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"animalescos"

por Zilda Cardoso, em 28.12.14

Sou grande admiradora da escrita contemporânea de Maria Gabriela Llansol, de Clarice Lispector e de Gonçalo M. Tavares, certamente, qualquer deles merecedor de prémio Nobel.

Andei a ler sem desmedido entusiasmo alguns livros de G.M.T. até que encontrei a sua Viagem à India. Aí, rendi-me totalmente: ele é um génio. E durante muito tempo essa obra me desafiou a pensar e a imaginar e isto é o melhor que sei dizer de qualquer texto.

G.M.T. apesar da sua juventude tem uma vasta obra publicada e… poderei dizer que aparentemente os seus textos são cada vez mais loucos? Ou mais estranhos e originais? Ou mostram cada vez melhor, como se escreve no The New Yorker, “os modos como a lógica pode servir eficazmente tanto a loucura como a razão.”

Lembro-me de ouvir “ele escreve bem… com clareza” a propósito de um outro autor. E apeteceu-me dizer que há muito diversos tipos de escrita mas fundamentalmente podem considerar-se e dividir-se os textos em informativos, os que usam linguagem denotativa, e se destinam a informar como os ensaios e os comuns artigos de jornal. Estes só podem e devem ser claros para que se entendam e de facto informem.

E há os textos literários, linguagem conotativa, que têm a mesma função de qualquer obra de arte. Utilizam a imaginação e a fantasia, e a erudição ou simples conhecimentos e experiências de vida. No caso de G.M.T… acho tocante a forma como acontecimentos insólitos e aparentemente cândidos, acriançados são relatados como se fossem reais e verdadeiros, sem qualquer sombra de dúvida. E deixam-nos a pensar... que é uma coisa trabalhosa mas que parece valer a pena.

Vou transcrever um capítulo do livro animalescos, editado em 2013 pela Relógio d’Agua.

“aproveitemos os animais sim, a forma ingénua como são seduzidos, aproveitemos a excitação animalesca para trabalhar o mundo, consertar o que está mal, os ferros, os pregos, a falta de buracos no chão, a falta de buracos no vasto mundo que nos impede de espreitar através do escuro por exemplo e ver o outro lado onde as coisas realmente importantes festejam e se embebedam, estamos no mundo para crescer como as plantas, qualquer uma cresce, e para sermos animais como qualquer animal, não estamos aqui para ser homens senão quando discutimos, quando o pé do outro nos pisa e essa pisadela vem com um discurso – a forma como este animal inteligente argumenta tudo, esqueceu o combate directo; dispara sobre o outro, maltrata o outro como o outro te maltratou, tudo está equilibrado ou à procura ou à espera; há os preguiçosos e há os de boa vontade, boa coragem e músculos que assumem que a força não é uma coisa que vem, mas uma coisa que se faz; como artesanato”.

 

 

 

 

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publicado às 12:01

Gosto de pessoas inquietantes: o riso de Agustina

por Zilda Cardoso, em 18.12.14

“Segui pela rua do Campo Alegre, passei perto do Gólgota, lembrei-me da frescura de linguagem do último livro de Agustina Bessa-Luís com ilustrações de Mónica Baldaque. É o Colar de Flores Bravias, tem um aspecto invulgar, uma dimensão que favorece as imagens e uma linguagem de adolescente muito crescida e sábia.

Linguagem de adolescente… Agustina?

“Nasci adulta…” É um escrito da juventude (o que parece tão original nela que julgávamos não ter tido juventude) e conta

“recordações daquelas férias que eram como um colar de flores bravias, recordações que murchavam como as flores do colar”. Mas delas ainda ficava o “perfume seco das coisas sem fim a que a gente chama saudade”.

Vale a pena ler e ver este colar de flores bravias que se converte em tocantes cores bravias nas páginas centrais do livro.

