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Texto com vozes de A.L.A.

por Zilda Cardoso, em 30.11.13

Pela manhã, já lá está aquele ruído tremendo a impedir-me de escutar os meus pensamentos.

Olho pela janela: tudo é branco e azul, se bem que ainda haja lâmpadas acesas no escuro. Mas já não há escuro, distingo branco e azul e verde e cor de tijolo.

Vou à varanda cortar a erva-príncipe para o chá verde e perfumado e volto à cozinha. O ruído. O problema é que só um silêncio de boa qualidade me serve os pensamentos desta manhã… que quero profundos.

Daí a cinco minutos, tomo o chá.

O sol começa a brilhar nas traseiras daquela casa que enfrenta o mar. Não faço caso da casa, as árvores verdes vermelhas acastanhadas em redor, recortam-se no céu, sobem acima da morada, do mar e do horizonte. Não fico indiferente a todo esse reluzente espectáculo.

Penso que é o instante de o dia começar a nascer. Vejo numerosos barcos de dimensões e formas muito diversas, conto trinta quando a manhã ainda está repleta de silêncio excepto pelo ruído repercutido na minha cabeça. É um ruido que faz borrões no ar, é mole e acastanhado, fastidioso, obstinado.

Nunca vejo ninguém naqueles barcos, (tento esquecer…), que saem do porto e vão e nunca regressam, voltam-me as costas ou a ré, proa para outro lado, decididamente, nunca vêm para mim. É uma falha minha ou estão desertos, os barcos, e sozinhos, cada um.

 

 

Eu gostava de um dia ver um daqueles barcos dirigir-se para a minha varanda, desembarcarem pessoas que eu receberia e convidaria a sentarem-se nas cadeiras de verga para um dos meus chás, podia ser o de hortelã fresca.

Gostaria muito que aceitassem o chá e talvez também umas bolachas de alfarroba e amêndoa. Conversaríamos acerca do mar, do céu e das nuvens encaracoladas, da praia, das conchas e da passarada que se junta ali a conferenciar ou em comício, todos voltados para leste, e deixam marcada a areia grossa e húmida de forma misteriosa. Para que um perito em pegadas e vestígios analise com tempo.

  

 

 

 

 

Eles diriam de como é na sua terra, eu diria de como é na minha.

 

 

E ficaríamos por ali a ver o sol avermelhar no poente e talvez especulássemos sobre gaivotas decididas e patos bravos que voam para sul ao fim do dia.

De que mais falaríamos?

 

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publicado às 15:57

Aqueles que andam por aí

por Zilda Cardoso, em 29.11.13

 

Um aniversário em silêncio

 

"As pessoas não morrem: andam por aí. Quantas vezes as sinto à minha volta, não apenas a presença. O cheiro, a cumplicidade silenciosa, palavras que saem da minha boca e me não pertencem, penso

- Não fui eu quem disse isto

E realmente não fui eu quem disse isto, foram as pessoas mortas, exprimem opiniões diferentes das minhas, aproximam-se. Afastam-se, vão-se embora, regressam, não me abandonam nunca. Em que parte da casa moram, qual o lugar onde dormem, devíamos deixar pratos a mais na mesa, talheres, copos, almoço que chegasse, os guardanapos nas argolas, um lugar no sofá, metade do jornal, dado que não se sumiram: andam por aí, invisíveis

(invisíveis?)

densas de humanidade, tão próximas. Umas alturas muitas, outras uma ou duas apenas por terem que fazer noutro lado, no caso de saírem não vale a pena preocuparmo-nos: têm a chave e a prova que têm a chave está em que entram, silenciosas, amigas, penduram os casacos no bengaleiro, sorriem.”

