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Todas as manhãs bem cedo, vou à janela, antes de mais. Verifico tim-tim por tim-tim o que há de novo em relação ao dia anterior. Encontro sempre algumas diferenças, não significativas, bem entendido, por isso, descanso. Ainda é o meu mundo, onde sempre vivi conciliada com ele.
Sim, conheço-o em cada centímetro de terra, de mar, de céu… Sei daquelas árvores e de pessoas. Reconheço as cores que sempre me impressionam e certas formas, se bem que estas sejam variáveis, eternamente variáveis, e tenha dificuldade em as reconhecer de cada vez.
Mas, um dia destes, quero assinalar isto, numa luminosa manhã,
antes de começar a acontecer fosse o que fosse, olhando da minha janela, tive a nítida sensação de que o Sol se não tinha posto, não se havia aquietado como de costume ao fim do dia (do que é habitual ser o fim do dia antes), ou ido iluminar outras paragens. Ele não fora alegrar outros dias que não os meus, ele não saíra daqui.
Na realidade, não era outro dia. Tudo estava IGUALZINHO ao que fora, ao que eu tinha visto. O mundo era exactamente o mesmo, o dia era ele, o mesmo, sem nascimento e sem pôr-de-sol, sem divergências nem antagonismos, sem contrastes.
Digamos, fiquei assombrada e feliz. Talvez seja um dia-não-contado na minha vida. E porventura possa ter outros. Sabem o que quero dizer: vou permanecer por aqui, demorarei com gosto mais tempo, por gentileza dos dias não contados. Graças a estes dias só luz.
É questão de imaginação. Será também de loucura?
Este ano, o mês de Agosto é muito longo, muito mais longo do que qualquer dos de que me recordo.
Os dias têm muitas horas ou uma longa duração - é inconcebível - nunca mais chega a ocasião de descansar, nunca mais escurece e vem a impressão de finitude, a sensação de que uma fase do nosso dia e da nossa movimentada vida terminou.
Eu aprecio este instante que me parece raro, quando o mundo desaparece ou o que conheço dele - o feio e o bonito, o quente e o frio, o verde e o azul, o brilhante e o sombrio - e fica tudo igual.
Apesar de os dias serem compridões e díspares como referi… as semanas são todas iguais, quero dizer, igualmente desiguais já que num dia há nevoeiro lilás, no outro há ventania fria, no seguinte chove e isto sem ritmo certo, sem um padrão que nos permita calcular o que vai acontecer na semana próxima em termos de tempo ou de clima, melhor dizendo, de whether. Quanto a duração é me difícil acreditar que é sempre a mesma à roda do ano... cada semana tem sete dias, cada dia vinte e quatro horas. Estão a ver, não é possível, pois não?! Não é essa a sensação que tenho, não é isso que sinto e, por isso, não pode estar certo (na verdade são coisas que em parte inventámos, em parte observámos).
As semanas, as deste mês, entenda-se, também terminam com dificuldade e eu já começo a querer executar tarefas marcadas na agenda para Setembro, absolutamente convencida de que Agosto terminou há muito. E nem mesmo a consulta do calendário me convence.
Acaba por me convencer, claro, pois que o ser já Setembro em Agosto é somente o meu desejo de voltar à racionalidade, de sair da barafunda deste mês inadmissível, supostamente um mês/tempo de férias e de brincadeiras, de praias e de jogos, de viagens, de visitas divertidas e de conversas tolas no sentido de que não-são-para-levar-a-sério. Ando perdida, deveras.
É muito perturbador!
Será fácil explicar ao meu neto de nove anos, frequentador de escola muito conceituada, que é necessário estar bem preparado cientificamente para a vida tal como a organizámos; e que isso é fundamental para viver na nossa sociedade conforme é, culturalmente. E que requer esforço. E como lhe hei-de contar que na sua escola, possivelmente noutras, ensinam o que não é verdade acerca da duração dos meses e dos anos, das semanas e dos dias agostinianos? De que modo explicar?
E de que estou eu a falar?
Falo de emoções, comparo com conhecimentos racionais.
Posso ir muito longe e fundo e tentar aclarar o que é a verdade, o conceito. Todavia, quero tagarelar com ele, não enunciar noções, mais ou menos filosóficas, inevitavelmente arrevesadas… que não compreenderá.
Julgo ser fácil, afinal. É só levá-lo a a entender que é uma questão de sensação. De emoções. Que não têm a ver com racionalidade, com ciência exacta (não-humana?).
Os conhecimentos adquirem-se por observação, por experiência, prestando atenção ao que se ouve, analisando... Poderei dizer que os conhecimentos se distinguem bem das emoções. Enquanto os conhecimentos podem mudar inteiramente o que sentimos, as emoções podem transformar e mesmo eliminar, ainda que temporariamente, os conhecimentos arduamente adquiridos e, por vezes, também confusamente transmitidos.
