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Borges e Foucault

por Zilda Cardoso, em 31.10.12

Não resisto à tentação de, mais uma vez, reproduzir um texto que segundo o autor nasceu de um outro texto, este de Jorge Luís Borges. O que consulto neste momento é o prefácio do livro “As palavras e as coisas” e diz: ”Do riso que sacode, à sua leitura, todas as familiaridades do pensamento – do nosso; do que tem a nossa idade e a nossa geografia -, abalando todas as superfícies ordenadas e todos os planos que tornam sensata para nós a pululação dos seres, fazendo vacilar e inquietando por longo tempo a nossa prática milenária do Mesmo e do Outro. Este texto cita “uma certa enciclopédia chinesa” onde vem escrito que “os animais se dividem em: a) pertencentes ao imperador, b) embalsamados, c) domesticados, d) leitões, e)sereias, f) fabulosos, g) cães em liberdade, h) incluídos na presente classificação, i) que se agitam como loucos, j) inumeráveis, k) et caetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n)que de longe parecem moscas”. No deslumbramento desta taxinomia, o que alcançamos imediatamente, o que, por meio de apólogo, nos é indicado como o encanto exótico de um outro pensamento é o limite do nosso: a pura impossibilidade de pensar isto.

 

 

O prefácio a que me refiro é do livro AS Palavras e as Coisas, de Michel Foucault, Gallimard, 1966, tradução edições 70, Lisboa. O primeiro ensaio publicado nesse conjunto é uma admirável análise do quadro “Las Meninas” de Velasquez, antecedido de dois artigos de apresentação - um de Eduardo Lourenço, outro de Vergílio Ferreira.

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publicado às 18:16

O meu conhecimento de Agustina...

por Zilda Cardoso, em 18.10.12

O meu conhecimento de Agustina começou por ser da obra, há muitos anos, muitos anos. Foi depois pessoal - encontrámo-nos pela primeira vez em casa de amigos comuns.

 

Recordo que na altura as pessoas a consideravam perigosa, quase um inimigo que iria adivinhar a verdadeira razão dos gestos de cada um, o que lhes ia no íntimo e de que não gostavam de falar. Iria adivinhar isso através de um olhar agudo, penetrante e irresistível ou na sequência de meia dúzia de palavras proferidas inadvertidamente por alguém.

 

Era preciso ter cuidado. Porque ela podia perscrutar as vidas dos outros, a nossa, saber como vivíamos para depois retratar isso nos seus livros a publicar. Inspirava temor e respeito como uma sibila.

 

As pessoas não estavam certas de estarem a fazer o melhor nem sequer de estarem a pensar o melhor, isto é, de estarem a pensar aquilo que toda a gente podia saber sem problema (algumas tinham a certeza de não estar).

 

Por isso, até certo ponto é verdade que é uma sibila. Ela, em geral, fala do seu tempo e do seu espaço, dos objectos que a rodeiam, dos mitos antigos e dos de hoje que parecem orientar as nossas vidas; e de pessoas... a partir do que constrói as suas narrativas.

 

Porém, cada personagem que imagina não é alguém que conhecemos e podemos identificar, mas detém, sem dúvida, um conjunto de características de diferentes pessoas, a viverem naquele lugar e no tempo que a autora escolheu. Sem ressentimento possível, portanto.

 

É como escritora que ela quer saber quem é a pessoa e o que significa na sociedade, não como “um historiador que se detém em factos, em comentários, em comparações”. Em ambos os casos, as obras serão expressão de um momento histórico.

O escritor só tem que tornar a narrativa verosímil, possível de ser acreditada, mas a história que conta deve ser falsa. Como se inventasse a História.

 

Convidei-a para minha casa. Fui convidada para a sua. Em qualquer caso, senti-me sempre bem, estimada e segura. Não tenho conhecimento de como ela se sentiu. Sei que recebia bem, num ambiente de muito bom gosto, requintando-se na preparação e na apresentação do chá. Ou do jantar.

 

Penso que precisava do isolamento e do silêncio para trabalhar mas, do mesmo modo e como preparação, carecia de saber como vivia o comum dos mortais. E apenas podia saber, aceitando convites e fazendo-os.

