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A brisa passa leve pelas folhas da árvore vermelha arroxeada.
Prendem-se organizadas nos ramos, os ramos no tronco.
Quase solto excepto pela raiz que fica longe dos ramos desatados.
Só um grande vento poderia libertar aquelas folhas seguras pelo apego de se manterem soltas, baloiçando, prestes a cair.
É assim que eu gosto de estar no mundo – apenas presa, apenas solta, ao sabor da brisa, ao gosto dela, hesitante, mudando de tom, à chuva e ao sol. Ouço daqui, ouço dali, viro-me num sentido e no outro, permanentemente ao abandono. Escutando?
Muitas coisas interessantes se ouvem enquanto pendurada: ninguém repara. Sou tão frágil como as outras folhas, mesmo as de outras cores, mesmo as de outras árvores. Tão pequena em relação a tudo, incólume: são sons, são ventos, que importa?
Eu fico, os outros se vão sem destino.
É um dia tranquilo, de ternura.
Reli algumas das entrevistas incluídas em O Livro dos Saberes organizado por Constantin von Barloewen, de que já tenho falado.
Hoje, recordei a de ADONIS, pseudónimo de Ali Ahmed Saïd Esber, o grande poeta árabe moderno, nascido em 1930 no norte da Síria.
Licenciado em Filosofia, tem reconhecimento mundial como escritor. A sua preocupação maior parece ser a de abrir a poesia árabe à influência estrangeira reconhecendo que, se bem que apoiado no seu passado glorioso, deve reconhecer a riqueza da poesia ocidental.
Na entrevista, fala-se de livros – do sagrado e revelado e do da sua interpretação, fala-se de fundamentalismos, de modernidade e de tradições culturais e religiosas, de identidade árabe nos tempos modernos, de tradição e cultura, de literatura no mundo, de enraizamento e de nacionalismo, de liberdade e de libertação, de independência, de pátria. Fala-se de muitos outros temas estimulantes, e de poesia e da sua influência no mundo inclusivamente político.
Dá-me um gosto enorme falar com quem sabe sobre o que sabe, falar ou ouvir falar. Ou ler.
Os temas da entrevista são de tal modo apaixonantes e as respostas às perguntas do entrevistador são tão ricas que tenho muita dificuldade em sintetizar o que ali se diz, como gostaria.
Haverá uma oscilação entre tradição e cultura que dá à obra de Adónis a sua originalidade, segundo o entrevistador e com o que o autor concorda, afirmando que pertence a uma tradição que tem mais de cinco mil anos e também a uma tradição moderna. O que tenta é abrir a poesia e a identidade árabe a outras poesias, a outras identidades.
A este propósito, vou citar alguns pensamentos do poeta sírio.
“A viagem não é senão a metáfora do nosso futuro… Viajar é descobrir. É ir ao mais longínquo da nossa existência física, é ligarmo-nos ao desconhecido. É por esta razão que a viagem é um grande símbolo para mim, um símbolo poético, mas também um símbolo existencial.”
“A pátria para mim… nunca é finita. Uma pátria é como o amor, é como um poema, ela está a recrear-se perpectuamente, incessantemente a renovar-se”.
"A poesia tem sempre a última palavra a dizer, se é que há uma última palavra. A filosofia pode dar muitas ideias, muitas verdades, mas num determinado momento, num certo grau, já não tem respostas… já não tem mais nenhuma verdade a dizer…….
Quando as formas de conhecimento guardam silêncio, ou quando não há mais nada a dizer, resta a poesia… é a poesia que nos liga… ao que é essencial”.
“O que é divino no místico e no poeta é o que se pode imaginar num estado de iluminação vivido pelo homem. Ele torna-se transparente ou pode trespassar a opacidade do mundo”.
“Temos sempre necessidade de uma forma de pensar radical que ponha em questão toda esta cultura, sobretudo a cultura ligada ao segundo texto (ao de interpretação), e hoje não encontro sinais de pensamento que possam emergir aqui e ali no mundo árabe; e, assim, o futuro neste plano está, na minha opinião, em perigo.”
“Eu tenho a minha pátria na minha língua, na minha poesia, nas minhas amizades, no meu amor, e Damasco ou não me importa que cidade na Síria infelizmente não se parece com essa pátria.”
"Sem dúvida, as mulheres aborrecidas (de que fala Clara Ferreira Alves) não são de agora e provavelmente já não são do tempo da rainha Vitória. As mulheres aborreciam-se porque tinham pouco que fazer e com que se perturbar; agora têm muito trabalho e excessivas inquietações... e aborrecem-se.
Estimavam poder dedicar mais tempo a essa televisão de escândalos reais e imaginados transmitidos como efectivo entretenimento, mas com sólidos objectivos comerciais e políticos que ultrapassam ainda os de uma publicidade redentora e patriarcal; apreciavam ter tempo e sossego para ler mais literatura pop inadvertidamente editada apenas em milhões de exemplares e regularmente reeditada; e de ouvir ruídos de níveis de intensidade superiores, bradados pelos alto-falantes de qualquer discoteca - gostam de não se ouvir umas às outras, por isso, quanto mais alto e estridente for a atroada de fundo melhor.
