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Esta manhã, não é aqui o lugar onde gosto de viver...
Há não sei onde um véu espesso que não me deixa ver para além dele. Ou é uma cortina suspendida na minha janela ou uma névoa nos meus olhos... não sei dizer.
Não conheço palavras, não consigo compor... É uma manhã propícia a todas as falhas de imaginação.
O que mais me perturba é não distinguir a linha que separa o mar do céu… que eu calculo que separe. Sinto-me perdida, se não houver diferenças. (Segundo o meu velho livro de Filosofia. informar é notar diferenças, eu pretendo ser informada para informar e não vejo diferenças). Há um vazio, que é o quê? Mais nada.
Então esta é a cor do vazio! A cor e a música também. Que não aprecio… nem uma nem a outra.
Não há aqui melancolia nenhuma nem memórias. Haverá segredos? Como pode haver…?
Apenas conheço o que não há hoje, com certeza: limpidez e perfume; brilho e alegria. Não há.
E não há nada para desvendar aqui. Não necessito palavras excepto esta - fosco. É no fosco que se falece, é pelo fosco e embaciado e pardacento que se é engolido: aos poucos.
Nesse tempo, passam dois pombos galhofeiros para norte; duas gaivotas brilham em sentido contrário, logo depois. Passam.
Há uma esperança ainda que vaga.
Volto às palavras, queria ver palavras a serem devidamente e utilmente usadas, forjar as que preenchessem o cinzento vazio, desse modo. De algum modo.
O dia seguinte apareceu resplandecente, horizonte nítido e bem traçado, aquela linha quase horizontal. Veio o sol que encheu o mar de brilhos e fulgurações, vieram os barcos carregados de segredos e de curiosidades, uma ligeira brisa, a passarada, os ruídos, os movimentos, os cheiros e as cores...
Senti-me na minha casa, no meu mundo, tranquila, conhecia todos em redor e todos os redores.
Nada me incita a ficar quieta e muda, há estímulos horizontais novos. Há futuro. Há outro dia.
É bom haver outro dia.
À medida que nos desiludimos com as descobertas da ciência em geral, com os seus usos e aproveitamentos duvidosos e mesmo desastrosos, fascinámo-nos com a biologia e em particular com o estudo do cérebro - com a neurociência.
Estarei a misturar disciplinas diferentes, talvez. Na verdade, o que me interessa especificamente é o estudo do cérebro humano. Não é conhecido nenhum outro cérebro animal tão complexo; e dele parece depender senão o UNIVERSO pelo menos TUDO.
Por isso, desde há muitos anos que confesso a minha triste ignorância quanto às razões por que a enormíssima maioria das pessoas passa, de forma manifesta, a maioria do seu tempo, analisando, discutindo os mínimos gestos das estrelas/celebridades e os seus gigantescos e insolúveis problemas, não em termos de tentar resolver seja o que for mas de passar tempo e de gozar, puro gossip, e não procura entender os problemas do sistema nervoso humano de que o cérebro é o ponto central e de que todas as soluções dependem.
De que todas as decisões dependem.
Resulta daí uma monumental gravíssima perda colectiva.
Tento diminuir(!), neste momento, a importância dessa perda, estudando serenamente o sistema nervoso como responsável pelo ajuste do meu organismo ao que me rodeia.
“A sua função é perceber e identificar as condições ambientais externas, bem como as condições reinantes dentro do corpo e elaborar respostas que se adaptem a essas condições”, na sabedoria da internet...
A unidade básica do sistema nervoso é a célula nervosa ou neurónio que estabelece conexões com outros neurónios, originando reacções em cadeia. O neurónio é a célula extremamente estimulável capaz de perceber as mínimas variações que ocorrem em torno de si, reagindo com uma espécie de alteração electrica. Essa alteração é um impulso nervoso.
