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Fomos hoje perto de Afife, Viana do Castelo, em busca de ondas.
Montavam no areal, na praia da Arda, um palco para o festival de surf. Muitas coisas vão acontecer por aqui – é o dia internacional do surf em 21 e é necessário comemorar dignamente. Com música, suponho.
O mar estava liso e airoso quando chegamos, mas, com a maré a baixar, uma hipótese de onda começou a formar-se. E os rapazes e as raparigas surfistas que aguardavam na praia entusiasmaram-se logo e entraram e foram por ali, a sós com a tábua (prancha, gritam-me do lado de lá) e a sua energia e o imenso desejo de ver para além, de ir mais longe, para onde talvez seja melhor. Para onde talvez o mundo seja melhor.
Fiquei olhando.
O sol ainda alto e brilhante, começava a descer e a pratear-se na água.
Um bom pintor faria uma aguarela maravilhosa desta cena. E nem precisava de ser tão bom nem de usar muito a imaginação! Tudo estava ao seu dispor. E ao nosso.
Estendo-me na areia liberta das maldades do sol pela sombra de um improvisado guarda. Fico tentando pensar, rodeada de mar e de dunas, sob o céu de várias belas tonalidades (incluindo índigo) que mudam sem descanso e se transformam com novas pinceladas e permanentes velaturas.
Fico quieta, de olhos cerrados: não quero estilhaçar nada.
O mar enrola sobre si desenrolando-se na areia com espuma muito branca, oiço o seu leve ruído cadenciado; uma pena de pombo jovem rola ao sabor do vento que sopra a espaços: é mais um murmúrio e a levíssima pena foge como se receasse uma violência.
Encontro uma concha minúscula e luzente, perfeitamente irregular que fica sendo o único vestígio material com que fico destas horas de Afife-sur-Mer nas vésperas de um festival de surf e de música.
O que evitará que me perca nesta harmonia de azuis e de verdes, de roxos, brancos e cinzentos. Nesta encantadora luz velada, de claríssimos roxos que continuam no horizonte estranhamente!
Voltarei a este lugar para notar as diferenças. Com um sorriso prevenido.
Van Gogh ter-se-ia apaixonado pelo Minho se tivesse tido notícia destes lugares, se os tivesse visitado. Não tenho dúvida: teria ficado por cá, rendido.
E então talvez pudéssemos ver agora os seus campos de trigo não loucos nem secos e retorcidos, mas macios e húmidos, sem corvos e sem curvas, suaves, quase amorosos.
Estou em frente a um campo chão, grandíssimo, liso, em Moledo do Minho Aldeia, ao nível da estrada interior. Ninguém o semeou, mas hastes louras e altas que semelham trigo ondulam nele com brandura quando um vento vem e a sua pequena música as faz vibrar.
Apenas uma estreita faixa de milho de belo colorido, saudável e fresco, atravessa o chão alagadiço, o resto é essa erva alta e já seca de que colho alguns caules para as minhas jarras de Inverno.
Em tempos, ouvia chamar a este sítio, o paul, um lugar fértil e verde, fácil de trabalhar, um milheiral pertença de muitos e deveras estimado pela população que agora o abandona. O milho era para os animais que davam leite e que já não vivem por aqui.
Sento-me no banco de pedra, tendo a meu lado as hastes cortadas, louras e espigadas e fico por um tempo a reflectir, com um sol dardejante de Junho a dar-me de forma muito inconveniente.
Mas não resisto, fico: tento perceber a linguagem destes lugares; há anos que tento. Apenas sei os cheiros e recordo o brilho da água que não corre. As cores são esbatidas e não agradam a qualquer, e eu mesma teria preferido ver por entre os caules dourados papoilas e papoulas carmesim.
Alguém um dia descobrirá o segredo do seu permanente encanto. Porque ele continua aqui, quero dizer, em Moledo Aldeia e Praia, à mistura com a minha leve nostalgia.
E assim me vou finalmente com um sorriso que nem eu sei definir.
"Entre uma multidão que se interpela, que se exprime afanosamente, que se chama à distância, que se abre em aberrantes votos de confiança, que se oferece, que se interessa, que arma pavilhões e convida amigos e desperta vizinhos, encontrar alguém que está calado e permite que façamos a seu respeito suposições erradas e fantásticas - isso é como descobrir a pedra filosofal.
Para o diabo o mundo elástico das boas intenções, as campaínhas no pescoço do belo senso; para o diabo os sindicatos da simpatia. o quase entendimento, a meia-verdade, o saltinho sobre o ombro da minúscula razoabilidade! Fechem as máquinas de falar, desandem os botões da verbosidade, façam má cara aos visitantes, despeçam os oradores oficiais, cancelem o contrato dos conferencistas. Silêncio, silêncio...
Escondam o rosto um momento, desçam as cortinas, preguem as janelas, chorem se quiserem, mas silêncio!
Dai tempo a ouvir um anjo que passa, uma cigarra que canta, uma pedra que rola, uma flor que morre. Também isto é sério, também isto é justo, também isto é revelação, e caridade, e inteligência.
Dai tempo a vós próprios que sois vivos e que o pudeis saber. E silêncio".
Falta um minuto para o comboio partir e eu na fila da bilheteira… e posso nem sequer arranjar bilhetes… e posso ter que permanecer naquele desconforto de estação até à partida seguinte… e posso… Massacrava-me.
