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O que devemos estimar e celebrar neste mundo?

por Zilda Cardoso, em 29.11.15

 

(imagem retirada da Internet)

Alguém disse que a obra de Jorge Pinheiro é uma pintura de “silêncio e luz”. Vejo-a como tal. Mas é naturalmente muito mais que isso: pode ter um significado assustador.

E é um desafio para que consideremos o que tem realmente importância neste mundo - as coisas e as pessoas. O artista diz em silêncio veemente sobre fundo incendiado, belíssimo, o que pensa do sofrimento da mulher intensamente triste, vestida de negro em razão de um conflito sem fim… israelo-palestiniano.

Fomos suficientemente ensinados a respeitá-la? Ou a outra pessoa qualquer?

É comovente, é emocionante, somos tocados de todas as vezes que a olhamos. Não queremos que volte a acontecer, e no entanto…

Está sempre a acontecer, somos culpados, não sabemos viver senão em guerra de todos contra todos. Aparentemente, a crueldade participa da nossa natureza.

Então pergunto-me com A. de Botton: “o que devemos estimar e celebrar neste mundo?”

 

(Está um quadro de Jorge Pinheiro desta série a ser mostrado na Galeria Vantag Porto até ao fim do ano.)

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publicado às 09:59

Como estaria o Sol

por Zilda Cardoso, em 28.11.15

 

DSC03460.JPG

Antes de abrir os olhos, interroguei-me sobre como estaria o Sol, naquele dia, hoje. Gosto de o ver brilhante e ousado, cheio de entusiasmo em cenas em que é protagonista.

Abri-os, espreitei: ainda estava escuro. As horas? Seis e meia. Ora, como queria eu…?

Estou sempre ansiosa para saber a cor dele, a cara com que se vai apresentar a este bocado de mundo…

Não era tempo de voltar a dormir, embora tenha sido descoberta uma técnica eficaz para o conseguir a qualquer hora. Gosto de estar bem acordada, de dar conta sobretudo do que acontece ao Sol e em consequência da sua acção. Desejo sonhos diurnos, não aprecio a noite.

Resolvi dar umas voltas pela casa, fazer isto e aquilo. De vez em quando, espreitei à janela. Até que alguns pequenos-quartos-de-hora depois, ele se abriu e deixou ver o que havia para ver.

Mas com pouca vontade. Estava pálido e não augurei nada de favorável. O que havia para ver era nada interessante sem brilho.

Continuei nas minhas ninharias e, em certo momento, vi que afinal ele era ligeiramente dourado e agradavelmente luminoso, sem exagero.

Mesmo como gosto. Sorri de ponta a ponta. Gosto?

Estes luzeiros amenizam o ambiente, apenas. O Natal este ano, a seu exemplo, será todo cor de trigo e ligeiramente dourado, como decoração interior. Tal como esta luminosidade matinal. Nada de cores intensas e fatigantes.

E não haverá outras pessoas, mas, sim, gente ainda a crescer e diferentes pensamentos. Novas maneiras de ver o mundo, formas frescas e mais eficientes de desembaraçar-se. Nesta época, quero ouvir diferentes discursos à mesa, darei a cada um a liberdade de se contradizer.

Hoje procuro saber qual o desenho das nuvens, as suas cores e formas. Imagino a dificuldade da concepção delas, o quanto demorou cada nuvem a tomar aquele aspecto aprimorado. Investigarei as árvores: terão mais folhagem vermelha ou terá já caído toda ao chão, pronta a ser varrida, não sei para onde? Estará agora seca e vibrante quando se pisa? São coisas importantes e devo observar. Provavelmente, tenho que descer à rua.

O Sol tornou-se radioso, isto é, alegre. Se bem que haja vento do norte, caminho, de costas para ele, e tenho a sensação de que não o sofro. Ficou um calor de Inverno, apetitoso, aconchegante e bom.

Também me sinto no direito de viver plenamente as minhas contradições.