 

Trecho de uma crónica de António Lobo Antunes in "Quinto livro de crónicas"

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publicado às 13:55

A propósito de um comentário

por Zilda Cardoso, em 28.11.13

O que é a Política?

por Zilda Cardoso, em 09.11.09

 

Que pergunta!!
A política organiza as relações entre os homens - até aqui todos de acordo. Não lhe interessa o homem como às outras ciências humanas, mas a comunidade dos homens.
Segundo Hannah Arendt, não há nada de político no homem, na sua essência. A política não nasce com o homem, nasce com a comunidade.
E porque os homens que vivem em comunidade são muito diferentes uns dos outros e a política tem de cuidar das relações entre eles (repito), a tarefa dos políticos não é fácil. A política, pelo menos em democracia, deve tratar como iguais seres que dificilmente se assemelham.
Vejam as contradições: a política tem de elaborar e instituir as relações entre os homens esquecendo que são diferentes ou, se quiserem, considerá-los iguais, sabendo que são diferentes.
De que modo pode ser assegurado que indivíduos tão desiguais beneficiem dos mesmos direitos? Porém, isto tem que ser garantido num regime democrático. Ou falaremos de “igualdade relativa” e de “diversidade relativa” (Arendt)? E em que aspectos são os indivíduos diferentes? E em que aspectos são iguais?
Trinta e cinco anos de moderna democracia permitem-nos pensar que gostamos de viver neste regime cheio de defeitos.
Gozamos um espaço de liberdade que é próprio desta actividade política: temos liberdade de expressão e demagogia, delírio consumista e desmoralização, sofistas por todo o lado. A desordem intelectual e a desordem social, instalam-se. E há alunos e seguidores de sofistas para quem a verdade e a justiça não contam. E há corrupção talvez porque a lei não tem carácter sagrado, é convenção e verdadeiramente não obriga. E o indivíduo…
Talvez devamos voltar a pensar no indivíduo e na necessidade de excelência moral e espiritual, na indispensabilidade de educação, de cultura, e na definição dos conceitos e princípios que o orientam, que nos devem orientar.
Como a todos, o porquê da corrupção imparável vem-me ao pensamento com frequência. Exaltamo-nos com tudo o que dizem e temos razões para nos sentirmos zangados.
Mas será que estão definidas fronteiras sobre o que é considerado corrupção e crime e o que não é crime? Será por esta razão que os processos nunca chegam ao fim... que não há conclusões... nem inocentes nem culpados...nem verdades nem mentiras?

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publicado às 17:13

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14 comentários

De Augusto Küttner de Magalhães a 09.11.2009 às 23:54

Por certo vivemos com algum falta de rumo e de referências, e com muito “ter antes de ser! Mas também vivemos focados em encontrar defeitos em mal-dizer, o que nos fecha a porta a ver o que de diferente e positivo distingue uma democracia de uma diatadura!

De Zilda Cardoso a 10.11.2009 às 13:09

Caro Augusto.
Estamos de acordo: gostamos de viver em democracia e em liberdade. E por isso temos o dever de lutar pela excelência do regime. É bom que pensemos de que forma o podemos melhorar, visto que lhe encontramos defeitos. Se deixarmos para os n/netos uma democracia melhor do que a que encontrámos ou melhor do que a que inventámos há alguns anos... que bom. Teremos cumprido o n/papel, ou o que julgamos ser o n/papel.
Veja o que aconteceu com o famoso muro de Berlim: de uma maneira geral, diria que todos se regozijaram com o acontecimento que foi o s/derrube. No entanto, ouvi de várias pessoas histórias muito diferentes. Por exemplo, alguém que, dizem os familiares, morreu de desgosto por causa da unificação. Ou como ontem na televisão, alguém assegurar que viveu na RDA, durante vários anos, com um pequeno ordenado mas com tudo o que precisava para viver bem.
Um abraço.

