Saltar para: Posts [1], Pesquisa e Arquivos [2]



O cinema de Manoel de Oliveira

por Zilda Cardoso, em 25.04.15

O cinema de Manoel de Oliveira assemelha-se para mim, no que diz respeito ao prazer que me dá, a um volumoso romance da chamada grande literatura.

Não posso lê-lo de seguida porque é terrivelmente entediante. Leio-o e vou avançando apressadamente, passo sem ler frases, capítulos e mesmo páginas. Interessa-me a intriga e não as grandes e detalhadas descrições de ambientes e de personagens.

Todavia, tenho grande prazer em lê-lo, desse modo. Nada me pode impedir.

No cinema de M de O não posso agir assim, como gostaria, não posso sair e voltar a entrar na sala, até porque não saberia quando entrar e recomeçar, qual o momento conveniente para isso, sem alterar o meu prazer, o da leitura e o da visão, seja, o conjunto das imagens e das cenas.

 

 

(imagem da internet)

Tenho pena. Porque acredito como Barthes que há romances clássicos de que só se tira prazer lendo-os dessa forma sincopada. O mesmo acontecerá com o cinema de M de O.

Aqui é tudo deslumbrante, tocante, harmonioso, belo… até se não poder suportar mais. Assim, depressa chego ao meu limite, saio da sala, fujo para me não zangar com o estilo do autor que admiro.

Não me importo se já conheço o fim ou de não ver o fim da história, mas não terei esse prazer, porque, arrasada com tanta beleza, ao suspender a minha assistência ao filme, é perturbação muito particular que sentirei. Vou aproximar-me da fruição ou do que Barthes assim chamava?

De qualquer modo, saio da sala transgredindo, sem medo de estar a ofender quem quer que seja com a minha saída, aparentemente não comungando com a ideia manifesta da alta qualidade da sua arte.

Não é verdade.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 12:07

Major News/Minor News

por Zilda Cardoso, em 21.04.15

DSC02365.JPG

 

 

Outro acontecimento a que em parte assisti em Serralves no último sábado foi uma performance musical (não sei se lhe posso chamar assim) intitulada Major News/Minor News, conceito e composição de Nicholas Bussmann, berlinense segundo informação da Casa e sete cantores de diversas nacionalidades.

Tinha imensa curiosidade em saber de que se tratava realmente. Não sei se fiquei a saber. O que vi foi um semicírculo de pessoas sentadas, com uma figura nitidamente mais importante sentada a meio da curva das cadeiras e jornais nas mãos deles e no chão, muitos jornais, o que supõe carradas de notícias.

Diziam estar abertos à participação do público que vi seguir interessado a acção, mas não assisti a qualquer participação. Talvez tivesse havido. Na verdade, estive pouco tempo porque de pé, não tive coragem de me sentar no chão, cansei-me.

Devia voltar, tenho vontade de voltar, mas apenas foi possível até domingo, três espectáculos.

Lamentei não estar preparada.

Os sete performers processaram notícias de diferentes países em diferentes línguas, tocando guitarra e cantando nas suas línguas diferentes talvez respostas, pareceram-me respostas, transformando as notícias em interacção musical.

Difícil explicar. Devia ter ficado mais tempo. Ou devia ter voltado no dia seguinte. Para ter suficiente material de reflexão.

Não perco a próxima, esteja onde estiver.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 13:59

Modernismo da Europa de Leste

por Zilda Cardoso, em 19.04.15

DSC02349.JPG

Pela primeira vez, senti que havia diálogo entre uma exposição e a arquitectura do lugar onde se realiza.

Monica Sosnowska, artista polaca, escultora que concebe o seu trabalho como aquilo a que se chamou “arquitetonização”, quer dizer, partilha de elementos formais entre arquitectura e escultura, tem uma exposição em Serralves muito interessante e curiosa para mim.

As peças que estão no átrio, nas galerias do Museu e no exterior são trabalhos realizados entre 2003 e 2015 e reconciliaram-me com a arte contemporânea de que tenho andado arredada por não pretender participar naquilo para que não quero sequer olhar. Nem ouvir.

Diz-se no prospecto do Museu: ”Concebida em diálogo com a arquitectura do Museu de Serralves desenhado por Álvaro Siza , a exposição revela o percurso de uma artista que pensa a  escultura não só como objecto físico mas também em termos de espaço, tempo e memória.”

O espaço habitual de exposições do Museu está outro porque além das esculturas independentes, há formas suspensas e formas pendentes com efeitos espectaculares sendo simples, como a escadaria retorcida que domina todo o espaço da Galeria 1. Liga-se ao tecto e liga-se ao chão e é uma intervenção escultórica barroca de grande beleza e leveza.