 

 

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publicado às 15:39

DEPOIS...

por Zilda Cardoso, em 17.10.12

Depois…

 

Depois da recentemente passada sessão de 15 de Outubro, seu aniversário, na Universidade Fernando Pessoa, dedicada a Agustina Bessa-Luís, o que acontecerá a respeito da obra da escritora?

 

Constituiu-se um Círculo Literário com o seu nome nesse dia, naquela Universidade que será um lugar de encontro de leitores e admiradores da obra de Agustina. Propõem-se estudar, reunir, publicar, manifestar-se artisticamente e cientificamente com a intenção de obter “um conhecimento universal da sua obra”.

 

O grande auditório estava quase cheio de pessoas sorridentes que não sabiam bem o que ia acontecer.

 

Mónica Baldaque falou um pouco, em termos simples e muito agradáveis, da obra da sua mãe e dos objectivos desta associação, agradecendo à Universidade o apoio que quiseram dar.

E falou o Reitor da Universidade como anfitrião.

Foram lidos textos dos livros de Agustina retirados de blogues e publicada e oferecida à assistência uma pequena brochura com esses textos.

Cada um dos assinantes da escritura foi presenteado com um exemplar manuscrito e fac-similado do romance Ternos Guerreiros, de 1959.

 

Não me proponho lê-lo nesta versão, mas admirar o seu processo de escrita, a sua escrita torrencial e minuciosa, ditada por alguém muito íntimo e poderoso que a habitava e que, de quando em quando, ela deixava que saísse um pouco…

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publicado às 09:25

Parabéns, Agustina, pelos seus noventa anos!

por Zilda Cardoso, em 15.10.12

Admiro-a, não por nada, não por tudo, nem por isto ou por aquilo.

Prezo enormemente a mulher e a escritora. Ambas são duma inteligência que é muito mais do que grandes dotes intelectuais: é clarividência, clareza de raciocínio, discernimento, capacidade de analisar, de perscrutar; de ver mais longe e mais fundo, muito para além do que é suposto poder ver-se; e de falar sobre isso de forma original, esclarecendo.

Num certo momento, ela disse: “sou uma profissional!” com o ar menos profissional deste mundo. Fiquei perplexa. Por quê? De facto, por que havia de ficar…?

Ela quis que considerássemos trabalho, o seu trabalho. Como o do pintor de paredes ou outro. E há muito serviço em cada obra, muitas horas de afinco e de preparação, de esforço de imaginação e de procura de entendimento. Depois está lá o conhecimento adquirido em anos de estudo e a sabedoria, e o que verdadeiramente a levou até aí e que é “uma imposição, um destino, um fogo inconsumível de espírito”.

Impressiona-me um muito importante sentido estético da linguagem - imagens sucessivas e intensas são criadas com palavras de significados surpreendentes.

Poderá ser gótica a sua escrita? Uma vez, disse-me que alguns a consideravam barroca… que é que eu achava? Agora digo: é barroca e é gótica. Para mim, é nitidamente, uma coisa e outra, se tem que ser alguma será… as duas.

Muito gótica e, no entanto, barroca, é isso.

Gótica no sentido de elegância, de abundância de luz e da verticalidade que a aproxima do alto, do sagrado.

A elegância é leveza, harmonia, luz que, como atributos próximos da perfeição, podem ser interpretados simbolicamente como revelação do espírito de Deus.

Barroca pelo ornamento tornado essencial.

O ornamento não é efémero nem superficial, é humano; é efeito de emoções de que resultarão emoções para todos os que querem partilhá-las.

É desse modo que está muito presente nas suas obras o bom humor, a alegria e a vivacidade, os alvoroços, o amor pela vida do ser inteiro, as fantasias e a verdadeira fidelidade que “é uma procura constante da verdade, o que traz desconforto para os sentimentos”.

“Assusta-nos o íntimo das nossas vidas”, diz. “Somos sempre muito faladores com o insignificante”.

Eu acho porém que há na sua escrita aquilo de que se não fala: o que poucos escritores possuem e nos faz considerá-los seres superiores.

 

Em 2003/4 deu um curso de alguns meses num Instituto desta cidade a que assisti. Sentou-se na cátedra e penso que gostou do lugar. Mas daí a pouco estava desiludida:

“ As pessoas não têm curiosidade!”