De Augusto Küttner de Magalhães a 10.11.2009 às 21:51

Cara Zilda

Estamos totalmente de acordo. Sabe que isto do Muro de Berlim, tem muito que se lhe diga.
Desde na altura a França e o Reino Unido terem ficado em pânico, dado que possivelmente estaria a aparecer “por bem” a Grande Alemanha.
Não foi, e ainda bem.
A Alemanha Ocidental ter tido que englobar uma Alemanha Oriental tremendamente atrasada. Bem como o que a Zilda refere:” alguém assegurar que viveu na RDA, durante vários anos, com um pequeno ordenado mas com tudo o que precisava para viver bem.”
Efeito evidente da economia planificada , mas totalmente retrograda.
Sendo que hoje, estamos com um desnorte por não haver o muro.......parece estúpido, mas é real, “aquilo” era certo – mau, mas estava ali.

Hoje é tudo bom, mas não se sabe de onde vai aparecer o “mal”.

Julgo, que temos que olhar cada vez mais para o hoje, evitando erros de ontem, mas sem estarmos sempre para ontem a olhar...e tentar encontar um futuro, mais sorridente....

Não é facil

Um abraço

Augusto

De Vitor Martins a 11.11.2009 às 10:12

EXACTO! Essa é a resposta.

Ao ler hoje o meu comentário abaixo, não gostei do que se pode inferir do mesmo ... !

Adoro todos os Ti Joaquins, os Ti Antónios e as Ti Marias, porque há uma crueza e uma sabedoria verdadeira que não tem comparação. Não os quero excluir de nada, obviamente! Aliás, que saudades tenho dos tempos de infância, em que bastava sair das urbes, para depararmos com um pais rural, simples e aconchegante! Tempos das 'botijas de água quente' que a Laurinda nos mostrou há dias, tempos do cheiro a fumeiro e das lareiras sempre a crepitar, tempos de dureza, mas de verdade!

Para aperfeiçoarmos o problema cultural, terá mesmo de se investir na educação, porque é preciso que isso se entranhe a sério. Eu acho que o N/ povo tem dificuldades em desabrochar, em evoluir! Não se percebe tanto vandalismo, tanta corrupção, tanta falta de civismo! Eu adoro parar antes das passadeiras e fora delas e permitir que os peões passem, ou então, facilitar a saida de uma viatura, faço-o por sistema, mas 'volta e meia' recebo umas buzinadelas, uns insultos, etc, etc. Uma vez ia tranquilamente em familia, a 90 Kms/hora e um individuo deu-se ao trabalho de se encostar ao N/ carro, abrir a janela e insultar-nos porque iamos a estorvar o transito!! Depois arrancou furiosamente e deu uma guinada à nossa frente....

As democracias têm algumas fragilidades, uma delas é cultural, a outra é a liberdade e a outra a ... tolerancia. Compare-se com o que se passa com o fundamentalismo islâmico, ou com a falta de liberdade que prolifera nos paises árabes, na China, na Coreia, etc.

Imaginem o que aconteceria a Saramago se tivesse dito o que disse, no contexto do Alcorão ?!!

Abraços,

De Augusto Küttner de Magalhães a 11.11.2009 às 16:36

Se Saramago tivesse dito do Corão o que disse da Bíblia tinha a cabeça a prémio. Sendo que me parece totalmente dispensável que o Saramago ou alguém, que não esteja suficientemente habilitado ou na hora própria, esteja a comentar a Bíblia, o Corão….

Tudo a seu tempo,,,,,e por quem o deve fazer…

Em e com plena liberdade e nunca libertinagem….

Não dá, não interessa, ou tem outros interesses.

Abraço

akm

De poetaporkedeusker a 10.11.2009 às 14:32

Olá, Zilda. Porque, de alguma forma, o que acabo de escrever no Mumbles me deixou, na boca, um travozinho desta mesmíssima questão sobre as nossas diferenças dentro da espécie, resolvi "voar" até aqui... o resto - pelo menos aquilo que, para mim, me pareceu tão pertinentemente adequado - foi obra dos tais Acasos...
Um abraço grande!

