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Um lugar portuense

por Zilda Cardoso, em 25.11.16

Sobre o livro “A Rua do Paraíso  - recordações de um lugar portuense (1935 - 1950)". Texto de Helder Pacheco.

 

“ Retomando a tradição da escrita oitocentista relativa a uma rua do Porto, o texto abrange uma época que, embora próxima de nós, está praticamente ausente da memória disponível sobre a vida contemporânea portuense nas décadas de trinta e quarenta do século XX.

Nesta conformidade, o trabalho corresponde à abordagem sociocultural de uma rua até hoje nunca estudada ou divulgada, com base numa estrutura de reconstituição memorialista do período abrangido, sendo de relevar o tratamento formal dos assuntos em termos literários. Acrescem ainda os factores afectivos ou sentimentais (e, conforme António Damásio, não são as emoções instrumentos de conhecimento tão essenciais à vida quanto a razão?) que impregnam a narrativa dos acontecimentos e a evocação dos tipos humanos ligados ao quotidiano da rua do Paraíso.”

 

A propósito da reedição do meu livro A Rua do Paraíso pela editora Afrontamento, a ser apresentado brevemente.

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publicado às 11:06

Pensamentos à solta (3)

por Zilda Cardoso, em 23.11.16

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Eu descobri isto. Atribuo-me todo o mérito da descoberta. Se bem que saiba que mil pessoas o descobriram antes de mim.

  

As pessoas gostam de estar sós… quando têm companhia.

A mim, ficam-me rumores de vozes, de conversas entre outros… com outros.

Conversas longínquas que não recordo. Lembro ecos, apenas.

 

Alguém vai entrar, vai comunicar qualquer coisa. Este silêncio é inaceitável. Vai ouvir-se um ruído. Qualquer.

Não é possível, mas tudo continua em silêncio, tantos espaços vazios, paredes brancas a toda a volta…

Para além dos muros… a vida acontece, os ruídos multiplicam-se. Lá fora.

Aqui … nada. Os movimentos, os cheiros… a luz e a sombra, o frio e o calor… apenas para além dos muros brancos.

 

-----------------------

É uma pena termos um cérebro grande e tão complexo se o usamos tão pouco. Usamo-lo sobretudo em pensamentos básicos como os que ocorrem a qualquer ser de cérebro pequeno. É um desperdício.

Steiner chama “o palrar ininterrupto do quotidiano” e “o refugo e o lixo da nossa corrente mental” o que pensamos de manhã à noite, todos os dias.

Diz ele, mas talvez não seja tanto lixo como isso, desde que nos permita sobreviver. Temos que pensar como conseguir o que nos facultará subsistir. Pode não ser simples.

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publicado às 13:29

Pensamentos à solta

por Zilda Cardoso, em 21.11.16

Levo muito em consideração a opinião dos outros, presto atenção ao que dizem, dou importância... Sobretudo respeito a sua inteligência e a sua dignidade. Às vezes, a inteligência (a quantidade, é o que quero dizer, que pode ser superior ou inferior) que eu julgo existir neles, essa ideia, esse meu julgamento não corresponde visivelmente à realidade, de modo que as relações se desmoronam.

Os outros são diferentes. Diferentes de mim e entre si. Como estabelecer uma ligação com eles? Com cada um deles, sim, claro, é possível. Uma ligação com o conjunto deles? Muito difícil. Mas é isso que é preciso, por vezes, e em momentos de importantes resoluções. Como poderemos chegar a acordo alguma vez, se quisermos resolver um problema interessante para o grupo? De modo a que todos fiquem felizes?

Talvez elegendo para arbitrar alguém absolutamente fora do circuito, com grandes quantidades das duas inteligências indispensáveis: a do coração e a da cabeça.

………………………..

 

Voltando à questão de pensar e de não pensar, lembrei-me que naqueles períodos em que aparentemente não estou a pensar, talvez esteja realmente a pensar, sem contudo saber transformar em linguagem o meu pensamento. (Não estou a inventar nada). Portanto, também é como se não pensasse.