Propunha-se dar as respostas certas, mas era necessário haver perguntas cativantes, pelo menos, inspiradoras.

De qualquer modo e, de maneira geral, “só temos perguntas, não temos respostas. Mas, por vezes, as perguntas trazem respostas às perguntas que não fizemos.”

As pessoas que assistiram ao curso estavam na “idade da contemplação”, e Agustina convidou-as a irem à sua memória que ela lhes dará um “conhecimento directo com as coisas”.

E disse: Os mais velhos têm como ambição continuar, os mais novos vivem um tempo de mudança.

Comparou a educação do seu tempo de criança com o actual e considerou que as crianças são agora mais desenvolvidas intelectualmente mas não têm o sentido do maravilhoso. Não têm tempo para reflectir. É uma educação “a despachar”… E não há nelas espontaneidade nem astúcia: não estão preparadas para a vida prática.

A ideologia para os jovens é da virilidade e da violência, e da beleza; e o amor é orientado para o sexo. O jovem com a sua agressividade natural é qualquer coisa inquietante.

Castigar, que agora é escândalo, fazia parte da educação. É necessário inventar maneiras de conseguir que a juventude seja reprimida. A família não tem autoridade.

E há a propaganda do luxo, a tentativa de habituar as pessoas ao luxo, novo critério nesse campo. A guerra é a da economia.

Nas famílias, a Mãe deixou de ser a figura tutelar, deixou de ter poder reconhecido. O papel da mulher é agora mais difícil. A mulher está mais só, mais entregue a si própria. Tem que haver da sua parte uma crueldade que lhe compete (tem que defender a prole).

Dantes, ela não tinha tempo nem para um desejo de mudar a sua vida. Ele tinha acesso à parte nobre da vida. Agora, o homem está decepcionado com a mulher. Da parte dela, prevalece o desejo de ser apoiada pelo lado masculino.

E falou de democracia. E do que os governantes não sabem porque não há uma força de opinião (em 2004!). De modo que se exige cada vez mais do mandante…

Fico por aqui, são ligeiros apontamentos, Agustina continuou a falar de educação, do papel da mulher na sociedade actual (as mulheres entendem-se entre elas) e do papel do escritor. De comunicação, de direitos dos outros, de nova criminalidade. E de S. Paulo e de S. Francisco, de ascetismo e de vida de extrema contenção, de Santo António como orador brilhante e sábio…

Falou doutros temas de forma surpreendente.

E disse que cada vez tem mais dúvidas como se fosse uma principiante...

E eu talvez volte às minhas memórias desse curso de Agustina,  como ela aconselhou.

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publicado às 09:19

AGUSTINA VI

por Zilda Cardoso, em 14.10.12

Transcrevo por inteiro o primeiro capítulo do romance de Agustina Bessa-Luís, Antes do Degelo, de 2004.

 

“Há pequenas impressões finas como um cabelo e que, uma vez desfeitas na nossa mente, não sabemos onde elas nos podem levar.

Hibernam, por assim dizer, nalgum circuito da memória e um dia saltam para fora, como se acabassem de ser recebidas.

Só que, por efeito desse período de gestação profunda, alimentada ao calor do sangue e das aquisições da experiência temperada de cálcio e de ferro e de nitratos, elas aparecem já no estado adulto e prontas a procriar.

Porque as memórias procriam como se fossem pessoas vivas.

Acreditem que sim e passamos ao capítulo seguinte.”

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publicado às 11:11

AGUSTINA V

por Zilda Cardoso, em 13.10.12

Do mítico romance de Agustina Bessa-Luís, A SIBILA, 1954, reproduzo um pequeno excerto.

“Conhecia os homens sem o aprender jamais. Sabia, uma por uma, qual a reacção que correspondia a determinado tipo, perante determinado facto. Adivinhava-lhes os pensamentos, mesmo antes de ela os poder raciocinar. Um sorriso fazia-a pôr-se em guarda, assim como uma aranha que tecia a sua teia duma folha a outra dum pé de malva a decidia a mandar espalhar o grão na eira, ou os carolos de milho ainda húmidos da debulha.

