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Em homenagem a HERBERTO HELDER

por Zilda Cardoso, em 27.03.15

Parte do poema com que finaliza o livro de Herberto Helder, edição Assírio & Alvim, 1979, Photomaton & Vox:

 (a morte própria)

 

                                                                           "… -  às vezes

o espelho é o meu próprio corpo,

a sua ferida: mas entre ilhas, sob

o que circula: espuma do ar, os cometas,

no sono sumptuoso

de animais

quase fixos, os rostos abertos aos raios dos nossos rostos,

aos nossos dedos que lhes chegam ao meio do coração –

porque tudo anda dentro de mim, e o mundo

se esgota

no teu movimento entre laços

de sangue, cabelos luzindo, as pedras

inclinadas para os teus lugares respiradores: a árvore

crescendo a cada paragem, com toda a tua inspiração

na minha morte, aqui, uma árvore

combustível

onde a fruta faísca: paraíso de espaços múltiplos

e velozes,

entranhado em mim como se eu fosse a árvore

e tu fosses um espelho que a árvore despedaçasse pela sua força

e no espelho eu, como uma imagem, fosse despedaçado,

brilhando".

 

 

 

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publicado às 15:00

REFLECTIR SOBRE PRIORIDADES

por Zilda Cardoso, em 20.03.15

 

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No passado dia 10 de Março, aconteceu um congresso na Casa da Música no Porto, organizado pela Fundação OQDVI , “O Que De Verdade Importa”.

O auditório principal estava repleto de jovens que ouviram durante horas, muito atentos, três testemunhos impressionantes e inspiradores: o de Bento do Amaral, o de Lúcia Lantero e o de João Semedo, além da música com que abriu a reunião, muito especial e interessante, e das explicações dos organizadores.

Acho que toda a gente do Porto conhece Bento Amaral, um dos seus modernos heróis. Tetraplégico aos 25 anos num acidente desportivo no mar, conseguiu superar todas as dificuldades, casou e terminou o seu curso de Engenharia Alimentar, e volveu professor, enólogo e campeão mundial desportivo na modalidade vela.

Lúcia Lantero, de Santander esteve como voluntária no Haiti e, em consequência, decidiu fundar uma ONG para oferecer alimentação, educação, protecção e ajuda psicológica a crianças órfãs ou abandonadas pela família extremamente pobre e que tentam sobreviver nas ruas. Vive agora no Haiti com marido e filho, inteiramente entregue a esta causa.

João Semedo criança de rua, dependente de drogas, esteve preso 10 anos, mas um dia decidiu mudar de vida e graças ao seu esforço e ao respeito pelos valores que a sua mãe lhe transmitiu, conseguiu esse extraordinário feito. Hoje é treinador de futsal com 25 jovens a seu cargo e motivador social, tem mulher e filhos e é um homem realizado, outro herói.

A Fundação O Que de Verdade Importa foi fundada em Espanha por Maria Franco, há 8 anos.

Os congressos que organiza, disse-se, têm como objectivo divulgar valores éticos e morais. Promove “actividades educativas e formativas destinadas a jovens em contexto empresarial, e também acções de voluntariado, local e internacional”.

Através da partilha de histórias pessoais que são experiências realizadas, os congressos mostram que é possível com optimismo, e generosidade, força de vontade, respeito e solidariedade ultrapassar as maiores dificuldades e conseguir realizações pessoais essenciais.

O Congresso conseguiu também que reflectíssemos sobre prioridades, sobre os valores que na verdade importam.

 

 

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publicado às 14:59

O culto da violência

por Zilda Cardoso, em 14.03.15

Karl Popper escreveu um ensaio - A responsabilidade moral do cientista - , apresentado numa sessão especial no Congresso Internacional de Filosofia realizado em Viena em 1968. Dele retiro um mínimo trecho que podia ter sido escrito hoje com uma alteração, uma palavra apenas.

“Evitar a guerra é hoje, diria que por consenso geral, o problema dominante da política pública. Não existem dúvidas na minha mente de que todos nós, quer sejamos cientistas, académicos, cidadãos ou meros seres humanos, deveríamos fazer tudo ao nosso alcance para ajudar a acabar com a guerra. Faz parte deste esforço o nosso dever de tornar o significado da guerra claro para toda a gente, não apenas em termos de morte e destruição, mas também em termos de degradação moral.

Neste contexto, deve afirmar-se claramente que um dos aspectos mais perturbadores dos acontecimentos recentes é o culto da violência. Todos sabemos que um dos aspectos mais hediondos da nossa indústria de entretenimento é a propaganda constante da violência, desde os westerns alegadamente inofensivos e as histórias policiais até às demonstrações de crueldade pura e simples. É trágico verificar que esta propaganda surtiu os seus efeitos até em artistas e cientistas genuínos e, infelizmente, também nos nossos alunos (como o demonstra o culto da violência revolucionária).