Adoro recordações de infância, férias no campo e flores e cores silvestres. E respeito e reverencio os pensamentos de Agustina. Está ali, naquele livro, o começo de quase tudo o que tem sido a sua vida e o seu pensamento de escritora”. (Pode ler mais, se quiser, no blogue O fio de Ariadne de 21/5/14).

Continuo a apreciar enormemente O Colar das Flores Silvestres, gosto de pensar que é esta a verdadeira Agustina, a Mulher. A que eu conheço há muitos anos e admiro. Aquela com quem estive em muito diversas ocasiões, com quem tive oportunidade de conversar sobre delicados e extremamente simples assuntos.

Sinto-me privilegiada por ter acontecido quando rodeada de muitas pessoas em ocasiões especiais, mas principalmente a sós, na minha casa ou na dela.

E os temas das nossas conversas eram os mais variados. Podíamos falar de características da sua escrita, ser ou não retórica, por exemplo, ou do médico que em Paris ela consultava e que me recomendou e eu consultei por minha vez por questões de ossos. Era a mesma personagem que via a Maria Helena Vieira da Silva e que me receitou exactamente o que me tinha prescrito o meu médico do Porto. Não encontrei nada de genial nem de novo nos médicos parisienses, fiquei bem com isso.

Podíamos falar da família e dos projectos inacabados ou mesmo dos ruinosos. E dos problemas pessoais de muita gente que os jornalistas adorariam conhecer, pormenores de muitos casos que estimariam divulgar como grandes furos, de importância para a carreira deles.

Falávamos de política, de monarquia, de religião. Do futuro e do presente.

E lembro-me de lhe ouvir que o que mais temia era vir a perder a memória… e das consequências previsíveis disso.

Sinto dor ao recordar estes detalhes, estas reminiscências porque… provavelmente foi o que na realidade aconteceu. E ninguém pode evitar…

Depois daquele texto feliz e doutros, possivelmente, sentiu em si talento, força e vontade de ser outra coisa, uma escritora profissional, com nome grande, referências importantes….

Estudou muito, leu, reflectiu com singular inteligência, trabalhou duramente, fez o necessário. Desafiando também. Transformou-se no que quis ser, construiu-se.

Não perdeu a sensibilidade, acrescentou sabedoria e ciência. E algum mistério, talvez, nos seus modos, nos seus pensamentos.

É uma mulher sábia e perturbadora. Fala-se muito do seu riso intraduzível e difícil de classificar. Para mim, é um riso inquietante. É isso que ele é: inquietante; e ela escritora de renome, com uma obra luminosa e universal, fascinante e imensa que merece ser conhecida e lida em todas as línguas do mundo.

 

 

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publicado às 16:15

Tenho mais que fazer...

por Zilda Cardoso, em 15.12.14

Tenho mais que fazer do que aturar

a falta de loucura dos outros”,

apareceu no Facebook, há dias. É uma frase admirável que ficou a ecoar em mim, a recordar-me acontecimentos, palavras que ouvi, que li… Uma realidade a dar-me razão.

E fiquei a dar-me razão.

Em quê? Antes de mais, pôs-se para mim, ainda uma vez, a problema dos limites. A este propósito, devo interrogar-me se vale a pena ir ao fundo das questões. E, como sempre, concluo que vale. Por isso, tenho estado a tentar compreender o que ali – naquela frase - se diz para além da disposição evidente, do humor.

Procuro perceber, mesmo calculando que não vou chegar onde gostaria, isto é, ao fundo fundo, à verdade.

Depois de experiências várias, reconheço que é necessário ser um pouco louco, não muito. Frases estúpidas, estas, porque são sem sentido. Temos apenas um problema, um único. É, como disse já, o dos limites que não posso evitar querer aprofundar.

Mas por que hei-de necessitar de alguma loucura para entender seja o que for? Ou para me comportar de maneira certa? Para chegar a conclusões equilibradas?!