É interessante saber que se considera que os seres humanos nascem com o cérebro inacabado. Enquanto outros animais nascem programados para sobreviver com independência apenas algumas horas ou dias após o nascimento, e de repetir os gestos e comportamentos dos seus pais para o resto das suas vidas. No seu programa, está tudo: para eles, não é necessária nenhuma aprendizagem específica.
O cérebro inacabado dos seres humanos não lhes permite sobreviver sem ajuda aquando do nascimento. Têm algumas simples capacidades e não instintos nem comportamentos preprogramados.
Há vantagens e desvantagens nisso. O pensamento que me ocorre é que todos os animais são acarinhados à nascença com programas convenientes de adaptação do seu cérebro ao ambiente que os rodeia, que é suposto rodeá-los, todos excepto os humanos. Que são abandonados em ambientes a que têm que se adaptar pelo seu esforço e inteligência. E que modificam segundo os seus desejos e necessidades, aumentando desse modo a própria inteligência. É o seu trabalho, a sua justificação de existência ou alibi, a sua superioridade: é o que lhes tem permitido as realizações materiais de que se orgulham. E de que sofrem as consequências. E as outras.
Poderei dizer que uma vida, qualquer vida humana, é para estes sobretudo de sacrifício e de sofrimento. E é o que os leva a sonhar com outra vida para além desta, noutro lugar, onde tudo é bom, belo e risonho: e que nunca acabará, um paraíso sem fim - a parte espiritual da existência. Ou mística?
Tenho muito que estudar acerca do comportamento e da função do cérebro. É apaixonante!
Em imagens do livro The Brain, de David Eagleman que estou a seguir, posso comparar os neurónios de um ser humano recém-nascido com os de um ser humano de 1 mês, os de um de 9 meses, um de 2 anos e os de um adulto.
Na primeira imagem, os neurónios estão quase soltos, há poucas conecções entre eles. Porém, aos 2 anos e depois, as células aparecem incrivelmente conectadas, cresceram as ramificações. Na idade adulta, as coneccções são menos e mais fortes.
Os humanos são altamente influenciados pelo meio em que vivem e influenciam-no. Daí as nossas descobertas, invenções, construções. Daí também que se considere o seu cérebro permanentemente inacabado: sabemos que vamos continuar a tomar decisões e a acrescentar detalhes ao sistema, enquanto vivermos. Viver é experimentar; logo, é acrescentar, isto é, construir sonhos e memórias, pensamentos e imaginação, também. Permitimos que o exterior nos molde e esforçarmo-nos por o moldar de acordo com desejos e necessidades difíceis de determinar.
Faz sentido que continuemos nestas complicadas funções enquanto vivermos, que nos esforcemos por isso. Viver para os humanos, nunca foi outra coisa.
À medida que nos desiludimos com as descobertas da ciência em geral, com os seus usos e aproveitamentos duvidosos e mesmo desastrosos, fascinámo-nos com a biologia e em particular com o estudo do cérebro - com a neurociência.
Estarei a misturar disciplinas diferentes, talvez. Na verdade, o que me interessa especificamente é o estudo do cérebro humano. Não é conhecido nenhum outro cérebro animal tão complexo; e dele parece depender senão o UNIVERSO pelo menos TUDO.
Por isso, desde há muitos anos que confesso a minha triste ignorância quanto às razões por que a enormíssima maioria das pessoas passa, de forma manifesta, a maioria do seu tempo, analisando, discutindo os mínimos gestos das estrelas/celebridades e os seus gigantescos e insolúveis problemas, não em termos de tentar resolver seja o que for mas de passar tempo e de gozar, puro gossip, e não procura entender os problemas do sistema nervoso humano de que o cérebro é o ponto central e de que todas as soluções dependem.
De que todas as decisões dependem.
Resulta daí uma monumental gravíssima perda colectiva.
Tento diminuir(!), neste momento, a importância dessa perda, estudando serenamente o sistema nervoso como responsável pelo ajuste do meu organismo ou do meu cérebro ao que me rodeia.