De Vitor Martins a 11.11.2009 às 00:22

Bom... na minha perspectiva a sua pergunta pode parecer simples mas não é! Esse dilema era discutido com frequência na faculdade de direito e até se dava como exemplo, um caso verídico americano de um julgamento em que um nativo matava um animal protegido para se alimentar!! Em cada disciplina via-se a coisa de uma forma diferente, em Dtº Criminal descíamos até às teses de Lombroso, as perspectivas endógenas e exógenas, etc, em Dtº Constitucional perdiamo-nos na lógica dos limites dos direitos de uns face à esfera dos outros, em Teoria Geral estudávamos a parte civil, enfim, em todas as áreas íamos desembocar na consciência social colectiva e nos ensinamentos filosóficos do bem e do mal, dos limites dos direitos e dos deveres, na verdade paliciana que só percebemos a justiça, quando somos injustiçados, etc, etc. Mas sabe cara Zilda, se entramos numa lógica como a do 'filósofo que com um badalo e uma lamparina vagueava pela noite à procura de um homem', arriscamo-nos a colocar tudo em causa, mesmo aquelas realidades bem enraizadas e que não têm alternativa! Por exemplo, a Democracia é o modelo politico social ideal, mas que valor tem o voto de uma simpática velhinha analfabeta e que não faz a mínima ideia do que é um programa de governo?! Outro exemplo, como enquadrar no regime democrático, o instituto do referendo?! Na verdade não existem referendos, o que existem são encenações para se obter uma resposta num determinado sentido! Depois de se conseguir a resposta que interessa, o assunto morre! Até lá vão-se repetindo os referendos!!!
Não sou monárquico, odeio regimes ditatoriais, mas confesso que começo a estar saturado da democracia e se eu disser que o meu voto deveria ter um peso diferente do voto do “Ti Antonio”, cairia o Carmo e a Trindade e seria apelidado de fascista, arrogante e presunçoso!

Neste momento sinto-me um pouco, nem sou água, nem sou vinho, é como a lógica da criação e da evolução, a teoria da evolução é manifestamente irrealista, mas a criação é mais irrealista ainda!! Em que devo ficar?!

Abraços,

PS: Pedi à Laurinda para lhe enviar o PDF do meu livro. Quando o receber confirme-me para o mail: hepaturix@net.novis.pt
Obrigado,

De cabecilha flipado e companhia a 11.11.2009 às 12:28

Começar por definir política e passar para a corrupção enferma de obliquidade estratégico-somática.
... o ser humano gosta de consumismo, demagogia, hipocrisia, cobardia, oportunismo e corrupção... serão defeitos do regime? Este tipo de desabafos leva a alternativas fascizantes... Pode-se desabafar... mas masss com cuidado ss ss ss :)

De Vitor Martins a 12.11.2009 às 14:05

O que é "obliquidade estratégico-somática"?

De Zilda Cardoso a 12.11.2009 às 18:07

Calculo que seja uma brincadeira. Cabecilha, Flipado e Companhia têm UM SENTIDO DE HUMOR pesado e por vezes difícil de entender, mas são pessoas inteligentes que muito prezo.

De Hyron Resende a 11.11.2009 às 20:11

Ex.ª Senhora Zilda Cardoso,

Venho, recentemente, acompanhando o seu blog, por causa desta nova abordagem, na temática da política.
Concordo e gosto das suas linhas de pensamento.
Contudo, como forma de curiosidade, e desde já peço-lhe desculpa pela minha ignorância, gostaria de saber referências (site, livros...) sobre Hannah Allende.
Desde já agradeço-lhe.

Com os melhores cumprimentos,
Hyron Resende.

De Zilda Cardoso a 12.11.2009 às 18:14

Naturalmente reparou que escrevi mal o nome daquela autora alemã tão extraordinariamente inteligente, formada em filosofia, teologia e filologia, e que ensinou filosofia e ciências políticas nas universidades mais prestigiadas dos Estados Unidos.
Peço desculpa pelo erro, por si apontado de forma tão subtil.