Pensar será transformar em linguagem o que… o quê? Não me posso recordar do que pensei se não o tiver transformado em linguagem. Então talvez o ser humano não seja o que pensa mas o que recorda e é para recordar que precisamos de linguagem. Isto é que é importante. Para contarmos a nós próprios o que pensamos, o que nos vai… (onde?) no cérebro. Na cabeça, talvez.

---------------------------

 

Julgo não ser capaz de ler os pensamentos de outras pessoas à medida que lhes ocorrem e quando estou a dialogar com elas. Mas sou ou posso ser capaz. Apenas não sei verificar se estou certa ou não, se o que eu penso que eles estão a pensar é o que realmente estão a pensar. Quero dizer, se o que eu penso que é, é o que realmente é.

Isto, claro, nos seus relacionamentos comigo, nos meus relacionamentos com eles, com outros. Nos diálogos surdos e nos falados entre nós. Saber o que dizem é uma coisa, saber e compreender o que pensam pode ser muito diferente. O que dizem pode e deveria traduzir o que pensam, mas raramente acontece. Que tipo de diálogos é possível estabelecer? Muitas, muitas considerações interferem e o que nasceu para ser simples… deixa de ser.

A observação de gestos e de tons de voz ajudará, assim como o conhecimento mais profundo dos intervenientes, do tema e da história do mundo.

 

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publicado às 17:33

Eis a questão: pensar ou não pensar

por Zilda Cardoso, em 18.11.16

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Costumamos dizer e ouvir dizer que pensar dá muito trabalho, e que as pessoas em geral não gostam de pensar. Assim não apreciam ler porque ler dá que pensar. Preferem procurar entender a imagem: é mais simples e divertido. Daí o êxito do cinema, da televisão, dos cartazes, da banda desenhada…

Porém, o que dá mais trabalho e é difícil, verdadeiramente sério, é não pensar. É fácil verificar isto. Não podemos estar sem pensar, não nos é permitido parar de pensar nem neste momento nem por um momento. Isto é um dado adquirido.

No entanto, e é esta a novidade, ultimamente tenho conseguido parar de pensar por tempo que não sei bem definir. É verdade que não posso garantir que não estive a pensar nesse tempo em branco, não posso, mas também não garanto que estive a pensar. É um tempo em branco em que não me lembro de nada, de absolutamente nada de como passa. O que sei desse tempo e, portanto, não é assim tão indefinido, é que passou, passou e posso verificar (no relógio, nos astros…). Mas se não recordo absolutamente nada do que poderia ter estado a pensar, então é como se não tivesse estado a pensar. É exactamente o mesmo. É nada.

Se não olho e não vejo, se não sinto nada – não cheiro, não tateio, não saboreio, não ouço - não posso dizer que isso existe. Não posso dizer que o mundo existe se nenhum dos meus sentidos me diz que existe. A menos que eu não exista, e isso é delicado dizer.

Todavia, pensar é decerto o que fazemos mais, não digo melhor. Digo com mais frequência. E, por mim, gosto de o fazer. O que será difícil é viver doutra maneira porque será não-viver. Como poderei ter a certeza de que existo se não pensar, se me mantiver por longo tempo sem pensar? Pelo menos, durante esse tempo, não existo, é o que julgo. Não sei se me interessa ter a certeza de que existo.

É-me muito difícil pensar que existo até ao momento em que deixo de pensar, e voltar a pensar que existo no momento em que recomeço a pensar. E não existir durante aquele período vazio. Um dia destes vai acontecer que não recomeço.

Deste modo, acho que não pensar é bem mais complicado do que pensar. Não pensar é cheio de consequências desagradáveis. Prefiro pensar e saber onde me encontro, mesmo que não saiba para quê.

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publicado às 09:48

Miguel Veiga

por Zilda Cardoso, em 14.11.16

Nos últimos dias, a nossa vida encheu-se de acontecimentos muito emocionantes, desde a eleição daquele presidente ao desaparecimento de figuras e de pessoas a quem ao longo dos anos muito admiramos e estimamos.