“A sua função é perceber e identificar as condições ambientais externas, bem como as condições reinantes dentro do corpo e elaborar respostas que se adaptem a essas condições”, na sabedoria da internet...
A unidade básica do sistema nervoso é a célula nervosa ou neurónio que estabelece conexões com outros neurónios, originando reacções em cadeia. O neurónio é a célula extremamente estimulável capaz de perceber as mínimas variações que ocorrem em torno de si, reagindo com uma espécie de alteração electrica. Essa alteração é um impulso nervoso.
É interessante saber que se considera que os seres humanos nascem com o cérebro inacabado. Enquanto outros animais nascem programados para sobreviver com independência apenas algumas horas ou dias após o nascimento, e de repetir os gestos e comportamentos dos seus pais para o resto das suas vidas. No seu programa, está tudo: para eles, não é necessária nenhuma aprendizagem específica.
O cérebro inacabado dos seres humanos não lhes permite sobreviver sem ajuda aquando do nascimento. Têm algumas simples capacidades e não instintos nem comportamentos preprogramados.
Há vantagens e desvantagens nisso. O pensamento que me ocorre é que todos os animais são acarinhados à nascença com programas convenientes de adaptação do seu cérebro ao ambiente que os rodeia, que é suposto rodeá-los, todos excepto os humanos. Que são abandonados em ambientes a que têm que se adaptar pelo seu esforço e inteligência. E que modificam segundo os seus desejos e necessidades, aumentando desse modo a própria inteligência. É o seu trabalho, a sua justificação de existência ou alibi, a sua superioridade: é o que lhes tem permitido as realizações materiais de que se orgulham. E de que sofrem as consequências. E as outras.
Poderei dizer que uma vida, qualquer vida humana, é para estes sobretudo de sacrifício e de sofrimento. E é o que os leva a sonhar com outra vida para além desta, noutro lugar, onde tudo é bom, belo e risonho: e que nunca acabará, um paraíso sem fim - a parte espiritual da existência. Ou mística?
Tenho muito que estudar acerca do comportamento e da função do cérebro. É apaixonante!
Em imagens do livro The Brain, de David Eagleman que estou a seguir, posso comparar os neurónios de um ser humano recém-nascido com os de um ser humano de 1 mês, os de um de 9 meses, um de 2 anos e os de um adulto.
Na primeira imagem, os neurónios estão quase soltos, há poucas conecções entre eles. Porém, aos 2 anos e depois, as células aparecem incrivelmente conectadas, cresceram as ramificações. Na idade adulta, as coneccções são menos e mais fortes.
Os humanos são altamente influenciados pelo meio em que vivem e influenciam-no. Daí as nossas descobertas, invenções, construções. Daí também que se considere o seu cérebro permanentemente inacabado: sabemos que vamos continuar a tomar decisões e a acrescentar detalhes ao sistema, enquanto vivermos. Viver é experimentar; logo, é acrescentar, isto é, construir sonhos e memórias, pensamentos e imaginação, também. Permitimos que o exterior nos molde e esforçarmo-nos por o moldar de acordo com desejos e necessidades difíceis de determinar.
Faz sentido que continuemos nestas complicadas funções enquanto vivermos, que nos esforcemos por isso. Viver para os humanos, nunca foi outra coisa.
"(Rejoyce at your life for the time is more advanced than you would think" - Springs of oriental wisdom)
O que tenho a fazer é observar o que me rodeia. E ler sobre o tema para confirmar ou não as conclusões a que cheguei.
Nesta ocasião, não pretendo criar nada, nem a partir do nada nem desde alguma coisa. Li em Gonçalo M. Tavares isto: “O que é o passado? Tempo que cada vez ocupa menos espaço”.” O presente, pelo contrário, ocupa todo o espaço que nos rodeia”.gs of oriental wisdom
Acredito que o presente ocupe todo o espaço, por isso não devemos ocupar -nos senão dele. Não podemos, o resto é fantasia.