De Vitor Martins a 11.11.2009 às 21:17

Cara Zilda,

Queria fazer-lhe um convite, mas não queria fazê-lo sem antes lhe enviar o meu livro e permitir-lhe a sua leitura. Pedi à Laurinda para lho enviar.... Importa-se de mo dar para esse efeito.
Peço-lhe que utilize o hepaturix@net.novis.pt
Obrigado

De Karla Fidalgo a 27.11.2013 às 23:57

Olá, boa noite..
Vejo o quando a Sra. tens conhecimentos sobre está área, estou a fazer um trabalho para faculdade de direito sobre o mesmo. Gostaria de seu comentário, a respeito sobre a ética verso política, então o que me diz?
Grata desde já,
Abraços.

Karla Fidalgo.

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publicado às 08:36

"Não se deve pôr o coração debaixo de cada palavra"

por Zilda Cardoso, em 27.11.13

Nunca estive apaixonada pelos livros de António Lobo Antunes. Eram originais de mais e davam trabalho a ler e a entender. Que estúpida!

Reconhecia que era um escritor singular, merecedor de todo o reconhecimento internacional, digno do Prémio Nobel e de todos os prémios, difíceis ou impossíveis. Claro que o lia, mas…

Agora estou caidinha pelas suas magníficas crónicas, sou grande entusiasta delas.

É tão interessante o modo como escreve tão inesperado, surpreendente, comovente, tão subtil, tão BOM!

É tão confortável!

Gostava de escrever assim. Não assim, deste modo. Mas assim… de outro, de outro jeito.

Fecho o livro das crónicas e sorrio para o longe horizontal e nítido, azul e azul, observo as ondas que se desfazem e refazem a todo o momento, 

as árvores aqui, o vento que faz dançar as folhas vermelhas nos ramos do Outono...

 Penso nas crónicas.

Ele é tão cheio de referências subtis, de recordações de infância e de juventude, de solidão, de tristeza e de silêncio…

Sabe criar o ambiente que quer com pequenas palavras, semi-dispersas como peças quase soltas de uma organização complicada que eu agora destrinço com prazer. E reconheço. Construo um mundo que pode ou não ser o dele - o que ele quis construir. E dou-lhe um sentido, o meu.

Na verdade, a sua crónica é tão sem sentido como certo bailado clássico em pontas. Quero dizer, é expressiva, carregada de emoções, sem história a contar ou quase sem, muito técnica, ligada à arte e à música (de que raramente fala), admirável. Sugere uma atmosfera, talvez um argumento, um episódio solto, um guião, como se diz (acho uma graça!), como qualquer obra de arte, à sua maneira, e é o que eu vou tentar descobrir. Não com gestos e movimentos do corpo, não com palavras mais ou menos declamadas, não com toques nem com sopros em instrumentos musicais, não com pincel e tela e tinta, não com cinzel e pedra dura ou outro material qualquer como cola e recortes de papel, não com câmaras fotográficas, não... senão com palavras simples, claras e eficazes.

Palavras que são uma estratégia segura.

Permito-me distinguir uma crónica deste quinto livro de crónicas - "Ó pastorinha de vitral e bruma" - em que fala da sua mãe em termos extremamente comoventes, um verdadeiro poema de amor.
 

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publicado às 10:21

Radioso mas cheio de nuvens

por Zilda Cardoso, em 19.11.13

 

 

Continuo em cativeiro ou em prisão domiciliaria, e como é agradável!

A verdade é que só me sinto fechada quando há nevoeiro, o que acontece, mas já não há disso há uma porção de dias no Porto!

De modo que, rodeada de tanta beleza natural e mesmo construída, sou a rainha do sítio, sempre a olhar para fora, para esse meu largo reino, enquanto as mãos funcionam noutro diapasão, dentro.

   

Penso muito, tento aprofundar. E vem logo a pergunta impertinente: o que estou aqui agora a fazer?

Seja o que for, estou, não vim. Não vim de nenhum lado e já havia isto quando me encontrei.

“Por que há isto e não nada?”- perguntou alguém de cujo nome não me recordo.