Os materiais que usa e a sua forma de os transformar, o processo criativo, enfim, despertaram a minha atenção. Sei que, por vezes, faz uma pequena maquete de papel, coisas de brincar, e depois os técnicos com quem trabalha transformam-na em escultura de grandes dimensões.

Usa materiais como aço inoxidável e betão e elementos usados na construção de residências polacas dos anos 1950 a 1980 . São lembranças de muitas demolições seguidas de abandono que Sosnowska observou e resultaram do ajustamento do seu país à moderna economia capitalista. Aparentemente deforma esses elementos e o que resulta das deformações mesmo com materiais pesados são novas formas muito ligeiras ainda que imponentes. Surpreendeu-me a exposição da Galeria 2: a princípio apenas vi no chão, no meio da sala, um monte de entulho, mas alguém me ajudou a notar o buraco do tecto. O buraco e o entulho branco vão bem com demolição de paredes.

Olhando para a cena, podemos imaginar qualquer história. A artista mostra naturalmente influência dos lugares em que viveu ou que visitou: as suas peças contam histórias do passado, mas também do presente da cidade que a expõe, do Porto, neste caso.

 

(imagem do Museu de Serralves)

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 20:26

Lídia Jorge no Porto de Encontro

por Zilda Cardoso, em 16.04.15

 

O encontro de há dias na Biblioteca Municipal Almeida Garrett foi especialmente interessante: Lídia Jorge é uma grande escritora que apreciei ouvir contar da sua experiência profissional. Falou de si e das razões de ter escolhido essa profissão. E de continuar a escrever 35 anos depois tão bonita e inteligente como quando começou, digo eu, mas agora muito mais sábia e experiente.

Na ocasião, não gostava, disse, da forma como os escritores portugueses escreviam nem dos temas abstractos que escolhiam. O mundo era diferente do que esses romances revelavam. Ela queria falar do que atinge o coração das pessoas. Era uma época revolucionária politicamente no País e era indispensável também uma revolução na literatura. Enfim, queria fazê-lo à sua maneira, escrever de outra forma num estilo que não era o ensinado na Faculdade de Letras que frequentou. Fugiria do romance tradicional e convencional, dos retratos psicológicos, da importância dos personagens e daquele lugar do narrador na intriga do que chamou a “carpintaria profunda”. E fugiria sobretudo do beau roman, da bela história.

Gostei de saber que tinha enviado o seu primeiro romance ao Vergílio Ferreira cuja opinião era importante para ela. Conhecia a sua mulher que não lhe deu muitas esperanças de que ele o lesse. Mas leu e gostou e disse-lho à sua maneira um tanto rude. Lídia Jorge enviou também o original a Agustina Bessa-Luís que lhe respondeu por escrito, um cartão em que dizia mais ou menos isto: “Benvinda a esta arca das desalianças. Oxalá a recebam bem, oxalá a leiam, oxalá lhe paguem”.

Que me perdoem, se não foram exactamente estas as palavras que Lídia contou, mas a ideia era essa. Lídia Jorge decidiu-se então a enviar para o editor O Dia dos Prodígios no seu estilo novo, pós-revolucionário. Obteve um sucesso imediato.

Gostava de registar aqui algumas das suas frases soltas a propósito de perguntas que lhe foram dirigidas.

“Os escritores são ouvidos porque se considera que sabem. Os escritores não podem errar. Os escritores actuais têm mais o pé na terra. Os escritores que estiveram em África num certo período tiveram vantagem sobre os que não viajaram”.

“Tenho grande respeito pelas pessoas que acreditam na transcendência”. “Há o medo e há o mistério”.

“Há a grandeza do cosmos”. “Queremos não sofrer e sofremos. Não queremos morrer e morremos”.

“O mundo é caótico e existe uma totalidade?”

“Temo-nos uns aos outros.”

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 19:10

Celebração do azul

por Zilda Cardoso, em 16.04.15

DSC02219.JPG

 

 

Nunca o azul me pareceu tão evidente e nu, tão quente (!). Podia ver entre mim e ele ondas de calor movimentando-se com energia, mesmo com frenesi. Isso, estranhamente, parecia tornar o azul mais azul, mais decidido. Nenhum contorno se diluía no ar e as chamas eram líquidas e sem substância, impacientes e batidas.

O silêncio aumentava ainda a profundidade deste azul vasto e só e da claridade sem sombras que não desocultava o invisível. Nunca o interpretarei, pensava, porque quero decifrá-lo com a inteligência e ela não alcança mais. Tem um limite estreito como a visão e a audição. É só por isso: tenho de aceitar esta razão que é a do meu limite humano.