Mas não posso deixar de reflectir: como é que o passado pode ocupar cada vez menos espaço à medida que passa? Supunha que enquanto o presente se transformava (em passado) só podia aumentar o passado. Não aumenta à medida que passa e se acumula? Não se acumula? Desfaz-se… como estas manhãs sem fim… que apesar de tudo se vão?
Neste momento, não há nenhuma manhã, desapareceram todas.
Tenho pena, sinto a falta, sobretudo se são muito matinais, límpidas, frias e transparentes: tenho sempre esperança de deslindar mudanças, diminutas diferenças. É uma vantagem ser madrugadora, se é o novo, quero dizer, o diferente, que procuro e de que gosto. O diferente. Já tinha entendido que não é tempo para mim de criar (a partir do nada). Mas sim ocasião de comparar, de encontrar diferenças e de reflectir.
Assim, viver continua a ser divertido.
Quando comparo algumas manhãs com outras, concluo que a manhã de ontem foi mais interessante do que a de hoje. E se é assim, as manhãs vão sendo menos interessantes em si.
Ou há uma manhã nova, inteiramente nova, todos os dias?
Pois se há, não é da minha responsabilidade.
Apesar de tudo, aprecio mais as manhãs matinais do que qualquer outro período do dia.
Não creio que este mar seja arrogante, como dizem. O caso é outro.
Pode dar essa ideia quando se zanga e se atira contra os rochedos, lhes bate e os reduz, de facto, espatifando-os em mil pedaços que espalha e finalmente fixa noutros pontos. Onde acabam por perdurar durante séculos ou milénios.
Continua a bater-lhes mesmo depois de minúsculos e frágeis como os vejo, de rastos.
Não! Tanta maldade não é própria do meu mar, eterno objecto de contemplação e de amor (amamos o que nos é próximo).
De que se trata?
Vi-o tranquilo, dias e dias, como se nunca tivesse sido doutra maneira. E habituei-me como se não pudesse ser de outra maneira! Macio, ligeiramente ondeado, (oh muito ligeiramente!), doce e firme, é assim que ele é. Só assim o compreendo.
Um barco minúsculo e branco parece ter nascido ali, em frente a mim, a alguma distância, oscila um pouco com a música que combina sons e ritmos de embalar. Mal se ouve, mal a ouço. E não adivinho o que, quem estará a ser baloiçado, talvez um poeta inglês romântico. Shelley?
Não é o barco da viagem. Acredito que se eu quisesse , podia caminhar sobre esta água azul, quieta e segura de si, absurda mas brilhante, sempre brilhante, com facilidade, até ao horizonte que é o limite da imensa superfície fluida. E que a rodeia como um muro.
O caminho que eu seguisse podia ser o caminho marítimo para a minha India ou para outro lugar dos que preenchem o meu imaginário mítico.
De pé sobre o muro, veria o que nunca vi, mas sempre desejei ver. Espreitaria o outro lado por quanto tempo precisasse para entender, ainda que não quisesse entender. Queria que fosse um mundo exuberantemente transcendente, incomparável e desconhecido. Que permaneceria desconhecido: a única forma de me não decepcionar.
Mas se ele, arrogante ou não, se zangasse, como é dito que acontece, enquanto eu estivesse no muro?
Impossível, eu nunca estaria no muro. Não pretendo estar nem não estar. Seria o muro dos anseios, dos desejos contidos. Ou apenas o lugar donde poderia perscrutar para além, não descubro como, mas com uma curiosidade imensa. Alias, não quero senão ir indo, como disse.
Pesquiso muito este gigantesco horizonte que, por vezes, não é bem um muro nem uma linha pura de limitação entre o mar e o céu. Há, muitas vezes, manchas cinzentas, pinceladas em vários tons de branco ao longo de todo o espaço longitudinal que tenho o hábito de ver como um muro. E pergunto-me o que aconteceria se ele se rompesse num determinado ponto... Seria esta porção invadida pelo que está do outro lado? Ou este lado verteria para o outro? Escoaria este fantástico fluido azul e ficaria o quê aqui?