É todavia convicção minha de que nem a primeira nem a segunda guerra mundial nem a corrente tragédia do Vietname se podem explicar em termos de agressividade humana. Pelo menos nos dias de hoje, o perigo principal da guerra vem da necessidade de resistir à agressão e do medo da agressão. Estes factores combinados com a confusão mental e a falta de flexibilidade intelectual, e talvez com a megalomania tendem a tornar-se as principais fontes de perigo em presença dos enormes meios de destruição que se encontram ao nosso dispor.”

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publicado às 13:43

SURPRESA

por Zilda Cardoso, em 09.03.15

Hoje o dia começou para mim com uma surpresa inteira, desconcertante. Quando, como é hábito, me aproximei da janela, apurei que não existia nada do que vejo habitualmente no exterior a esta hora da manhã.

Nada.

A um centímetro do vidro, tinham pendurado uma cortina espessa, cinzenta e com bom cair.

Fiquei logo a pensar com quem ia protestar, contra quem, pois não via que houvesse o direito de qualquer um me tapar o mundo. E claro, veio-me tudo à ideia, tipo “estamos a viver em democracia”, “tenho o direito de olhar e ver, e de exigir, e de protestar…” Tudo direitos que me assistem. E também me assiste, parece, o direito de ultrajar os que poderiam ser responsáveis por me retirarem aquilo a que julgo ter direito.

Meu Deus, que nomes eu posso chamar-lhes, que nomes… que me tinham ensinado a não usar, nem sequer a deixar permanecer no arquivo da minha memória. Que fabulosa vantagem eu tenho, agora que vivo numa sociedade democrática: tenho a liberdade de chamar nomes “feios”, vis e desengonçados a todo o mundo. Nomes que magoam como facas, títulos que são instrumentos de tortura.

Tenho o direito de me indignar, de gesticular de forma mais ou menos patética, de prestar uma atenção impiedosa e crítica aos mínimos gestos dos outros, sobretudo dos que me governam, e até de fazer com volúpia discursos entediantes e palavrosos sobre as suas atitudes não encapuçadas.

Ah, essa energia contagiante de palavras!

E enquanto pensava a quem me havia de dirigir para exercer os meus direitos, a que tinha direito, o véu cinzento que tinha visto bem cedo quase encostado à minha janela foi-se clareando e afinando. Talvez fosse apenas uma simulação ou dissimulação ou um pó cinzento de origem duvidosa…

Saí para observar. Nos primeiros momentos e passos, não enxergava sequer a Ponte da Arrábida, não estava lá, seguramente. Nem o rio, claro. Nem outras coisas que aprecio: a passarada, os pequenos barcos, as copas das árvores, os fios luminosos, os ecos indecisos…

Porém, quando voltei, um tanto ou quanto desiludida, reparei num começo de arco supostamente da minha ponte preferida e vizinha, o começo do arco do lado da cidade, não o arco completo.

E, por alguma razão, comecei a tranquilizar-me. Afinal, havia o chão que eu pisava e o invisível ar que respirava. Eram braçados de indícios?

Talvez tudo não fosse tão cruel assim, possivelmente o dia não vai ser ruim como julgara.

Quiçá as coisas boas regressem com luz e musicalidade, mais soltas. Pelo menos, o sol.

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publicado às 13:44

Ruminações

por Zilda Cardoso, em 07.03.15

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"O pensamento sério é uma ocorrência rara." George Steiner

Há tantos dias por aí… à espera de serem vividos! E ficam sem sentido e sem jeito… por aí. Tantos, tantos… Não centenas… biliões.

E há os que já foram vividos. Nós escolhemos alguns destes e tornámo-los especiais. Em geral, comemorativos de qualquer coisa, boa ou má. Festejamo-los, passados.

E sonhamos ou inventamos outros para o futuro… direi que quase os vivemos também.

Por vezes, não estamos felizes com os que festejamos, de algum modo; viramo-nos contra eles, os passados que escolhemos, como se fossem culpados de não serem desejados, de não terem sido como os desejávamos. Não são bem-vindos, porque ainda sofremos com a sua recordação, são dias abomináveis.

Quanto aos sonhados futuros, há possivelmente uma esperança.

No entanto, tudo é connosco, não com eles. A felicidade dos dias é connosco. A infelicidade, também, claro.

Nós, é que teremos feito asneira ou qualquer coisa benfeita, quem sabe, eles mantêm-se inflexíveis, deslizam ao sol e à chuva, ao vento e à neve, ao calor e ao frio, atravessam tempestades e calmarias. Não têm nada a ver com os nossos problemas e gostos, nada, nada. Rien de rien, como diz a outra e o outro.

Por que só pensamos neles? Nos que passaram, nos que irão passar.

Ah, os dias!...

Os dias que vamos contando e que se esgotarão, talvez. E que não conhecemos de lado nenhum, que não chegamos a entender. Passam cada vez mais depressa, devemos gozá-los, é verdade. Como…?

Como não estamos sós, ninguém está só, talvez tenhamos de os fruir, de os saborear nós, sozinhos uns com os outros, friendly.

Nesta ordem de ideias, apenas posso pensar: sejamos amigos uns dos outros, talvez as coisas melhorem, os dias se aperfeiçoem e nós com eles, a nossa disposição com eles. A nossa vida.

Que acham?

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publicado às 17:05




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