O homem parece acreditar nas possibilidades ilimitadas da sua inteligência. Penso, por que hei-de querer inteligir para além do que me é possível? Se os investigadores acreditassem que, por muito aperfeiçoados que sejam os aparelhos que inventam e usam, não podem penetrar para além do limite. Que é o azul… para mim.

 

DSC02218.JPG

O azul é também o que é posto ali como incentivo. Para que eu possa imaginar. Atraente em extremo, brilhante e lúcido. O que cobre o todo. O todo que alcanço. O azul que estará acima do todo e é sobretudo promessa. Não sei onde começa nem onde acaba.

Por vezes, abre-se o azul, caem gotas límpidas, refrescantes, mas tudo volta ao mesmo rapidamente.

O espaço transparente que vai de mim ao azul significa a minha esperança de aproximação a ele, é onde posso caminhar sem Deus até Deus. Porém, é o que eu não logro percorrer, porque é infindo, não porque não tente.

De que vale voar se o meu azul é constituído por camadas sobrepostas de nada? Nada, nada, nada; mas azul aberto. Então não chego ao horizonte, existe apenas para eu o olhar, arrumá-lo dali… não posso.

 

DSC02215.JPG

 

Sinto-me aconchegada dentro do azul íntimo. Não preciso que outros me vejam e considerem. Posso ser eu própria no conteúdo azul e celebrar a comunhão com ele, gravemente. É assim que o meu coração cresce e fica do tamanho de todo o espaço interior que se transfigura em cosmo.

No momento, não há ninguém no azul, apenas eu e eu. Melhor, apenas azul. Não é necessário comunicar nem conhecer. No entanto, não estou só. Sou tudo. Não me interrogo sobre nada, porque tudo está em mim.

Alguém disse (? Fui eu que disse?!): não preciso dizer eu, digo cor, perfume, digo silêncio, rumor; digo alegria e brilho. Não preciso dizer eu.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 09:40

O azul do céu

por Zilda Cardoso, em 15.04.15

 

DSC02082.JPG

DSC02125.JPG

Imagino o sabor do azul ligado ao verde, iluminado por dentro, ligeiramente frio e doce. Penso num sorvete peculiar sem natas e como me agradaria aproximar-me com uma colher pequena e colher uma porção.

De resto, tento. Porém, esse azul afasta-se, não permite que lhe toque. Fica-me nos olhos e para qualquer lado que me volte, vejo-o sempre a afastar-se à mistura com mistério, abismo sedutor abismo, confidente do que não sei.

-----------------------------

O azul é a alma translúcida do tempo. É o que eu persigo, o que me atrai: omnipresente, infinito – alma e tempo.

-----------------------------

 

Talvez o azul seja um perfume acumulado de inúmeras gerações de flores trituradas, amalgamadas, vivas apenas na essência do azul.

------------------------------------

Para além e através do azul, nada posso perceber. Azul é azul, não é nada, não é transparente. Sobrepõe-se ao que estará para além e que fico a imaginar, a dourar de todas as boas e belas características possíveis. As que conheço, naturalmente. Não poderia imaginar o que não conheço.

------------------------------------ 

DSC02067.JPG

 O azul hoje está sem verde e mais distante. Próximo de mim, nuvens brancas desfeitas dançam-me levemente nos olhos.

Não conservam nenhuma forma, os farrapos mudam a cada instante e dão uma sensação que não chega a ser confusa porque não reconheço nada neles. Nem mesmo revendo velhas memórias… Como se o azul estivesse vazio.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 20:50

O pôr do Sol

por Zilda Cardoso, em 14.04.15

 

DSC02255.JPG

 

Estou a instalar-me num cansaço enorme de que não sei se em algum tempo sairei. Ou quererei sair.

É tão confortável este dar-se à moleza, o obedecer à rotina, o não se deixar atrair pelas novidades! E também, já agora, o não beber água que não apetece, o não fazer o exercício que nos é recomendado, o não se abrir a ideias novas…

As ideias novas, então, requerem grande esforço para engendrar e colocar no mundo. Conceber e criar condições para que sirvam também aos outros.

Todo o processo de criação dá uma trabalheira tremenda. E as pessoas que se consideram na idade de descansar, que são tantas, gostam de repetir vezes sem conta as mesmas palavras, idênticos gestos, acções e expressões, não se fartam deles.