Se fosse a caminho do horizonte ou da Índia sobre o mar danado, com espuma e raiva e fúria e não apenas a gentil renda branca e ondulada a contornar o rochedo acastanhado … se fosse assim a caminho, a aventura seria muito mais divertida no sentido de diversa e menos poética.
“We are such stuff as dreams are made on."(Shakespeare)
E tudo não passa de um infinito tédio.
Não creio que este mar seja arrogante, como dizem. O caso é outro.
Pode dar essa ideia quando se zanga e se atira contra os rochedos, lhes bate e os reduz, de facto, espatifando-os em mil pedaços que espalha e finalmente fixa noutros pontos. Onde acabam por perdurar durante séculos ou milénios.
Continua a bater-lhes mesmo depois de minúsculos e frágeis como os vejo, de rastos.
Não! Tanta maldade não é própria do meu mar, eterno objecto de contemplação e de amor (amamos o que nos é próximo).
De que se trata?
Vi-o tranquilo, dias e dias, como se nunca tivesse sido doutra maneira. E habituei-me como se não pudesse ser de outra maneira! Macio, ligeiramente ondeado, (oh muito ligeiramente!), doce e firme, é assim que ele é. Só assim o compreendo.
Um barco minúsculo e branco parece ter nascido ali, em frente a mim, a alguma distância, oscila um pouco com a música que combina sons e ritmos de embalar. Mal se ouve, mal a ouço. E não adivinho o que, quem estará a ser baloiçado, talvez um poeta inglês romântico. Shelley?
Não é o barco da viagem. Acredito que se eu quisesse , podia caminhar sobre esta água azul, quieta e segura de si, absurda mas brilhante, sempre brilhante, com facilidade, até ao horizonte que é o limite da imensa superfície fluida. E que a rodeia como um muro.
O caminho que eu seguisse podia ser o caminho marítimo para a minha India ou para outro lugar dos que preenchem o meu imaginário mítico.
De pé sobre o muro, veria o que nunca vi, mas sempre desejei ver. Espreitaria o outro lado por quanto tempo precisasse para entender, ainda que não quisesse entender. Queria que fosse um mundo exuberantemente transcendente, incomparável e desconhecido. Que permaneceria desconhecido: a única forma de me não decepcionar.
Mas se ele, arrogante ou não, se zangasse, como é dito que acontece, enquanto eu estivesse no muro?
Impossível, eu nunca estaria no muro. Não pretendo estar nem não estar. Seria o muro dos anseios, dos desejos contidos. Ou apenas o lugar donde poderia perscrutar para além, não descubro como, mas com uma curiosidade imensa. Alias, não quero senão ir indo, como disse.
Pesquiso muito este gigantesco horizonte que, por vezes, não é bem um muro nem uma linha pura de limitação entre o mar e o céu. Há, muitas vezes, manchas cinzentas, pinceladas em vários tons de branco ao longo de todo o espaço longitudinal que tenho o hábito de ver como um muro. E pergunto-me o que aconteceria se ele se rompesse num determinado ponto... Seria esta porção invadida pelo que está do outro lado? Ou este lado verteria para o outro? Escoaria este fantástico fluido azul e ficaria o quê aqui?
Se fosse a caminho do horizonte ou da Índia sobre o mar danado, com espuma e raiva e fúria e não apenas a gentil renda branca e ondulada a contornar o rochedo acastanhado … se fosse assim a caminho, a aventura seria muito mais divertida no sentido de diversa e menos poética.
“We are such stuff as dreams are made on."(Shakespeare)
E tudo não passa de um infinito tédio.
