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Quando penso em mim.

por Zilda Cardoso, em 29.11.12

 

 Que amores infelizes estes meus comigo!

Fico triste quando penso…

Mas agora quero esquecer me como fui

e ainda sou; abandonar me e reparar no mundo

onde descubro sorrisos e risadas, tantas

e também afinal a excelência nos sonhos

tridimensionais que não vou ter nunca mais.

Vejo diversos tons do branco encaracolado

das nuvens e a última onda de espuma

que repete as cores e bate nas rochas,

o brilho das joias que o sol esconde nesse mar,

os barcos de velas brancas que buscam o porto

e a revoada de muitos pássaros juntos

maculando de leve o silêncio…

Sou feliz agora: por que precisaria de pensar?

De acrescentar beleza à beleza?

E então… de pensar… em mim!?

Estendo-me na relva verde, junto dos canteiros

que um jardineiro amoroso compõe

para que floresçam perfumados na Primavera.

Ainda ouço passar o vento brando pelos ramos.

De costas, vejo e gozo: estou bem assim.

 

 

 

 

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publicado às 11:31

Ninguém manda em mim!

por Zilda Cardoso, em 24.11.12

Teve dezoito filhos, em casa, com uma única e apressada ajuda – a do marido. Ele estaria no campo, a lavrar ou a fazer trabalho semelhante e um dos miúdos iria a correr chamá-lo para um apoio final. Em condições inacreditáveis!

Viviam muito pobres, porque os bens que produziam nas suas terras não eram suficientes para a família sempre crescente. O milho… faziam pão que deveria chegar para as crianças, mas era preciso vender algum para comprar outros bens essenciais. Tal como acontecia com as uvas e as outras frutas, as galinhas e os coelhos que criavam só se consumiam em casa, em dias especiais.

Os adultos ainda trabalhavam para fora. Todas as crianças eram precisas para entreajudas, havia sempre outros mais novos... Quase não tinham tempo de ir à escola e quando iam, em pleno Inverno, caminhavam descalços sobre as pedras húmidas e frias dos caminhos e sobre a terra encharcada, muito raramente acolhedora. Sapatos…? Só tinham um par cada um e eram para ir à missa ao domingo de pés lavados e roupa mais-ou-menos.

Porém, vejam lá, doze crianças criaram-se, estão de saúde e vivem bem. São todos empreendedores e ambiciosos, lutaram e souberam aproveitar as oportunidades. Nenhum saiu do País, espalharam-se pelo País.

A Mãe, sozinha agora, sente-se finalmente liberta. Esteve doente, em tempos, foi operada, permaneceu algumas semanas no hospital, recuperou de forma espectacular. Agora, faz aquilo que quer e que nunca pôde fazer nem sequer querer fazer, antes.

Tem 91 anos, está na sua casa e tem duas filhas como vizinhas próximas. Até há alguns meses, cozinhava para si própria e fazia todos os serviços domésticos. Se não fosse aquela maluqueira do vinho do Porto que lhe retirou um pouco de estabilidade, continuaria a fazê-lo. Assim, são as filhas vizinhas que fazem as compras com o seu dinheiro dela - não tem qualquer reforma do Estado, apenas uma pequena pensão da Casa do Povo local - lhe preparam as refeições, sob as suas rigorosas ordens, e lhas levam.

O que é que ela já viu sem quase sair do seu lugar? O que poderia ainda querer ver e desejar?

O que vou narrar aconteceu há dias no mundo real e deixou-me desconcertada.

De casa, numa destas manhãs, uma das filhas julgou vê-la à distância num pequeno outeiro, subindo-o na direcção da vila. Não queria acreditar no que os seus olhos viam. Foi chamar a irmã, ambas verificaram: na casa dela, não havia ninguém. Não restavam dúvidas: era a sua mãe que subia o pequeno monte, apesar das suas pernas – o ponto fraco – não auxiliarem.

Já levaria hora e meia de caminho. Tinha-se levantado cedo. Não lhes disse nada, receou resistência. Queria muito ir à vila, de modo que meteu pés a caminho, de chinelos enormes, difíceis de arrastar, vestida de qualquer maneira. Lá foi.

Apressaram-se a interceptá-la. Uma delas foi falar a um jovem que tem um carro e se dispôs a levá-las à vila, pois era isso que ela queria e sabiam não poder demovê-la. Queria ir tomar o pequeno-almoço à vila.