Não sei responder e gostaria.

Poderia haver nada? Provavelmente, não faz sentido. Nunca vimos nada, não sabemos o que é. Por que razão nos massacramos para descobrir o que é nada. E o que é donde e o que é para onde? O donde viemos? O para onde vamos?

Ora, que nos importa? Criamos voluntariamente a nossa ansiedade… não tem a ver com nada nem com tudo, nem com lugares nem com tempo, não se relaciona com aquis nem com agoras.

 

 Vamos viver isto, que diabo! Isto. O melhor possível, seja, como nos agradar.

Pronto.

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publicado às 14:02

O que está para vir

por Zilda Cardoso, em 18.11.13

Cada noite sonho com o dia que aí vem

 desejo que a luz me conforte, que não haja névoa,

o sol se filtre por entre as folhas altas e vermelhas

 o canto dos pássaros se ouça e os rios corram tranquilos...

A luz é indecisa, é tudo silêncio e obscuro.

Escuto um bater de asas, o seu eco apenas.

É cedo, não rompeu a madrugada afinal

Penso

penso o que fiz mal, o que faço mal ainda

que coisas nunca entendi e não entendo

que palavras devia ter dito que gestos

qual a atitude certa perante eles…

Não sei, apenas me interrogo: com que posso

 deveras contar depois da madrugada?

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publicado às 09:11

Parque outonal de Serralves

por Zilda Cardoso, em 17.11.13

Fui visitar o Parque como me tinha prometido. As árvores estão deslumbrantes com as suas cores do verde a diferentes tons de amarelo até ao vermelho mais ou menos vivo.

Fui em grupo orientado pelo director do Parque, João Almeida, que contou um pouco da história da 

casa.

Tenho algumas imagens.

 

 

                                                                 

 

                                                .

 

 

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publicado às 08:43

PRODÍGIO ARDENTE

por Zilda Cardoso, em 16.11.13

 

 

 

 

É um prodígio ardente o que neste momento desaparece apressadamente no horizonte, na água, melhor dizendo. Em frente a mim.

Sei que não vou ter tempo de preparar a máquina fotográfica, mas vou tentar.

Sem êxito! Quando bato a chapa, ele já mergulhou.

  

 

 

Digo, mergulhou, e fico preocupada.

Quero voltar a vê-lo, mas receio já não ter essa oportunidade: ele vai derreter, dissolver-se rapidamente, já deixou avermelhado o horizonte nas proximidades. É um vermelho misturado com azul e é muito bonito.

Ou talvez volte e não tenha acontecido nada de grave.

Deve ser um processo mecânico ou coisa assim.

E amanhã pelas 5... pelas 6, ele irá surgir, como se nada se tivesse passado, no lado oposto da minha paisagem, a erguer-se lentamente.

Passará sobre mim e voltará a mergulhar depois das cinco naquela água azul transformada em turquesa. Presumo que vá  nadando sem se fatigar, com paciência, por dentro da água; arrefecerá, perderá a cor incendiada e a maior parte do calor e da luz.

Durante doze horas, foi o que antes sucedeu, quero acreditar que é o que vai suceder.

Todavia, não posso deixar de recear que ele se canse, que um dia vá deveras fatigar-se e que não o tenha de volta, que não o tenhamos de volta de manhã, amanhã.

O meu desassossego é se não vamos ter amanhã.

Mas trata-se de um ritual mágico, não pode falhar, que ideia se me meteu na cabeça!

  

 

É como quando, deitada, ouço o meu coração bater com força, arritmicamente, divirto-me com isso e penso como seria engraçado ouvi-lo parar. Gostaria de ouvi-lo parar, de ter consciência desse descontinuar e, naturalmente, de ter conhecimento do que será o instante seguinte.

Penso assim porque estou bem-disposta, vem aí um dia cheio de sol e, à tarde, vou a Serralves ver, pela milionésima vez, o Parque no Outono e espreitar a gigantesca exposição de Cildo Meireles.