Para já, significa que quando estudo com desejo de chegar a tal tipo de conclusões, desisti previamente de procurar conclusões verdadeiras.

É isso. Neste tempo, já somos tão inteligentes que sabemos não querer mais encontrar conclusões verdadeiras. O que representa um grande avanço em relação a qualquer pensador dos séculos anteriores que baseava a sua reflexão nas conclusões rigorosas dos cientistas desejosos da verdade e convencidos de que com incomplacência a encontrariam.

Então a ciência já não procura a verdade, mesmo a antiga Ciência (é melhor escrever com maiúscula) que era a física matemática, a única que parecia poder dar respostas/verdades.

Portanto, a questão de fundo quanto a conhecimento, a sabedoria, a ciência, parece ser encontrar as fronteiras com que se deve contar para chegar a conclusões equilibradas. Até onde posso ser louca, até que ponto posso ser ajuizada, sem prejudicar, sem destruir, sem fazer mal, sem me desviar do caminho da verdade… provisória?

Pois, verdade provisória. Junto argumentos num sentido, junto argumentos no outro, rejeito todos depois de pensar arduamente: o equilíbrio tal como a verdade, está num fundo obscuro e mesmo tenebroso que se vai afastando à medida que me aproximo do conhecimento que procuro no meio que me rodeia. Ou no mundo onde estou, que também sou.

Então, é assim: verdade definitiva, não, nem pensar; verdade provisória? Difícil. Verdade equilibrada?

Aí, lembrei-me da biologia. Pensei que talvez devesse estudar aquilo de que não sei nada, rien de rien. O que me confunde. Acima de tudo por saber que é a ciência que se mantém numa espécie de estrelato cintilante, há uma porção de anos. E que levou ao nascimento de muitas novas disciplinas, por confluências e encruzilhadas. Uma ciência em fabuloso progresso.

É certo ter provocado uma revolução científica e é fácil ver que influencia a maneira de ver o mundo de cada um de nós e da sociedade em geral: a filosofia, a literatura, o cinema, a música, seja, a maneira de nos expressarmos e a forma da sociedade se organizar… Parece que tudo depende de uma ciência humana. Não de uma Ciência propriamente dita.

Gostava de saber falar disto. Mesmo sem a conhecer bem nem próximo disso, já modificou a minha maneira de pensar e de escrever. Porém, receio… não sei em que termos… fico incerta quanto ao que posso entender de um objecto que não para (pára) de se modificar, sendo que eu, que a observo e estudo, também estou permanentemente em desenvolvimento. Como tudo o que me rodeia. E em interacção com… vamos ver… entendi que somos formados por cerca de um milhão (?) de genes que interagem entre si e com o meio ambiente. Se cada gene for uma instrução, haverá um número imenso de combinações possíveis. E se possuímos um cérebro com oitenta e seis biliões de neurónios (diz-se na internet), e dez mil conexões, complexo, enorme, pesado, a nossa capacidade de entender a vida e o mundo parecia dever ser grande.

O que vislumbrei de biologia e de genética, leva-me a pensar com Waddington e Steiner, no que deve ser entendido como característica dos seres vivos.

Que importa procurar a verdade definitiva ou a verdade provisória? A verdade não é atingível. Porque o que é característico dos seres vivos é uma “estabilidade dinâmica”, através de um “processo de transformação estável”. Há a mutação aleatória e a adaptação evolutiva, mas o mais importante será renovar as reservas de variação já existentes na população. Não é fácil entrar nisto: “reservas de variação!”.

E, quanto a mim, nem sequer haverá interesse em atingir um equilíbrio entre loucura e falta de loucura, um equilíbrio estável. Atingir um estado de equilíbrio não é próprio dos seres vivos, do homem. Os seres vivos continuarão a evoluir, vamos continuar a evoluir porque é isso viver. Só precisamos de estímulo e de “stress”.

 

 

                                                     

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publicado às 19:15




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