O pior vai ser, está a ser, quando jovens com espaço na cabeça para receberem as novidades enriquecedoras, passam a vida repetindo-se e repetindo o repetido, numa tautologia sem fim, como se fosse fundamental para a sua vida e a de alguém. Como se não estivessem neste mundo justamente para acrescentar qualquer coisa ao que existia anteriormente, como se não lhes tivesse sido ensinado a pensar por si. E como se não tivessem sonhos para e por realizar.

O pequenino de seis anos diz: “Não posso desistir, não é, avó?” Pois, não podes. Tens que te esforçar, não esperar que te façam as coisas nem que seja apertar os difíceis botões da camisa.

Foi o que lhe respondi, porém para mim pensei: às vezes, é melhor desistir. Quando insistir passa a ser irracional. Como sempre há que descobrir o limite a partir do qual é estúpido continuar.

Fiquei a pensar no “não desistir” do menino que, como é natural, leva estas recomendações muito a sério. E que, se continuar a levar a sério o que é sério, será um elemento tremendamente válido na governação futura do País ou seja do que for. Da sua própria vida, por exemplo.

Um dia destes, dizia-lhe eu, genuinamente impressionada com os seus conhecimentos: Tu sabes tudo! Ele replicou logo com o ar mais sério e reprovador deste mundo: “Eu não sei tudo, avó! Há muitas coisas que não sei, como… isto… aquilo… aqueloutro". Enumerou. E eu calculo bem o volume e o peso do que ele não sabe ainda porque, segundo as suas palavras, não teve tempo de aprender.

Esta foi a parte mais interessante da nossa conversa: a conclusão a que chegou de que tem muito para aprender. E está na disposição de assimilar, está a esforçar-se por o conseguir.

Ele nunca me pergunta coisas como “quantos anos tem a chuva?”, não faz perguntas insensatas. Quis saber por que estava já (a meio de uma brincadeira) a ficar noite.

Podia ter-lhe respondido de muitas maneiras, mas foi assim: é que o Sol está a chegar ao horizonte. Só falta um pedacinho, vês (dois ou três centímetros entre o polegar e o indicador), para atingir a água e mergulhar.

Ficou a pensar na lógica da minha resposta, talvez. Ele está a aprender a pensar.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 09:19

Alguém sabe responder...?

por Zilda Cardoso, em 09.04.15

“Quais são os seres que podem entrar na minha vida?”

Dizia ou citava E.P.C. sobre H.H. num Público de 2001. Retiro a frase do contexto e fico a reflectir sobre o que quererá dizer, o que pode querer dizer para mim.

Refere-se a que tipo de seres?

Neste momento, sinto que entrou na minha vida um ser estranho que é este chefe de mesa do Hotel, carrancudo e maldisposto. É nítido que é mais capaz de me dar um pontapé do que um sorriso. Não esteve nada de acordo com o que eu escolhi e eu não escolhi nada do que ele sugeriu.

E a menina sua colaboradora, igualmente sisuda, começou por me perguntar qual era o número do meu quarto antes de me indicar a mesa… Julguei não estar a ouvir bem…. Como… ? O número de pessoas? “Não, o número do quarto,” repetiu perante a minha admiração. Entrou o chefe e quase gritou: “Todo o lugar serve! Pode ser qualquer mesa!” E fuzilou-a com o olhar!

Os meus pedidos são sumários, de modo que os empregados do restaurante ficaram a odiar-me. Não quis pão nem água nem vinho, de cada vez, peço uma entrada ou uma sopa e mais nada. Eles nem olham para o meu lado, se puderem não olhar. Demoram o mais possível a servir-me a mim que tenho tempo e não me importo nada.

Estes seres podem entrar na minha vida, entraram, rio-me por eles.

Também entra o chá de hortelã-pimenta por outra via e razão. As folhas eram frescas do jardim, perfumadas e raras nestes lugares sofisticados, mas eu fiz questão de o tomar todos os dias, logo depois daqueles tempestuosos encontros na sala de jantar...

E entra sobretudo o enorme descontentamento do dia, nitidamente dia a mais, repetida a mesma maravilhosa paisagem dos anteriores - a imponência das montanhas e dos seus cultivos, as joias do rio serpenteante -, semelhantes flores, idênticos pássaros e cantares, gestos e atitudes incompreensíveis iguais, cada dia.

Eu não sei se Herberto Helder falava português ou que língua falava. Ele inventou a língua em que escrevia os seus poemas ou as línguas dependendo dos temas que escolhia. Admito que inventasse uma língua para cada tema.

Eu gostava de saber criar um idioma ou pelo menos uma linguagem para descrever esta vila de Pinhão, onde me situo neste momento, a mais desengraçada do País e o lugar mais visitado do Norte, na zona vinhateira do Douro, onde se localizam algumas das melhores quintas dedicadas à produção de vinho generoso.