E pronto, lá foram e tomaram o que ela sempre quer: o galão e dois pães sem manteiga. Mas depois, por que não almoçar? Sim, por não? Isso embarateceria o dito pequeno-almoço que, de outro modo, ficaria por duas vezes o triplo da refeição normal. Não que isso lhe importasse o mínimo, mas pensando agora no caso…

Deram um longo passeio a fazer horas e regressaram a casa depois de almoço, de táxi, a Mãe radiante, a filha muito menos. A senhora entrou em sua casa e começou a cantar, feliz. Cantou, cantou todas as canções alegres de que pôde lembrar-se até que decerto adormeceu. As filhas, de fora, ouviam-na cantar, estranhadas.

Quando lhe levaram o jantar do costume, verificaram que estava trancada por dentro, não quis ser incomodada. Apenas no dia seguinte a viram.

Ninguém manda nela. Finalmente, não obedece a ninguém. É uma heroína, tem a força da coragem e a resistência à dor de quem sempre sofreu. Ninguém nunca mais a vai demover de fazer o que deseja.

 

 

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publicado às 08:12

texto como veículo para as paixões do leitor

por Zilda Cardoso, em 21.11.12

 

Estou a ler um livro recente de Umberto Eco que me entusiasmou desde logo pelo título: Confissões de um Jovem Escritor. Sabendo que tem agora 80 anos e tinha 77 quando proferiu aquelas palestras e quando escreveu os textos, não admira que surpreenda.

Porém, eu conhecia-o e admirava-o desde a Universidade como semiólogo, linguista, crítico, filósofo e finalmente como escritor. É brilhante em tudo o que escreve ou ensina e, seja o que for que produza, é sempre do maior interesse.

Começa por justificar o título - como se estreou a escrever e a publicar romances aos 49 é de facto um jovem escritor. Faz considerações sobre este tema, a que achei muita graça e depois, fala da sua carreira, não apenas como teórico da linguagem mas como ficcionista.

Considera-se académico de profissão e romancista amador mas, no caso destes ensaios, concentrou-se na ficção e no seu processo criativo.

Sobre as possíveis interpretações de um texto que são potencialmente ilimitadas, diz que “algumas teorias contemporâneas da crítica afirmam que a única leitura fiável de um texto é a leitura errada e que um texto só existe por causa das reacções em cadeia que causa. Mas esta cadeia de reacções representa os usos infinitos que podemos fazer de um texto …  e não o conjunto de interpretações que dependem de algumas conjecturas sobre a intenção daquele texto.”

“Como podemos provar que uma conjectura sobre a intenção de um texto é aceitável?”

 

 

Finnegans Wake é exemplo de um texto que “incentiva intencional e programaticamente as interpretações mais ousadas”. Para alguns, continha alusões históricas, discutiu-se isso e a interpretação foi contestada por aqueles que afirmavam que as palavras ali usadas tinham sentidos “quotidianos” “e que a leitura política não era suportada pelo contexto”. Tudo e qualquer coisa pode ser visto e descoberto no texto de Joyce, como referências a acontecimentos que não tinham ainda acontecido e, por isso, alguns atribuíram a Joyce poderes proféticos e outras capacidades absurdas.

 

O que acontece é que, segundo Umberto Eco, quando um texto não é produzido para um único destinatário mas para uma comunidade de leitores, o autor sabe que será interpretado segundo uma estratégia complexa de interacções que envolve também os leitores e a sua competência e conhecimento da “língua como antologia social”. Da língua com as suas regras, “as convenções culturais que essa língua produziu e a história das interpretações anteriores dos seus muitos textos”. “Trata-se de complexas transações entre a competência do leitor (o conhecimento que o leitor tem do mundo) e o tipo de competência que um determinado texto requer para poder ser lido de uma forma… que aumente a compreensão e a fruição do texto e que seja suportada pelo contexto”(”económica”).

Eco fala de um Leitor Modelo e de um Leitor Empírico. Este é qualquer pessoa que lê um texto, que pode ler de muitas formas e nada lhe proíbe de ler de uma certa maneira. Não existe nenhuma lei que diga aos Leitores Empíricos “como devem ler, porque usam frequentemente o texto como veículo para as suas próprias paixões, que podem ser exteriores ao texto ou que o texto pode suscitar por acaso”.

Para Eco, os autores dizem frequentemente coisas de que não se apercebem, apenas depois de conhecerem as reacções dos seus leitores descobrem isso. E afirma qualquer coisa como: um leitor razoável não deve aceitar essa interpretação não “económica”. Não deve aceitar essa interpretação que não aumenta a compreensão e a fruição do texto e que não é suportada pelo contexto.

Tinha Isabel Jonet consciência das múltiplas interpretações que o seu texto suportaria? Umberto Eco tê-la-ia aconselhado a responder aos críticos não de modo a “validar as interpretações do texto, mas para mostrar as discrepâncias entre a sua intenção e a intenção do texto”.