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publicado às 19:30

Dormir ou não dormir...

por Zilda Cardoso, em 26.11.15

Deslizei entre os lençóis, deitei-me devagarinho, não fosse acordar de todo aquela voz. Pô-la alto e bom som, seria agradável, sobretudo confortável e oportuno, aquela voz dentro de mim que grita, por vezes grita, quando lho permito…

Porém, ela me acorda de mais e leva-me a esquecer o que de subtil tinha para recordar ou para apreender. O que de subtil…somente, apenas isso. O resto não me importa.

É que, se estiver imoderadamente viva, tudo em meu redor é demasiado presente para que coisas da tenuidade que desejo aconteçam. Tudo fora de mim se revela extremamente intenso e se impõe.

Contudo, eram três da manhã e precisava de dormir. A voz continuou pianinho, eu queria registar as ideias invulgares antes que se desvanecessem. Iam fugindo de qualquer modo, como é seu hábito; e eu fico chorando isso, com grande desgosto. Que me lembre, àquela hora, são sempre coisas marcantes que vou inventando e logo esquecendo.

Eu, incapaz de aceitar este estado de coisas, repetia, repetia o mesmo… recalcava. Mas não chega, não chega repisar, pretendo ir mais além.

Se acender a luz, não posso dormir, mas posso escrever (o quê?). Como hei-de dormir e, ao mesmo tempo, registar os pensamentos que me ocorrem, muito dentro de mim?

Verifico que a minha capacidade de memorizar se esgota rapidamente. O meu gravador natural não é assim tão bom, devo desafiar os cientistas para que inventem um, aceitável.

Que faço? Acendo? E escrevo? Ou deixo-me adormecer e nunca mais recordo o que evoquei naquele instante e parecia prometedor? Extraordinariamente original e mesmo genial? Ideias inteiramente novas, luzentes…

Tantos pensamentos me surgem… por quê agora que preciso dormir…? E que a voz se esvaece…

Talvez seja ou fosse um bom momento, tranquilo, em relação às ocorrências perturbadoras do dia-a-dia… É isso, é um momento ideal, meio apagado, delicado, ténue… em que estarei apenas viva por dentro. O fora quase não terá existência, é como se não tivesse...

Faço a vida assim, sou eu que a confecciono entrelaçada, complexa: que me importam e à humanidade meia dúzia de reflexões provavelmente escusadas, dispensáveis? Não quero pensar. Finalmente, ganhei um pouco de tino. Não vou pensar.

Lembrar-me-ei amanhã, se me lembrar e do que me lembrar.

Amanhã, tenho a certeza, de experiência feita, reviverei facilmente esta luta, não os pensamentos por que lutei, quero dizer, pela recordação dos quais sustentei uma briga entre a minha memória e um actualizado registo, mas não os pensamentos em si. Com toda a certeza, não recordarei as fantasias nem as realidades ditas doutra maneira que, por momentos, achei possível compor, produzir. E que de certeza iam salvar a humanidade de todos as tragédias. 

Esquecerei de qualquer maneira, é melhor dormir.

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publicado às 18:59

Há mais coisas entre o céu e a terra, Horácio…

por Zilda Cardoso, em 20.11.15

 

Deram-me uma vida, há muito tempo e devo vivê-la. Continuo a vivê-la, mas não sei bem o que fazer com ela. Acontecem coisas a mais, neste nosso mundo - estranho - muito mais do que posso absorver ou apreender, haverá mais do que supõe a minha vã filosofia

E eu já não a quero, a vida; se algum dia soube, já não a sei viver.

Interrogo-me e interrogo-vos agora: como vivê-la?

Gozando as eternas belezas naturais de A a Z que se repetem ao infinito? É só aquilo, naquela escala, não pode haver mais novidades. (Pelo que sei, o Mundo é limitado, não falo de Universo.) Assim quando chego a Z volto a A e aí estão idênticos poentes e luares parecidos, análogos movimentos da água ou do vento, as mesmas primaveras e outonos semelhantes …

Ou vivo-a chorando as maldades próprias dos seres da minha espécie sempre em guerra de todos contra todos, já que não sabem coabitar doutra maneira? Simplesmente seguem as instruções do seu complexo sistema cerebral, não têm culpa.