 

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publicado às 14:43

A VISITA

por Zilda Cardoso, em 14.11.13

 

 

 

 Estivemos em Lisboa há dias, fomos e regressámos de comboio. É confortável e rápido e baixo preço.

A Rita quis saber sobre comunicação e falou com a grande comunicadora que é a minha Amiga: foi um gosto ouvi-las. Tenho esperança de que o trabalho da jovem vá ser muito bem classificado. Para a minha Amiga foi um esforço grande de boa vontade, o interromper o seu trabalho para nos atender. Para responder às perguntas da Rita.

A minha Amiga sabe tudo sobre comunicação e como conseguir interessar as pessoas nas suas palavras… que são muito mais do que palavras. Ela dá-lhes um sentido seguro e digno.

E as suas atitudes acompanham o sentido das palavras que diz.

  

  

Naquele dia, ela apercebeu-se de que eu e a Rita íamos ter um intervalo comprido desde a conversa até à hora do regresso. E resolveu fazer um programa connosco…de improviso. Apesar de o telefone estar sempre a tocar e de o trânsito àquela hora ser impossível, ela esteve connosco o tempo todo: levou-nos a sua casa, contou-nos as suas histórias, fez-nos uma saborosa merenda e levou-nos à Estação do comboio. Todas estas tarefas foram gigantescas pelos seus afazeres, pela dificuldade do movimento nas ruas, por mil outras razões.

A sua é uma das casas mais bonitas que conheço: bem situada, magnificamente decorada, acolhedora, de muito bom gosto. Só pode ser a casa de uma pessoa inteligente, civilizada e culta.

  

 

Trouxe algumas imagens que não lhes fazem justiça, mas eu não soube fazer melhor.

O importante é que me comoveu a sua condescendência, a sua bondade, a sua atenção, a sua amizade e… a sua casa que resume tudo isso.

  

 

 

 

 

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publicado às 13:47

A praia do meu beijinho

por Zilda Cardoso, em 08.11.13

A grande novidade (!) de hoje é que fui à praia, andei sobre a areia húmida, com um sol resplendente a aquecer toda a zona e uma – UMA – jovem pernalta a vigiar-me dos rochedos com particular atenção.

 

 

                                                                            (as minhas passadas na areia)

Eu caminhei com cuidado, marcando fundo a areia lisa, e espreitando a restinga em busca de moluscos inéditos e pensando que ali não encontraria senão caramujos. Calculei que biliões de caramujos de várias formas e cores estejam por ali, mas nunca beijinhos.

 

Quando era miúda e vinha para a praia do Molhe com primos e amigos, era o mesmo. Se queria beijinhos, tinha que ir a Leça procurá-los. Ali havia mesmo a Praia dos Beijinhos, onde de certeza se encontrariam.

 

Não era porém fácil ir a Leça - tão longe! – era necessário autorização superior e alguém de confiança que nos levasse lá.

 

 

 

                                                                                   (lá está a pernalta!)

 Mesmo de autocarro, que era o mais certo, pois na época nem toda a gente tinha carro nem ia para a praia de carro, morando na cidade.

 

Sorri com estes pensamentos, com as diferenças: Leça longe, autorizações da família para movimentos tão visíveis, interesse apaixonado por conchas mesmo especiais… atitudes simples, gestos ingénuos.

 

Ai como é diferente… ai como é diferente…

 

 

 

                                                                                      (o beijinho pre-histórico)

De súbito, ali à mistura com todos os pensamentos meus e aquelas conchas há muito vazias, vi um beijinho, um só, solitário!

 

Quase dei um grito: Como é possível?!

  

 

                                                                                               (tão bonito!)

 

Ganhei o meu dia. Há quantos anos não apanhava um beijinho assim pequeno e modesto? Tão cheio de sol e solitário!

 

 

 

(levei-o) 

 

Levo-o comigo, poderá ter sombra mas nunca mais estará só.

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publicado às 18:32

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