(...Continuação)
No fim, entendiam-se: o que tornava fácil o relacionamento e a comunicação entre todos; era também muito interessante e curioso esse entrelaçar de vidas. Apetece-me dizer que as questões não se resolviam a tiro, como nos filmes de cow-boys ou nos actuais de investigação policial e criminal, mas com muito choro e arrepelar de cabelos, gritos e correrias, contendas e juramentos, bisbilhotices e clamores, carnavais, e tudo isso que era real constituía espectáculo para os vizinhos que não ficavam indiferentes. E a cena, qualquer cena, ficava a fazer parte também da vida dos outros, não era representação, não era arte, não era teatro. Era a vida real, a vida comum, simplesmente comum.
Havia tudo naquela rua, foi também por isso que lhe chamei comunidade: todos os serviços eram ou podiam ser ali prestados. Desde os da Igreja da Lapa onde governava o admirável Sr. Padre Luís, do hospital e do cemitério, do consultório médico do Dr. Azeredo Lobo, da padaria do Sr. Menezes, das inúmeras mercearias, das lojas de miudezas e fazendas, do carvoeiro, da casa do Povo, da farmácia do Sr. Tello da Fonseca, da funerária, da pichelaria, da oficina de automóveis, da fábrica de malhas de S. Brás do Sr. Queiroz, da esquadra da polícia, da bruxa, do curandeiro, da médium, do nudista… Do homem dos 7 instrumentos aos ceguinhos que tocavam violino, ao fotógrafo ambulante e às ciganas que liam a sina na palma da mão…aos espectáculos de rua - ao teatro de fantoches, o urso bailarino….não… não era preciso sair dali para coisa alguma de nenhuma ordem. Era um mundo - um estreito espaço entre o Bonjardim e a Lapa - que se abria apenas quando era muito preciso…
O que lhes conto não é ficção, falo de acontecimentos e informo sobre serviços que já se não prestam do mesmo modo. Não fantasiei histórias, ouvi contar e conto algumas, inteiramente baseadas na realidade, que a memória guarda, protagonizadas por pessoas reais transfiguradas aqui em personagens de histórias. Na verdade, de História.
Por isso, estas são páginas vivas da história portuense. É por essa razão que é ainda possível criar a partir delas – filmes, desenhos, pinturas... Ao lê-las, dar-se-ão conta das transformações materiais e de mentalidades que foram ocorrendo não apenas nesta rua. Sem dúvida, alguma coisa melhorou como o nível económico dos moradores, o que não é pouca coisa.
Uma reflexão sobre esta forma de viver, sobre esta realidade, pode ajudar-nos a construir uma realidade melhor e mais aceitável.
Porque o que se sente na vida de hoje e se lamenta é a falta de emoção, daquele sentimento que dava calor, expressividade e certa qualidade colorida à vida da gente naquele troço da cidade.
Quem me dera que Agustina, a quem continuo muito grata por aquele texto, estivesse aqui hoje para eu poder corresponder ao sorriso que sempre lhe vi.
À minha amiga Gabriela Gonçalves grande fotógrafa amadora, agradeço a excelente fotografia da Escola da Lapa que permitiu fazer da capa uma coisa bonita, graças também naturalmente ao arranjo gráfico da editora.
Para a Laurinda Alves, que todos conhecem como jornalista excepcional, escritora, professora universitária, grande amiga que tudo faz, quero dizer-lhe que… não esquecerei. A Laurinda é uma das 3 pessoas com quem estabeleci desde as primeiras palavras suas, ouvidas ou lidas, uma ligação de grande empatia - destinada a durar a vida toda. Aquele abraço veio nesse momento ou com esse momento e nunca mais se desatou.
Finalmente, é à Afrontamento e ao seu director Dr. José Ribeiro que devo os meus agradecimentos calorosos pelo interesse demonstrado e a paciência com que me aturou durante meses. E a todos que participaram com o seu trabalho neste trabalho, à Livraria Bertrand e aos amigos que vieram assistir a esta apresentação… muito obrigada.
Apresentação da segunda edição do livro A Rua do Paraíso, na Livraria Bertrand, Porto.
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