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“No lado aristocrático da rua do Paraíso morava uma bruxa e um gato com uma estranha bola no pescoço. O bicho preto mantinha-se na janela do lado de dentro e a janela, com uma cortina que possivelmente tinha sido branca mas não se notava, estava sempre fechada. Para o interior, só se via escuro, tenebroso. A mulher, embiocada – xaile, capa, lenço, tudo panos pretos, olhos brilhantes lá no fundo – tinha todo o aspecto da bruxa clássica, rural. Não teria vassoura para viajar, porque aparentemente não saía de casa nunca – tudo o que necessitava lhe ia parar às mãos por artes mágicas.
As raparigas mais tímidas da escola primária da rua do Bonjardim benziam-se quando passavam à sua porta. De qualquer modo, preferiam atravessar a rua para o passeio da Esquadra: podiam enfrentar mais facilmente a polícia que a bruxa porque sabiam do que os guardas não gostavam, mas não conheciam as razões que a feiticeira podia ter para lhes lançar mau-olhado.
Outras mais atrevidas desafiavam-na. Juntavam-se em grupo perto da casa e chamavam-na aos berros: “O´ bruxa! O´ bruxa!”
Mas mal ela assomava à janela – ala! – fugiam a sete pés”.
(Do meu livro A Rua do Paraíso, a propósito do Dia das Bruxas que amanhã se celebra).
Dou muita importância à opinião dos outros; levo-a em extrema consideração. Os outros podem ter razão, mesmo que eu esteja certa de que não têm. Talvez saibam mais e tenham outra ideia de justiça. E não me interessa ir contra a razão e a ideia de justiça de alguém.
Também me incomoda não ter acesso ao pensamento dos outros: seja o que for que opinem, não será o que pensam.
De modo que essa consideração condiciona a minha opinião, modifica-a, prejudica-a, deita-a por terra. Na verdade, dá-me cabo da vida.
É bom dialogar, talvez seja excelente, mas, depois de apreciar e ponderar todas as opiniões, presumo que é preciso concluir.
A minha opinião, dado que sou uma pessoa, uma, embora complexa, combinada com a opinião dos outros que são muitas pessoas e também complicadas, dará copiosas opiniões a considerar, mesmo para pequenas decisões. Será uma rede possivelmente muito emaranhada, retorcida, labiríntica e, no fim, quem e como se decidirá?
Acho que se eu seguisse apenas uma opinião faria toda a diferença. Para melhor. Essa convicção teria de ser de uma pessoa híper-inteligente, carregada de outras qualidades, todas as que é possível imaginar. Onde estará esse génio? Encontrá-lo-ei ao virar de cada esquina, suportando o fardo das suas características específicas, todas positivas? Será difícil mas possível?
Um ditador ou coisa que o valha, sem conotações desagradáveis talvez desse conta do recado. É sempre mais proveitoso do que um grupo democrático que transforma qualquer tarefa em trapalhada quando não em geringonça.
Pessoas com interesses diferentes nunca se entenderão.
Porém, vejam que ideia luminosa: tudo seria verdadeiramente simples, se eu seguisse somente a minha opinião, básica, no sentido de principal, de fundamental, de essencial. Como estão a fazer os mais celebrados artistas contemporâneos.
É tentador!
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