Como o que distingue para lá das montanhas qual a sombra de fumo, de pó ou de nuvem; como o que na floresta conhece o rasto do animal em tempo de caça ou tempo de amores; como o que aspira no vento o perigo, como o que pressente na atmosfera a confiança ou a traição, assim ela vivia, intensamente adaptada com essa capacidade selvagem de defesa, de astúcia, de previsão e pré-conhecimento da vida e das coisas e que o homem civilizado, unido em rebanhos pacíficos, amparado em convenções artificiais, vai perdendo ou nunca desenvolve por completo”.

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publicado às 18:45

AGUSTINA IV

por Zilda Cardoso, em 12.10.12

No livro A Muralha, 1957, Agustina Bessa-Luís escreve:

“Toda a cidade, com as agulhas dos templos, as torres cinzentas, os pátios e os muros em que se cavam escadas, varandas com os seus restos de tapetes de quarto pendurados e o estripado dos seus interiores ao sol fresco, tem toda ela uma forma, uma alma de muralha.

Há como que seteiras, fendas, passadiços e bocais de pontes diante dos nossos olhos assestados sobre essa tremenda presença de rocha, caliça e betão armado. Uma ravina profunda marca o entalhe do rio, cujas águas verdes da primavera reflectem o crescente da sombra dos rabelos de velas enfunadas.

O sol parece baixo sobre a cidade segregada da pedreira; uma transcendência de melancolia paira e comove-nos. A muralha infunde em nós essa doce tristeza europeia, um orgulho de actividade, um desenho de pompas escravas, um sonho económico e uma impraticável fé de liberdade.

A muralha cresce com os seus pequenos palácios da beira-mar, os seus bairros insubstituíveis de lata e de papel, as suas casa bancárias, os crimes de venalidade e de injúria, e os alegres pais de família com uma mulher em cada braço.

Atrás das suas pedras há a nobreza mourisca, há o judeu caviloso e astuto, o fenício do grande comércio, o homem da Lusitânia criticador e inerte. Ela é a muralha povoada defuncionários e mestres de obras, de colegiais, de artistas ingleses colonialistas – e pelo capital.

A sua alma é funda e profética, os seus costumes rigorosos mas não severos – e há mais espírito na sua gente de ilha, na sua gente crua de sentimento e afeiçoada à desgraça, que nos altos patíbulos da raça onde se convertem os grandes a um passatempo de serões.

Ela é a muralha, com a cintura rodeada de nevoeiros, generosa e tímida, com a sua coroa provinciana e a luva suja na mão descalça.”

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publicado às 08:46

AGUSTINA III

por Zilda Cardoso, em 11.10.12

 

 

Do conto  A mãe de um rio, 1981, de Agustina Bessa-Luís, transcrevo:

 

"Antigamente, sim, antigamente, a Terra tinha a forma quadrada e um rio de fogo corria na superfície. Não havia aves nem plantas, as águas estavam nos ares como nevoeiros cor de ferro, e os ventos não as tinham distribuído ainda pelos quatro cantos agudos da Terra. Onde estava o peixe minúsculo de ventre negro ou as bonitas serpentes de escamas verdes? Não existia o trigo nem a mão humana, nem mesmo o sono ou, a dificuldade, que foi o segundo grito da criação.

 

Passamos hoje por um caminho que tem nele marcado outras pegadas, e ocorrem-nos as histórias de outras idades. Por deserto que esteja o campo o frio o sol, o tempo está presente e nos penetra de sabedoria e de fortaleza.

 

A única solidão é aquela que não tem passado.”

 

 

 

No extraordinário livro de viagens Embaixada a Calígula, 1960, Agustina Bessa-Luís escreve:

 

“A vida consente-nos afinal pouco da sua farta série de espectáculos e de emoções. E, no final de uma existência que pode ser imensa e prodigiosa, em que o nosso engenho se multiplicou, em que a nossa fortuna cresceu, em que o nosso amor se estendeu por toda a terra, nós ficamos tristes.

 

Era ver os tesouros, admirar as cidades, conhecer as civilizações, o que nós desejávamos? Não, não era. Eu penso que não.