Há outras atitudes possíveis, sem dúvida. Há quem viva para ajudar os outros a viver ou a sobreviver, segundo a sua ideia do que isso é. E há os que se exploram mutuamente e a sua vida é uma contenda por coisas sem valor em si porque quem sabe o que é o valor e aquilo que o detém?

É um grande grupo, este, o maior talvez, e subdivide-se em menores. Um destes é o dos terroristas que não são apenas islâmicos, oh se fossem!, são terroristas profissionais e existem em todas as partes do mundo. Com estes não há nada a fazer: pode-se estar com eles e morrer com eles ou combatê-los. Posso incluir neste grande grupo os políticos profissionais e seus praticantes indefesos.

Mas há outros: os que tentam fortuna de qualquer ou de alguma forma e encontram nesse objectivo uma razão de viver.

Devo dizer que me apercebi de que existem ainda os que apreciam aprender coisas e estão atentos. Até há os que se interessam por pensar. Este é um grupo muito esquivo e surpreendente, porque nunca chegam a uma conclusão: só pensam, repensam e voltam a pensar… não passam disso. E não servem de nada. (Já diz o Dalai Lama: é necessário agir).

Tem sido interessante para mim descobrir os que gostam de representar, os que fazem música e a tocam em instrumentos apropriados, os que pintam, os escultores, os que escrevem e inventam mundos difíceis, mas não podem engendrar muito para além do que vêem, sentem e pressentem. Não muito, não muito. Apaixonam-se pelo que fazem e sabem que apaixonarem-se é fundamental - é a única maneira de atingir o que julgam ser a inalcançável perfeição. Por isso, não querem conhecer o que os rodeia, verdadeiramente, não querem saber. Vivem o seu mundo.

Porém, eu pergunto-me agora com frequência, como decerto todos se vão interrogar um dia, como vou ainda viver a minha vida. Em que grupo me integro, se não quero e não quero, se não sou contemplativa, se não sou artista nem estou apaixonada, se não tenho um objectivo de importância transcendente ou somente elevada, se… se… se…

Como me vou salvar, como nos vamos salvar?

Não sei como vivê-la… a vida, nem por quê nem para quê. Do mesmo jeito, não sei como não a viver.

Então como me justifico?

 

 

 

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publicado às 13:12

Santo António

por Zilda Cardoso, em 07.11.15

 

(Imagem da Internet)

Não é que eu goste de contar histórias que parecem ficção. Não. Não gosto que pareçam: ou são ou não são. E isto tem que ficar claro desde o início.

Porém, ando há dias a ruminar uma história absolutamente verdadeira, alguma coisa que me aconteceu mas que tem o seu quê de fantasia. Procuro o sentido...

Não inventei nada: deixei que um pouco de transcendente entrasse e contaminasse a realidade?

Vou contar. Vejam.

Perdi um objecto de valores, de muitos valores há algum tempo.

Tristemente tristonha, procurei em todos os sítios que me pareceram possíveis e mesmo em alguns impossíveis. Uns foram de difícil pesquisa, outros de pouco trabalho. A parte de busca mais trabalhosa culminou no tanque de peixes dourados e vermelhos, nenúfares e lírios amarelos, muito musgo, pedras e lama. Tinha sido um arranjo decorativo complexo aquele arranjo e estava assim há alguns anos.

Decidi esvaziar o tanque; e durante horas lutamos, eu e mais quatro, contra esses elementos que na verdade precisavam de uma operação de higiene profunda. Achei que havia muitas probabilidades de ter caído ali, o objecto precioso, e poucas de ser encontrado. Não encontrámos o que era procurado, mas o tanque ficou limpo. Foi alguma coisa de que me orgulhei.

Mas não foi proveitoso para o fim em vista. Não apareceu o que procurava.

Desisti e fiquei com o desgosto.

Algumas pessoas sabedoras do caso e amigas de ajudar disseram: “por que não invocas o Santo António…?”

