguirmos criar nelas, a vontade, os desejos, as alegrias, as frustrações, o sofrimento, a dor?
Não iriamos complicar incrivelmente mais a nossa vida se tivéssemos que usar “robots” com sentimentos e emoções?
Não espero viver para ver: chega de guerra!
Vou continuar a ler o livro dos Damásio “The strange order of things”. Vou ver bem como eles explicam que as culturas (filosofia, arte, moral, religião, política, instituições, tecnologia, ciência) criadas pelo homem o foram graças aos sentimentos e às emoções e não somente ao raciocínio.
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