 

Queria, em vez de vaguear pelas capitais embandeiradas, viver num tempo limpo e sem exasperação, em que eu pudesse ler os versos de Neruda sem me ocultar dos que têm o coração alvo demais; ou que pudesse entrar numa igreja sem que me chamem reacionária.

 

Porque é que uma rã, de ventre redondo e húmido, canta livremente nos arrozais e não lhe dizem: Qual é o teu partido, o teu credo, o teu clã?

 

Eu não quero ser outra coisa senão esse pequeno verde, sem gramática demasiado oficial, sem copiosos sentimentos além das estações, o medo das águias imorredouras ou das cobras meio adormecidas.”

 

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publicado às 13:52

AGUSTINA II

por Zilda Cardoso, em 10.10.12

 

Do livro  A Ronda da Noite:

 

“Martinho, que ia refazendo as casas arruinadas da família, tendo, para isso, conferências com os arquitectos e mestres-de-obras, pensava que as pessoas não ocupavam na sua vida nada de comparável. “Porque é que hei-de amar as pessoas? Basta ser-lhes grato, se for caso disso, ou gratificá-las se também for caso disso. Mas amá-las é fora de questão. O amor é como se diz de Deus: “não devemos jurar o seu santo nome em vão”, pensava ele.

E pensava muitas vezes que as telhas duma casa escondem. Todo o mal do mundo vem de que se dão ao amor nomes que não lhe correspondem, como o desejo, a paz, os inocentes prazeres da vida em comum, a admiração pela beleza e pela juventude. Esta noção prática e transbordante do amor fazia com que o achassem intrigante e que alimentassem contra ele uma vontade de o destruir. Se era um mutante, isso pressentia-se pela capacidade que ele tinha de alertar as pessoas. Ficavam inquietas e faziam coisas inesperadas, contra a lógica dos seus costumes.”

“Martinho dedicou-se a averiguar o que há de vingativo na prática das grandes criações do homem. Um massacre pode ser encarado como uma grande criação cuja perversidade induz ao castigo e ao arrependimento. A finalidade é essa: elevar-se ao nível da grande expiação e, com ela, atingir o exemplo. Mas o homem não sabe qual o percurso da sua verdadeira intenção. A violência é um excitante com vista à criação e é por isso que é muito difícil de ser erradicada. Até nas naturezas mais dóceis a violência está incubada e no momento oportuno se manifesta. No âmbito familiar coexiste com a doçura de carácter e a graça dos rituais.”

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publicado às 12:51

AGUSTINA

por Zilda Cardoso, em 09.10.12

Em O livro de Agustina, Agustina Bessa-Luís escreve:

 

“Eu não queria o êxito fácil, as opiniões, os favores, o agasalho da tertúlia e o calor da insubordinação, dos injustiçados, dos paladinos da razão.

Eu só queria escrever, entrar no coração das pessoas e beber-lhes o sangue, avançando sempre, criando enredos e fazendo saltar os personagens das páginas.

Há pouca gente que perceba que escrever é uma espécie de danação em que às vezes se têm encontros com Deus. Eu perguntava: lutar com o anjo, o que significa Jacob lutou com o anjo e ficou aleijado para sempre. Esse aleijão é a pessoa que tem uma ideia sobre a sua existência na terra e lhe dá forma pelas palavras, rios de palavras, rios de incertezas profundas.”

 

Esse livro termina assim:

“Esta é a minha história que a memória abreviou, quando não é que a modéstia a repreende. Somos sempre muito faladores com o insignificante e muito calados com o que nos assusta. Assusta-nos o íntimo das nossas vidas, por passarmos todas as portas sem pensar que elas se fecham para sempre atrás de nós. Não podemos voltar para compor o inacabado ou as palavras soltas ou a que faltou a experiência.

A criança de seis anos que eu era andava sozinha pela avenida onde cresciam as grandes tílias e só os pássaros se ouviam como guardas dos meus passos, teve o primeiro pressentimento do extraordinário. Disse para mim:

Estou num lugar, numa hora, numa vida que não me são desconhecidos.

É esse entendimento de que a nossa vida é repetição e pode ser corrigida a ponto de produzir uma forma de profecia, aquilo que nos abençoa e protege e alegra.

Fazendo com que o sofrimento tenha sentido no mundo”.

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publicado às 17:28

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