No guichet, a empregada manteve-se perfeitamente indiferente e lenta de gestos e de expressão sem querer dar conta do meu ferver.
Mas, pronto. Vi-me com o bilhete na mão e corri para o comboio que chegou antes da hora marcada (acho que foi dois minutos antes da hora marcada, não juro!)
Tive a culpa, quis vir pela marginal porque o percurso era mais bonito. Quem arrisca a perder o comboio para vir por um caminho mais bonito?! Há obras no túnel antes da ponte e o trânsito demora o dobro, mas continuo a apreciar vir pela beira-rio para Gaia, para as Devesas. Aposto que repetirei na próxima oportunidade.
Depois de entrar numa carruagem qualquer que visivelmente não era a minha, de ter caminhado um espaço infinito a puxar a mala até ao lugar que me foi atribuído, sentei-me junto duma senhora monumental e consegui tirar do meu mínimo saco um lápis e um bloco notas.
E, apertadinha, anotei o seguinte, dois pontos.
Várias coisas aconteceram antes de terem começado a acontecer os acontecimentos daquele dia peculiar. Por exemplo: Alguém na estação, quando estava na aflição de obter o bilhete ou…, naquela dúvida, alguém muito amável me perguntou se eu era eu. Sim, disse eu. Sou eu. Mas por quê?
Então olhei para um pouco mais longe e vi uma senhora que muito bem conhecia do Facebook. E compreendi.
Mas que prazer!
E eu com aquela pressa, o comboio já estava na gare … Apenas pude acrescentar: tenho que apanhar aquele comboio, desculpe.
E apanhei-o já a sair para os jacarandás.
Fiquei contente antes de começar a reflectir.
Como pude estar na frente desta Amiga sem lhe agradecer as atenções e amabilidades com que me tem mimoseado?
Que pressa foi esta?!
Nunca nos tínhamos encontrado fora destas lides bloguianas e facebookianas e acho que inauguramos um novo conceito concreto de amizade.
Interesso-me mesmo pelo que se passa com a minha amiga e acharia muito natural que me chamasse às 3 da manhã para falarmos do assunto urgente que a preocupa. E ficaria mesmo lisonjeada.
Sinto a falta de notícias suas quando as não há e alegro-me quando está feliz. As máquinas humanizam-se a olhos vistos, porque permitem e promovem estes encontros entre humanos. Os seres humanos mecanizam-se. E sentimo-nos. Estamos a encontrar-nos uns e outros, humanos e máquinas.
Então, noutro registo, conheci a minha amiga virtual/real e a sua jovem simpática filha. Lamento não ter tido com elas uma conversa sossegada. Digo que difícil foi para mim não ter cavaqueado um pouco, sabido coisas, interessando-me.
Não é necessário conhecer uma pessoa de todos os ângulos para se ser amiga dela. Talvez seja o contrário. Há uma relação amistosa entre nós, gente do FB e, creiam-me, nunca sinto a menor vontade de quebrar esse laço.
Estas palavras foram registadas no meu coração de modo e antes de lhe serem enviadas com verdade. Interrogo-me agora: Onde ficou o nosso abraço Graça Matias Guedes?
Sentirei para sempre a falta dele.
Gostei da casa, uma mansão genovesa de cores ocre e turquesa, e dos arredores – as ruinas romanas e as do Monastère numa paisagem de sol brilhante e céu azul, de buganvílias vermelhas e de belas árvores. Digo-lhe que nunca tinha observado um céu daquele azul claro tão turquesa com vagas nuvens rosa-chá muito bem desenhadas. Foi no sábado passado na Provence, onde fui em grupo “buscar” as obras dos artistas modernos que aí viveram e trabalharam.
A paisagem é arte efémera embora natural e ninguém a pode expor ainda que temporariamente num museu. Por isso, olhei e olhei até me cansar: nada daquilo iria repetir-se algum dia e eu devia aproveitar. E ficaria saudosa quand même.
Zangada com a minha máquina fotográfica, procurei guardar na memória, o mais nitidamente possível…
A mansão era o Museu Matisse e percorri a casa e bebi as obras fluidas, saborosas, refrescantes. Ouvi a sua música tranquila, senti-a como uma nova maneira de beleza, e o sortilégio da cor da pintura como uma felicidade ao meu dispor.
Ele fala de expressão, as suas obras são expressivas no sentido de que a colocação das figuras e qualquer dos objectos, os espaços vazios e as proporções representam um papel. E há o ornamento de superfície integrado no plano do quadro, todo este equilíbrio que se tornou o ponto principal da composição.
Matisse parece ter gosto em me oferecer arte como visão do mundo. E eu agradeço-lhe porque a sua visão é feliz e me dá prazer olhar as obras. Não creio que sejam superficiais, são formas de simplicidade muito trabalhada em que as qualidades essenciais não foram destruídas. Adoro as figuras femininas, guache azul sobre papel, cortadas e coladas em tela e a Dança II que vi no Ermitage em S. Petersburgo há muitos anos.
Neste Museu há desenhos, gravuras, livros ilustrados, fotografias, esculturas, objectos pessoais, excelentes tapeçarias, cerâmicas, vitrais.
Imagino ver agora as personagens dos seus quadros dançando ao ar livre com música apropriada, a meu gosto, tranquila.
E sugiro: conceba as personagens livres, distorcidas, ousadas, vermelhas da Dança II movimentando-se com força tranquila no céu de Nice numa tarde de Junho. Ou noutro lugar qualquer.
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