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Quando me perguntam se alguma coisa se alterou no mundo desde que estou nele e porque estou nele… tenho que dizer sim.
Alegra-me pensar que o que fiz nascer e realizei de algum modo alterou muito o mundo. Não há aqui falta de humildade. Acontece que tive tempo, tenho tido tempo que teria sido desperdiçado se não tivesse trabalhado no sentido dessa realização.
Na verdade, nunca me interessou dizer o que toda a gente disse e repetiu, nem tentar descobrir o que está descoberto; não pretendo fazer o que está feito, a menos que isso seja inevitável. Muitas vezes, é. Procuro não passar por caminhos muito traçados e pisados. Não cair na deprimente rotina. Nunca me interessou, não digo que tenha conseguido.
O que estou a tentar explicar é que as minhas sementes são minhas e reproduziram o possível, segundo as minhas capacidades e as delas. Se eu não as tivesse posto a jeito, provavelmente nada teria acontecido quanto a isso. É claro que as reguei e abriguei do mau tempo, protegi-as enquanto foram frágeis, falei com elas. Apenas lhes dei independência quando isso foi considerado devido-tempo.
Criei no papel uma certa Escrita ou tracei um Desenho, usei a imaginação de formas diversas e realizei empresas concretas de desenvolvimento do que me pareceu razoavelmente interessante na ocasião.
Criei uma família que continua a crescer, o que não é pequeno feito.
Calculo que construí muitos objectos e realidades, embora de maneira geral ninguém tivesse reparado neles, talvez porque não topei a linguagem antiga e original ajustada e desejada por mim.
Fiz muitas perguntas, foram-me dadas poucas respostas satisfactórias, não fiquei a saber. Nem sequer sei, e sobre isso me interrogo, se alterei o silêncio que tanto aprecio, o silêncio do mundo, a que julgo ter direito, tal como considero que os outros o têm. Os outros sem os quais não saberia viver e, por isso, me importa o que lhes acontece.
De qualquer modo, já tudo isso esqueceu, passou à história. Mas esqueceu… quem, o quê? O mundo esqueceu o autor que, sozinho ou acompanhado, deu nascimento a essas realidades. E também a maioria delas, realidades. E continuou a rolar, o mundo continuou a rolar.
Trata-se de coisas que fiz por bem, é isso que quero recordar, o que realizei foi a bem da nação, como se dizia noutro tempo. Direi agora a bem de cada habitante da Europa e do Mundo.
Não recordo nada que tenha feito por mal, quase nada, vejam só. E não por bondade natural, mas porque nunca achei que valesse a pena. E suponho que acontece o mesmo com quase todos nós.
Dá muito trabalho e apreensão fazer o mal: mentir, destruir, atraiçoar, matar, mexericar, fazer queixa e queixar-se, ter pensamentos absurdos e sombrios, dizer banalidades de grande porte, passar rasteiras… e depois concertar as coisas, reordená-las de forma aceitável.
É assim que se entende que tudo o que consegui compor ao longo de uma vida longa foi feito a bem da humanidade e isso é uma das razões por que passou despercebido. Era tudo natural, simples e humano.
Tal como aquilo que resolvi contar pela razão de ter compreendido o seu significado. Significado que é perfeitamente refutável.
São obras inacabadas. Todas.
Eu descobri isto, atribuo-me o mérito da descoberta, conquanto saiba que mil pessoas o descobriram antes de mim.
E aquele silêncio que, um dia destes, será feito dentro da minha cabeça… ainda não se fez.
Tenho um baixo-relevo que é uma gravação (carving) cavada a canivete, segundo me parece, em madeira dura, que representa uma cena da vida de Jesus.
Percebo… observando a pequena tábua… que várias mulheres acorrem, com os filhos ao colo, às costas ou agarrados às suas saias, saem ao encontro de Jesus pedindo auxílio. As crianças estarão doentes ou com outro tipo de problemas e as mães pedem para que Jesus as abençoe, Ele resolverá os seus problemas. Têm grande fé nos seus poderes transcendentes, os filhos ficarão curados.
É um grande grupo e está incrivelmente bem dado o ambiente de grandíssima emoção em contraste absoluto com a tranquilidade de Jesus.
A tábua tem números inscritos que parecem datas, mas não serão – 1812, 1942, 1981 e outros.
É uma obra inacabada, claramente inacabada, mas esteticamente muito apreciável, não sei se gostaria que o autor tivesse progredido muito mais no seu trabalho. Assim, tal qual está, prolonga um mistério.
Que terá acontecido? Por que razão o autor parou o trabalho naquele momento?
Ele pode ter abandonado a execução por motivos vários e circunstanciais ou profundos. Por não ter conseguido dar a ideia que queria dar, por irresolução, por críticas negativas que pode ter recebido e que lhe importa aceitar. Pode ser uma obra de encomenda e o comprador prometido não ter ficado satisfeito com o que viu. E então abandonou a obra.
Ficou uma daquelas obras abertas que permite várias interpretações e diversos acabamentos, se bem que sendo uma cena bíblica o objectivo está de antemão definido.
Com intenção ou sem ela, a obra está aberta. O autor deixou “pensamentos visíveis” (como na actual exposição do Met de N.Y. (intitulada UNFINISHED) e é possível com alguma concentração surpreendê-los – aqueles que ele foi tendo à medida que ia executando a peça.
A obra vai-se fazendo, está inacabada desde o momento em que foi abandonada, mas o principal já está lá. Ela nunca estará feita, de qualquer modo, nunca estará perfeita, nunca ficará acabada.
Pode haver um momento em que o artista, tratando-se de uma obra de arte, a considere suficientemente perfeita ou seja organizada segundo as exigências de uma obra de arte. E decide terminar o seu trabalho nesse momento e mostrá-lo tal qual. Por razões estéticas. Esta forma de inacabar funciona como um estilo, um novo estilo.
Por outro lado, este pensamento do inacabado é muito moderno e estende-se a todas as realizações humanas. E, sabem, a todas as realizações humanas. A tudo.
Não há obras realizadas por humanos que sejam acabadas, perfeitas. Quaisquer que sejam as obras.
Já repararam como se sai despenteado do cabeleireiro? Mais despenteadas e despenteados do que quando entrámos depois de uma hora de tratamentos complexos com produtos caríssimos, e de escovadelas em todos os sentidos.
Estaremos artisticamente despenteados e muito felizes. O penteado é uma obra estética inacabada, um novo estilo.
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