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Listas absurdas

por Zilda Cardoso, em 24.06.15

 

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Ainda a propósito de palavras e dos seus múltiplos significados, ocorre-me mais uma vez um texto de Jorge Luís Borges citado por Michel Foucault no prefácio do seu livro “Les mots et les choses”. É uma enumeração fascinante de animais tal como aparece numa enciclopédia chinesa primitiva, uma taxinomia inteiramente incoerente apenas comparável, ao de leve, com algumas das melhores cenas dos Irmãos Marx.

Diz assim: Os “animais dividem-se em” a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães em liberdade, h) incluídos na presente classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) os que são desenhados com um pincel muito fino de pelos de camelo, l) et caetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que de longe parecem moscas”.

Só podemos rir, não é nada em que se possa pensar.

O interessante para mim, no momento, é que se trata duma lista, talvez inventada por Jorge Luís Borges que Umberto Eco, falando de listas e do Poeta, de excessos e de caos, também cita nas suas Confissões de um Jovem Escritor.

Chama-lhe enumeração caótica, a mais caótica das enumerações que conhece, mas refere muitas suas e as de grandes génios que parecem ter-se serviço de incontáveis e muito variadas listas no interesse fundamental das suas obras de excepção.

E os exemplos que ele dá!

Homero, Calvino, Céline, Vitor Hugo, Cole Porter, Paulo Neruda, Tessauro, Basile, Rimbaud, J. Joyce… (uma lista absurda). Dedica todo um enorme capítulo às listas e é palpável o prazer que lhe dá falar disso.

Igualmente para rir são as minhas listas de palavras escritas - palavras de que gosto e que enumero longamente sem nenhuma lógica, sem que encontre outra ligação entre elas que não seja o encanto do som com que se pronunciam.

De vez em quando, perco a lista sob uma montanha de papéis e tenho de voltar a escrever do princípio, recomeçar a enumeração com outras palavras que descubro, naturalmente. E me confortam.

De cada vez que acontece, é mais divertido. É uma lista prática e do mesmo modo poética, segundo uma classificação de Eco que aceito.

E não quero cair na tolice de tentar concluir.

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publicado às 22:00

Palavras e coisas

por Zilda Cardoso, em 21.06.15

É intensa, a minha relação com as palavras. Com as palavras, em geral.

Não posso dizer que as odeio. Nem que as amo desesperadamente.

Mas não tenho dúvida de que gosto de umas, não gosto de outras, aprecio incrivelmente algumas e, sim, detesto as que não posso ouvir sem ficar abespinhada. Ou coisa que o valha.

Refiro-me, quando aqui falo de palavras, ao som delas quando as pronuncio ou outro alguém as diz. Acho que o meu agrado ou desagrado nada tem a ver com o seu significado… Talvez com a imagem acústica!? Não sei bem.

Com o significado que lhe é atribuído… também, sim, afinal, pois há palavras que não pronunciaria por nada deste mundo apenas porque significam alguma coisa de que não tenho vontade de falar. Que me fariam sentir muito mal se as dissesse. Só por isso.

Entenda-se que há no mundo uma coisa que se liga à palavra que é pronunciada ou escrita, parece simples, mas é aqui que surgem as dificuldades já que possivelmente essa ligação não tem lógica nenhuma e o vínculo parece ser arbitrário.

Por isso, os nossos pensamentos, aqueles que são declarados em palavras e comunicados por palavras, precisam de que elas tenham um conteúdo bem definido para que nos entendamos. Para que saibamos escolhê-las e, desse modo, dizer o que pensamos e sentimos. E tomar as nossas decisões.

Mas não têm.

Não há um significado para cada palavra, não há correspondência com uma coisa única.

Pois bem, andamos anos a aprender isto mesmo, a ligar as palavras às coisas, a dar-lhes significado e depois quando passamos as fronteiras dos países que queremos conhecer, damo-nos conta de que não entendemos nada daquilo que os nativos nos querem explicar. Nem eles entendem o que queremos dizer-lhes.

As simples palavras usadas por toda a gente são absolutas incógnitas, segredos, enigmas, grandes mistérios que à primeira não conseguimos deslindar.

É uma desilusão: tanto esforço, sabedoria acumulada, tanta imaginação desde o nascimento para descobrirmos que não conhecemos uma palavra das usadas naquele grupo.

Pelo menos disto teremos consciência: não conhecemos o que julgávamos conhecer, ali não nos servem de nada as palavras com sentido (sagradas) que a nossa mãe nos ensinou..

E mesmo que as coisas e os acontecimentos sejam semelhantes, vamos interpretá-los de forma diferente, as palavras são outras e não sabemos comunicar o nosso pensamento, estaremos isolados no meio dessas multidões do mundo.

É muito confuso e nunca me conformarei. Mesmo sabendo que há interpretes optimos que não têm intenção de trair.

No entanto, o pior é que dentro do mesmo país e do mesmo grupo a comunicação é identicamente difícil. As palavras que usamos, as mesmas, cada um de nós, não tendo um conteúdo definido… Dependendo a sua interpretação - aquilo que comunicamos - dependendo de tantas subtilezas, por vezes, ignoradas como pode haver entendimento e comunicação?

Ando a pensar nisto desde há muito e pela milionésima vez a propósito dos conflitos sociais e políticos que ultimamente testemunho. É o castigo do nosso grande pecado, se não o original, pelo menos, um muito próximo.

Não nos entendemos, como podemos entender os políticos? Será que nos querem dizer alguma coisa? Será que… na sua linguagem inflamada… ambicionam dizer nada? Ou é seu desejo comunicar outra coisa?

Pretendem pelo menos explicar isto mesmo: que os seus discursos são para não serem entendidos. Nunca. Cada um que os interprete à sua maneira, nunca lá chegaremos.

Talvez se entendam uns aos outros, tiraram cursos convenientes muito superiores aos que se tiram nas mais importantes universidades. Por que falam para o comum dos mortais que se degladiam entre si e sofrem de todas as maneiras?!

Na verdade, tudo isto tem pouco sentido.

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publicado às 20:46




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