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Gosto do mundo em que moro - este ruidoso planeta azul arredondado e de boa memória ou Terra - o que participa de um sistema complexo onde a existência de vida embaraça a vida entre si dos que aí vivem.
Entrando em detalhes… aprecio o país e a cidade onde nasci e onde continuo a viver: em termos de mapa, será mais para à direita, ora mais à esquerda, para norte ou para sul…
Acho que o tenho moldado a meu modo e gosto, fiz dele o meu mundo. E ele, o meu mundo também me moldou. Ao fim de uns anos, encontrámos ambos um ponto de equilíbrio algures.
O que quero dizer, é que afeiçoei o tal mundo ao meu corpo, ao meu pensamento, às minhas emoções e sensações, às minhas revoltas e ele afeiçoou-se. Acho que gosta de mim tal qual sou, aqui agora.
Desde a rua do Paraíso que o mundo é do meu agrado (rua sobre a qual tenho por de mais falado e escrito), até à beira-mar, de Moledo a Ponte de Lima, do Douro ao Douro por montes e colinas, vales e rio, de Lisboa a Vila Moura…
Encontrei nesses lugares razões para os amar e me sentir bem neles, frequento-os. Se há flores perfumadas e leves e coloridas em silêncio, se há árvores de grande porte e límpida folhagem com ou sem frutos saborosos e intumescidos, se tem lagos que espelham luzidios arredores, se há ilhas promissoras, mar e rochas ou rio… E barcos que hoje vejo e deixarei de ver, não sei se são os mesmos que já vi. Não sei se pertencem ao lugar, por isso, ignoro se quero falar deles.
Estou mais certa quanto a muralhas e castelos e torres… É disso que falo, é isso que vejo. E pode haver dunas, areia branca ou cor de caramelo, pedras e búzios e conchas, céu azul ou doutra cor, nuvens brancas e rosadas… Pode haver sol a brilhar ou chuva luzente sobre tudo.
Agora… dos belos pássaros instalados nas árvores que cantam difíceis melodias, e das aves selvagens e migradoras no estuário à espera do bom tempo… a esses raramente me refiro.
Nem falo dos magníficos animais felinos em correria nos arvoredos… não… nada deles, porque, em geral, não pertencem ao lugar. Nem sequer acerca dos de companhia que, no entanto, estimo.
Não sei, conto do que é dos sítios que visito, sua referência, do que faz deles o que são. O que fica depois de todos os abalos. E o que conheço melhor ou mais me alicia.
Um dia deixarei de dar importância aos detalhes, mas já não terão valor.
Vou pensar exclusivamente sobre a cidade. Dir-lhes-ei.
Não renascerá a semente na terra seca
e revolvida.
Ficou a memória do jardim que vi nascer
que cuidei, que amei
que finalmente perdi.
Não era perfeito: mistura de cores e de perfumes
de sons imprevisíveis
mas sereno e sorridente.
A ele eu regressava pelas manhãs
imaginando o poema
enquanto o jasmim derramava o seu perfume
e a música dos pássaros e das brisas
roçava as folhas uma a uma
num antigo ritual iniciático.
Era ali que principiavam todos os poemas de Verão.
Devo redefinir a palavra MAR.
Segundo o que vejo hoje, não posso chamar mar ao que habitualmente chamo mar.
O que hoje vejo é uma colcha de seda brilhante e selvagem, activa, com cores cujos tons tornam a sua cor indefinida. E os brilhos são apenas seus movimentos delicados e aparentemente superficiais.
É uma dança moderna e muito antiga, muito ousada, anterior aos Gregos, talvez do Egipto Antigo, ligada a mitos ou em homenagem a deuses, a Osíris, que representava os raios do Sol, os raios que vêem tudo, na terra e no mar. Porém, em vez de com capa de estrelas a imitar o céu podemos imaginar Osíris com capa de brilhos do mar que parecem estrelas de um brilho ainda mais refulgente e sofisticado.
Haverá uma coreografia.
Ou serão movimentos improvisados, estes da colcha de seda mágica?
Para mim, a dança é, de qualquer modo, movimento ritmado pela música. Música e dança harmonizadas exprimem sentimentos que são ou que parecem mais fortes quando o corpo os acompanha. São emoções tão claramente mostradas que talvez possamos compreendê-las, é isso. São formas privilegiadas de expressão.
O movimento do corpo (da água?) ao mesmo ritmo (qual ritmo?) dá forma intensa, alvoroçada, veemente, a qualquer emoção. Mesmo quando é tão delicada como a da seda selvagem deste dia, apenas ligeiramente abalada, só estremecida, mas deliciada ela própria
com o pequeno frémito que é visível lhe dar um enorme prazer.
Ou uma assustadora surpresa.
Imagem da internet
O que sofremos para ultrapassar a LUA em quarto crescente! Corremos desesperadamente durante duas horas a grande velocidade e ela sempre imperturbada, no mesmo lugar ao nosso lado, refastelada e tranquila, como um sofá.
Conseguimos ultrapassá-la quando, com o céu completamente negro, senti que estava só naquele lugar sombrio rodeado de um infinito insondável e indistinto.
Desajeitadamente sentada no assento incómodo, imaginei-me em posição oposta, confortável e aconchegada, costas completamente apoiadas naquele D de decrescente (a lua mente, está a crescer), a descansar das grandes fadigas e emoções dos últimos dias.
Estava pois na lua cor-de-laranja brilhante e macia como num sofá, observando o comportamento de estrelas e planetas que é usual habitarem este fundo espaço agora em trevas. Os brilhos, não via nenhuns do lugar onde estava no avião, apesar de tão perto, tão perto que lhes tocaria com o indicador, daí a pouco, quando me apetecesse estender o braço; e se me deixassem abrir as janelas.
(Esta gente é obtusa, não devo pensar que entenderiam. Por que não me deixam abrir as janelas? É fundamental abri-las para perceber bem o que se passa na frescura da realidade).
Aqui fechada… Todavia, este é um espaço ideal para pensar seriamente. E estando muito alto, muito acima de tudo, talvez descubra alguma novidade, pelo menos, invulgar, não do dia-a-dia. Ou talvez não haja nada a descobrir, outros terão visto isso antes de mim.
O mais certo é termos preguiça de pensar, todos nós…
Preferimos aborrecer-nos durante horas num avião em viagem demorada e ruminar mal da nossa vida por causa dos ruídos nos ouvidos ou pelas conversas/gossip dos vizinhos – quero dizer, aquele palrar ininterrupto que conhecemos, que é fala comum. As revistas não interessam, as informações da tripulação são caducas e quando há comidas ou bebidas são para devolver, lamentando o desperdício. Será isto a “prosa do mundo”?
O que poderia travar essa corrente caótica mental inteiramente inútil?
Julguei que era muito mais divertido e valioso pensar em mim própria já que estou num lugar modelo... Possuo um cérebro e julgo ser a partir daí que as minhas decisões são tomadas. Então talvez seja importante desvendar o que são os mistérios desse mundo fascinante cerebral. E o que é a realidade onde poderão fazer sentido?
Tentar responder a perguntas como: Que complexo mecanismo é este, composto de biliões de células nervosas e triliões de conexões entre elas…? Qual é o seu modo de produção…?
Com uma quase/certeza: não sei, não sabemos até que ponto alguma certeza é definitiva. Mas pode ser esta a primeira. A nossa conclusão certa, aqui agora descoberta, pode ser a primeira definitiva.
O que talvez aguce ainda mais a nossa curiosidade por outras.
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