Acho que Isabel Jonet já fez isso e, depois desta lição de Umberto Eco, estaremos prontos para interpretar "economicamente" as suas palavras.

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publicado às 11:10

Essa política

por Zilda Cardoso, em 16.11.12

Quem me dera estar a viver num país onde a política não seja o único tema de conversa. Apreciava que a política fizesse discretamente parte do meu mundo, não que fosse o meu mundo.

A minha vida tem sido variada, nesse aspecto. Vivi no tempo de Salazar sem política. Ele tratava de tudo, não precisava de me preocupar. Jovem, assim pensava: havia um trabalho a fazer, um mundo a descobrir...

Não, não precisávamos de nos inquietar. Ele tratava de tudo como sabia, de modo patriarcal, e nunca se apercebeu que já nos considerávamos crescidos e queríamos decidir as nossas contendas, com independência. Por nós.

Passámos por uma época revolucionária, razoavelmente interessante e estimulante em muitos aspectos e estamos num tempo que se tem prolongado cheio de peripécias, de lances imprevistos e previstos, onde há unicamente política. Essa política. E nenhum outro tema é possível. Nem sequer economia, educação, cultura. Discussões apaixonadas sobre ideologias? Nem sequer.

Tudo se transforma rapidamente em política que acaba por ser da máxima importância, a menos que queiramos fazer o papel de apáticos, ignorantes ou estúpidos no que respeita aos nossos próprios negócios. Interessamo-nos por ela, pois, não como coisa boa para que nos relacionemos bem uns com os outros, para que nos entendamos melhor, mas como coisa boa para que sejamos inimigos uns dos outros. Contudo, não foi com essa intenção que ela foi sendo criada e introduzida aqui.

É assim e aqui que vamos sofrendo uma vida de má qualidade, tosca, se posso dizer; de qualquer modo, muito mais imperfeita do que poderia ser.

 

Afinal, não sabemos tomar decisões e aceitamos o que afirmam, aparentemente cheios de convicção (mas com muito maus fígados,) os comentadores dos comentadores num frenesim mimético sem fim. Não procuram conhecer. E são eles, os comentadores dos comentadores dos comentadores que pululam vindos de todos os buracos e recantos sombrios e húmidos, os que, numa qualquer diminuta oportunidade, irradiam por instantes e são inacreditavelmente acreditados.

Sabem eles de que falam?

Sabemos nós de que falamos? Fomos instruídos sobre as melhores e mais justas decisões a tomar em ordem aos objectivos comuns ou mais convenientes para todos? Apenas falamos, a maior parte de nós, como se.

Estou desolada.

Estou desolada agora com a recente polémica que envolve Isabel Jonet. Os comentários deploráveis às suas palavras sensatas e verdadeiras tanto como à sua acção benemérita ilustram o que tenho tentado dizer sobre essa política.

Os seus processos não são os que vão resolver os problemas de pobreza e desigualdade, porque estes são estruturais e não se decidem dessa forma. Isabel Jonet sabe disso, melhor que qualquer outra pessoa. Sabe e tem larga experiência do seu trabalho voluntário: apenas quer ajudar. E tem ajudado e tem-se dedicado ao seu serviço de forma extraordinária e digna, criando uma organização exemplar no seu género.

O que só podemos agradecer-lhe.

 

 

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publicado às 21:25

Dos lados da estrada...

por Zilda Cardoso, em 04.11.12

 Retirei esta imagem de A origem das espécies: mostra fotografia de José Alfredo Almeida tirada o ano passado nas termas de Moledo.

Nos lados da estrada… tapete... tapetes de belas cores e estruturas quebradiças e soltas, dois metros de largura e comprimento infinito…São antigos? São ocidentais, tecidos, cada outono, pelo tempo nos ramos altos das árvores. São modernos.

Senti-me bem, caminhando no centro sem saber para onde… Que bem me senti!

Alguém ali colocou aqueles brilhos cor de fogo dourado que me pareceu terem saído de um vulcão ainda longe de explodir, o que ia acontecer a seu tempo e espalhar-se pela superfície da terra, causar os seus estragos e as suas benesses…

Estou a habituar-me a ver, todos os outonos, este esplendor a que não dava importância, sempre voltada para a Primavera, para o sol e o azul, para as manhãs, para outros fulgores.

O Outono tem encantos, tem tesouros e sabedoria, música e silêncio, tem o perfume seco, a sua beleza, um certo calor: compreendi.

Continuo a não estimar o que se seguirá. Porém,  este é o meu presente. É o meu presente e enche-me o coração.

 

 

 

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publicado às 17:54




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