Por isso, as sensações - que dão lugar a emoções que podem originar sentimentos - parecem dever ser consideradas mais importantes do que os conhecimentos, acentuo. Emoções e sentimentos vêm antes destes, se bem que não pudéssemos viver numa sociedade organizada sem os conhecimentos racionais que nos permitiram organizá-la. Sentimentos e conhecimentos levam-nos a agir de certo modo, segundo as regras que estabelecemos, e dificilmente se podem separar.
Portanto, temos emoções agradáveis e desagradáveis que são as primeiras reações inconscientes a circunstâncias do ambiente e da nossa vida. Podem dar origem a sentimentos, se se prolongam, não é? Com o passar do tempo e da diversidade das nossas experiências de vida, com a sensibilidade mais ou menos avivada pelo ambiente surgem outras emoções para além das básicas (de medo, de raiva, de tristeza e de alegria). Tal como acontece com os conhecimentos que se complexificam.
Penso novamente no menino de nove anos que fica comigo muitas vezes e dorme no meu quarto, na sua cama, distante um metro da minha. E que ele faz questão de empurrar para aproximar mais, para ficar perto de mim. E quando chega a hora de apagar a luz, é um pequeno drama que ambos conhecemos e sofremos.
Vêm as emoções todas, o medo, acho eu, sobrepõe-se, o medo do escuro e decerto dos monstros que se não veem facilmente, mas que podem estar lá dispostos a atacar. Se insisto em apagar a luz, ele chora (aliviando um pouco a sua tenção) e eu acendo-a de novo, mostrando que não há no quarto nenhuns monstros ocultos.
Acabamos por adormecer de luz acesa, mostrando que a razão, neste caso, não venceu a emoção. Recordo aquela velha frase: sabemos que não há monstros… mas se os há?
Se houvesse?
Acho que ele compreenderá, desta vez, o que são as emoções que embaraçam a compreensão racional do mês de Agosto.
Algumas pessoas sabem o que andam para aqui a fazer. E fazem-no com convicção.
Essas não têm grandes problemas psicológicos, estão sempre ocupadas naquilo que devem e não descobrem tempo para pensar em coisas sem sentido. Ou ainda para pensar que tem que haver um sentido em qualquer acto seu ou dos outros. Ou sequer para pensar no sentido que acham que deve existir no mundo.
Sem dúvida, a vida pode ser simples, se é para alguns... Por que não se ensinam todas as pessoas desde criancinhas a estarem sempre ocupadas e a pensarem apenas no que realizam de forma concreta, quero dizer, material, palpável, real? Na verdade, não é necessário magicar noutros temas, não é. Nada será resolvido.
Se pensarmos somente no que temos de realizar (e parece-me, ao contemplar o mundo, que não é preciso mais nada) e tentarmos com muita força e inteligência realizá-lo bem e ainda excelentemente, não haverá razão para nos sentirmos frustrados e incapazes e infelizes. Tudo será bom, aprazível e correrá bem no melhor dos mundos.
Daqui vejo o mar, o céu azul e índigo, alguns barcos, as árvores da Avenida, as pessoas a passearem tranquilas ou a correrem por gosto ou de bicicleta, as gaivotas de asas brancas muito abertas cruzando-se alegremente, o sol benévolo e desejoso de agradar…; e a ligeiríssima brisa… a música delicada e natural e dispersa…
Ai como é diferente… ai como é diferente… hoje aqui! Nenhum vazio nem desesperança nem incerteza; não há lugar para ansiedade infinita nem para depressão. Todos os momentos estão bem preenchidos… são bons.
Convido-os para o banquete!
Horas a falar consigo mesmo é, com toda a certeza, muito divertido. Pode ser… Tem sido… para mim.
Mas cansa. Muito: já não posso ouvir-me. Acho que a minha cabeça continua repleta. A esperança era que fossem saindo coisas - pensamentos que são apreensões - pelo menos, essas. E dessem lugar a outras. E isso fosse viver.
Contudo, as ideias atropelam-se, tantas, tantas. Não consigo organizá-las.
Creio que a cabeça guarda cópia de tudo o que supostamente é deitado fora, nestas cavaqueiras. O que é afastado. Não necessariamente rejeitado, talvez por isso. O que me admira é que não fica mais aliviada nunca; desafogada devia ficar. Será isto permitir que o tempo passe? Ou viver?
Resultará tomar um comprimido daqueles brancos? O efeito desses objectos é, por vezes, espantoso e também discutível. É de acreditar? Aparentemente são de ordens diferentes, ordens de realidade: animal, mineral, espiritual… o quê? Podem interagir?
Quem me dera perceber.
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