Lembrei-me da Agustina, como muitas vezes, ao descrever o Pireu, em que fala do cheiro quente do lugar em que se mistura o alho, os cominhos e a pimenta, a azeitona curtida e o azeite com o óleo meio queimado dos motores dos carros que perpetuamente circulam, o odor do vinho, o do fumeiro e o do queijo da serra. E o do lixo das coisas velhas e irrecuperadas, das casas fechadas e abandonadas, dos passeios que não existem, do alegre artesanato que há-de haver… de qualquer coisa de dê vontade de guardar para além da paisagem deslumbrante, do vinho magnífico e dos azulejos da estação do caminho de ferro.

Não será possível construir aqui uma povoação apresentável, digna da beleza da paisagem em seu redor?

Só faço perguntas a que não sei responder. Alguém sabe?

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 21:08

Conciliação com o mundo

por Zilda Cardoso, em 05.04.15

Esta manhã, quando abri a porta do quarto, o intenso perfume do jasmim bateu-me em cheio no corpo, recuei.

Por um instante.

Tão doce, tão doce! Senti-me regalada, para que preciso de almoço matinal?

Era jasmim, mas também muitas outras plantas aromáticas numa harmonia delicada agradável ao olfato e também à vista. Porque elas estavam todas ali no pátio ajardinado e o resultado surpreendente seria difícil de copiar pela indústria.

Já tenho dito isto, tão mínima que sou perante o mundo e mesmo perante a grandeza destes montes nas margens do Douro... que importa a minha opinião… mas este sítio é talvez o único onde o homem, que procura furiosamente dominar a natureza não apenas por questão de sobrevivência mas para conseguir prosperar no seu negócio, talvez seja o único lugar onde, ao mesmo tempo, a embelezou.

As margens do Douro na zona vinhateira e noutras são impressionantes de beleza e fulgurância, de força sedutora e de capacidade de incendiar o pensamento de quem gosta de pensar e de falar do que pensa e observa. Para mim, são soberbos os montes, do cume à base enraizada no rio verde de luzimentos de esmeralda. E são mágicos: não sei o que escondem no seu íntimo.

Sabem, aqui ouço o canto dos pássaros e qualquer coisa que me parece um seu bater de asas, uma sinfonia contemporânea; ontem vi andorinhas negras e brilhantes entusiasmadas com os seus projectos, a correr por mim, atravessando o espaço loucamente, apressadas e determinadas; e patos todos masculinos correndo no rio a apanhar o pão, só pelo gozo, estavam recheados de pão.

Este Douro - o rio, o céu, o montes, as plantas, tudo está onde deve estar e eu vou agora mesmo ver se entendo o que diz o Heidegger sobre a origem da obra de arte, um ensaio publicado pelas Edições 70, informo mais tarde se chegar a alguma conclusão. De qualquer modo, o que ele deixa entender já na capa é “como devemos utilizar o que vemos como ponto de partida para uma reflexão sobre o sentido último da arte”.

Por mim, continuo a reflectir sobre esta paisagem e como é possível, então é possível, pôr de acordo o interesse do homem e o interesse da natureza mantendo a sua beleza essencial.

Onde me encontro, no momento, tenho um monte enorme em frente, um planalto com vários redondos de dimensões variadas de um lado e do outro, e o rio reverberante na base às curvas, divertido. É só ele, que reflecte as margens, o que me separa daquele planalto.

O meu olhar é uma ponte que ajuda a passar o rio em melhores condições, mais abrangente do que as pontes metálicas e de pedra. Fico preguiçosamente satisfeita por ser capaz, por mim própria, de passar sem dar um passo. É assim que vejo tudo isso do jardim deste lado, ao meu lado, estranhamente de palmeiras muito exóticas a ficar bem aqui porque só têm folhas no alto e me deixam mirar para lá. Talvez daqui eu possa ver o outro lado das coisas, como queria o Heidegger.

E eu, por hoje, apenas posso pensar que a imaginação assim usada é interesseira, ambiciosa e comercial e resulta esteticamente admirável. Ninguém poderá dizer que não fica fascinado com a grandeza do que parece querer tocar o céu: estes montes são sagrados.

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 20:25




Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Pesquisar

  Pesquisar no Blog



Arquivo

  1. 2022
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2021
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2020
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2019
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2018
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2017
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2016
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2015
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2014
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2013
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2012
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2011
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2010
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2009
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D
  183. 2008
  184. J
  185. F
  186. M
  187. A
  188. M
  189. J
  190. J
  191. A
  192. S
  193. O
  194. N
  195. D