Eu tinha demasiada consideração por este Santo, Doutor e Pregador de excepcional mérito, para o usar em coisa tão insignificante, para abusar da sua paciência. Mas os amigos insistiram: “Olha que ele costuma fazer o milagre de encontrar objectos difíceis, problemáticos, perdidos. Tens que lhe rezar o responso”.

Comecei a achar tolice não fazer o que me sugeriam com tanto interesse e amizade. Recordei uma célebre frase que me habituei a ouvir ao meu Pai: “Sei que não há bruxas… mas se as há!?”Comecei a admitir rezar o responso, em desespero de causa.

Lembrei-me então de falar a um grande amigo que sabe tudo acerca de portuensismos, de hábitos antigos e velhas devoções dos portuenses. E foi notável! Simplesmente notável!

Procurou logo o responso e, se bem que só mo tivesse enviado no dia seguinte, dia 17, ele estava escolhido e ficou decerto comprometido. O milagre aconteceu, nesse dia. A sua interferência não deixou quaisquer dúvidas. A interferência de ambos.

O responso de que me inteirei reza assim:

Se milagres desejais/Recorrei a Santo António/Vereis fugir o demónio/E as tentações infernais/Recupera-se o perdido/Rompe-se a dura prisão…/Todos os males humanos/Se moderam, se retiram…/Recupera-se o perdido/Pela sua intercepção/Foge a peste, o erro, a morte…

….

Não esperei muito: mais uma vez o ilustre Santo, cuja admirável biografia tinha lido no curso de filosofia, cumpriu a promessa de fazer fugir o demónio: o objecto apareceu para meu regozijo dentro dum sapato que nunca tinha usado. Mas que levei e trouxe de vários lugares, de cada vez arrumei em casa no armário próprio, e fora de casa no saco donde nunca os retirei.

Nesse dia 17, decidi, depois de prolongadas hesitações, calçar os célebres sapatos, aliás sapatilhas com cores diabólicas. E quando pretendi enfiar o pé numa delas, alguma coisa impediu que ele entrasse e assentasse. Era o célebre objecto precioso e tão procurado.

Que entendo eu de razão? - gritei para mim própria. Mas que entendo eu de razão?!

Fiquei perdida nas minhas reflexões…

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publicado às 09:09

A RAIZ VERMELHA DO AMOR,de Mónica Baldaque

por Zilda Cardoso, em 01.11.15

Fui em Lisboa à apresentação do recente livro de contos de Mónica Baldaque, na Livraria Buchholz, A Raiz Vermelha do Amor. Ainda o não li porque ofereci logo o meu exemplar a uma grande amiga que merece lê-lo em primeiro lugar.

Só queria falar um pouco da apresentação – foi inteiramente invulgar. Nunca tinha visto um tal entusiasmo na apresentação de uma obra literária. E gostei. Apreciei os termos elogiosos e estimulantes.

Fernando Pinto do Amaral acentuou que está ali uma nova noção de escrita, original, em contraste com a das montanhas de livros novos que aparecem nos escaparates das livrarias todos os dias, alguns best-sellers em todo o mundo e que dizem todos a mesma coisa. É a mesma escrita em todos.

Este - A Raiz Vermelha do Amor – “tem identidade, tem estilo, há personagens inesquecíveis”. Falou na simplicidade da atmosfera criada pelo livro e na naturalidade da forma, aberta no entanto à dimensão do fantástico.

Há um conto que é quase um romance, talvez venham aí novos romances, não nouveaux romans, digo eu. Falou nas reflexões interessantes apresentadas com sobriedade. E no amor de que se trata muito no livro - de amor, de alma, de relações humanas. De tentação e de desumanização. E do mais que eu vou gostar de desvendar, para além de certo desencanto que Fernando Pinto do Amaral diz ter descoberto nalguns momentos de leitura e que não deixou de salientar. Isso e a originalidade que é com certeza uma das suas notáveis características.

Fiquei alvoroçada, ansiosa por o ler, conto-lhes depois.

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publicado às 15:50




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