Em tempos românticos era na Primavera que as pessoas, com doenças que se prolongavam, morriam. Ou seria no Outono, muito mais apropriado?

Leonard Cohen é de quem quero falar enquanto é Outono.

Sabia que era muito estimado, venerado, pela geração que se seguiu à minha. Nunca me tinha apercebido de como a sua música teria sido importante para mim se a tivesse verdadeiramente conhecido.

Agora, desde há uma semana - que a oiço quase ininterruptamente nos meios adequados e na minha cabeça, vejo como é valiosa.

Soube neste momento do desaparecimento de Miguel Veiga, uma das pessoas mais interessantes com quem tive ocasião de privar, que sempre estimei e admirei, um portuense ilustre, de avós de Moimenta da Beira, tal como eu. O livro Ana Augusta  - que é a historia da minha bisavó ali nascida e onde viveu a sua juventude invulgar, mereceu da sua parte um texto admirável de apresentação.

Escreveu e disse na nossa terra comum um texto invulgar que nunca esquecerei nem o seu ilustre autor.

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publicado às 13:33

Há os que não sentem o apelo do transcendente

por Zilda Cardoso, em 11.11.16

 

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Há os que não sentem o apelo do transcendente

que “vivem” num lugar determinado

e não abrem o olhar para o longe…

que não procuram “um país inocente”.

 

Trabalham de olhos na terra e não têm tempo

não prezam o sabor do sol

não conhecem os nomes que falam de amar

não gritam, não cantam, não se despem nunca.

 

Não enxergam as uvas em cachos verdes

na ramada a frescura do vento o espaço

dançando aberto e cheio de perfume de algas

e de mel do favo.

 

Não vêem as luzes da bruma da manhã

pousadas nas árvores ou a boiar na água

não ouvem a vibração do mar distante

não procuram captar o NADA,

o centro imóvel do mundo, o secreto absoluto.

 

Nada sabem de eterno retorno, de formas

de palavras tão leves que não magoam o silêncio.

Não se sentem nunca respirar em uníssono com o universo.

 

Cegos, mudos, surdos, insensíveis às presenças intocáveis

trabalham de olhos na terra e apontam só os vermes

os buracos, as pedras escuras, as ervas secas

e o que está por-fazer.

 

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publicado às 14:15

Nostalgia do Paraíso

por Zilda Cardoso, em 08.11.16

Às vezes, perguntam-me se sinto nostalgia do paraíso.

Suponho que se referem a este paraíso de que falo no meu livro, mas possivelmente também ao outro, ao que se escreve com maiúscula.

Vem a propósito, agora que vai ser reeditado “A Rua do Paraíso”, vem a propósito saber o que penso de ambos e se gostaria de lá voltar (no caso do primeiro) ou de o conhecer (no caso do outro).

Nostalgia do Paraíso será o desejo de cada um de nós de se encontrar sempre e facilmente no coração do mundo. Que é o espaço sagrado, acessível e inacessível, único e transcendente, ambivalente e repetível sem fim, símbolo de imortalidade, labirinto. Tudo o que podemos imaginar de perigoso e útil, atraente e repelente, belo e guardado por monstros… eu sei lá.

Sim, se não tivesse medo, gostaria de o conhecer.

E há a nostalgia deste paraíso que me é familiar, que não tinha nem tem nada de sagrado, na minha opinião, mas que se tornou para mim, com o tempo um lugar sagrado, mítico.

Não gostaria de regressar ao lugar que já não existe, de resto, mas sempre quero voltar àquele que se encontra guardado na minha memória e que será mais o que inventei sem querer inventar, sem ter qualquer intenção de forjar ou de compor fosse o que fosse, do que o que alguma vez existiu. A esse voltaria sempre, ao paraíso da minha lembrança.

A nostalgia dele existe em mim enquanto metamorfoseado pela imaginação e pela sensibilidade em verdadeiro Paraíso.

E como aconteceu e acontece sempre com todos os paraísos, quando me libertei deste e emigrei para outros lugares, senti-me verdadeiramente punida: liberta e presa para sempre.

Aquele lugar era realmente único.

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publicado às 20:30




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