Além de que o fragor de tantos decidéis impede que qualquer um pense por si ou descubra algo que interesse ao futuro da humanidade. O que deve ser bom, senão por que insistiriam tanto nesses procedimentos?
Como não podem comprar o tempo nem mesmo em saldos de fim de estação, as mulheres aborrecem-se. Acredito que desejassem mudar o mundo, mas não têm vagar para complexas intervenções: seria necessário repousar um pouco para reflectir, e reflectir demora tanto tempo! A sua vida passa a correr. Aborrecem-se."
(citações do livro Ana Augusta, ed. Campo das Letras, Porto)
Acho-lhe graça, a esta cidade: é medieval, é nebulosa, é melancólica, tradicionalmente tristonha, húmida e sombria.
Hoje não é nada disso!
Saí porque me disseram que era o dia mundial da fotografia e queria ir mais longe no meu passeio, de carro, para tentar apanhar uma imagem diferente, inteiramente nova, original... Grande projecto.
A cidade inundada de sol, de calor, sem pingo de vento, distante de festas tradicionais, com um lazer imenso e todo nosso para gozar, era assim: ninguém se tinha importado com o jornal nem com as suas notícias empastadas – nem sequer com as estratégias de manipulação que o Chomsky explica e que estão a ser usadas pela comunicação social.
O rio largo brilhava com cores esverdeadas e movimentos ondulados e os barcos quase rabelos e embandeirados circulavam com grande entusiasmo entre a foz do Douro e a ponte D. Luís, carregados de pessoas de sorrisos resplandecentes em férias.
Nas margens do rio, havia magotes de gente calcorreando a calçada, passeando ou correndo quase nus, patinados de azeitona e luzidios, e de bicicleta, de patins inline, de skate, e de carros esquisitos com dois pares de pedais. E com cães bem comportados.
Havia carrinhos de bebés e triciclos e cadeiras de rodas. Todas as gerações estavam ali representadas, um arraial, uma onda de gente colorida em movimento nos dois sentidos e que não se importava de ser vulgar e estrídula e de chamar a atenção. Sentavam-se nos muros, nos degraus, no chão, nos velhos bancos vermelhos dos jardins ou nos cinzentos de mármore e sofisticado “design”, nas cadeiras das esplanadas sob guarda-sóis brancos, reviam-se uns aos outros permanentemente. E refrescavam-se… com bebidas e gelados de cores e sabores doces ou ensossos.
Como seria uma afluência elegante aqui?
Na estrada, os autocarros vermelhos, amarelos e azuis (também havia brancos) e um elétrico histórico amarelo mostravam aos estranhos a cidade com o mesmo alvoroço, diria, empolgados como nas traduções/legendas dos programas de televisão: todo o mundo está empolgado que é uma palavra e um estado de alma em desuso.
Como tirar a foto que queria? Tinha de parar o carro, estacioná-lo algures e isso já era mais complicado.
Desisti da fotografia para gozar este empolgamento. “Que se lixe!”- diz-se também no mesmo estilo de traduções. Que se lixe, digo também.
Na tarde ardente para nós, embora possivelmente a temperatura do ar estivesse a 30º ou menos, ouvimos os motores dos carros que passavam lentamente querendo sentir-se participantes da euforia pedestre; e não ouvimos os aviões nem os grandes barcos do largo que se mantinham amavelmente em silêncio.
Sabíamos, portuenses, que eram de aproveitar as horas de uma tarde de domingo de Agosto, desta procura de emoções, já que, ao fim do dia, não haveria vestígios da actual exuberância: uma suavidade teria caído sobre o lugar…
Na manhã seguinte, quando cheguei à janela para as saudações habituais, um nevoeiro quase branco cobria tudo aquilo de que falei: não havia mar, nem esplanadas, nem árvores nem canteiros de flores e de beldroegas. Nem nada nem ninguém.
Esta é uma das razões porque frequento Serralves - as exposições, os jardins, os concertos, a biblioteca, a livraria, várias outras actividades excitantes e a casa de chá…
A Re Age de Oeiras propõe reensinar a viver os mais velhos e ensinar pela primeira vez mas doutra maneira os jovens; assim como a olhar e a pensar. Tem técnicas inovadoras, ideias modernas, programas divertidos para toda a gente.
E é um ponto de encontro absoluto, quero dizer, para todas as pessoas de boa vontade por mais diferentes que sejam.
Longe de Oeiras, tenho estado a fazer de Serralves uma Re Age.
Porém, algumas exposições ultimamente só me fizeram zangar. Aquilo era o quê? E pedi explicações que não me convenceram.
Há muito que explicar antes de ver. Antes de mais, o conceito. E a definição de arte e de obra de arte e de artista. Temos que saber se vale a pena despender tempo e energia com o que nos é mostrado.
Hoje agradaram-me as duas mostras, a de Marijke van Warmerdam e ade Nedko Solakov.
Posso dizer que toda a Casa recebe as obras de Nedko Solakov, búlgaro, que mostrou como quem escreve a sua biografia, obras de 30 anos de trabalho.
Muito bom e voltarei para ver com tempo, muito cuidado e boa disposição e falarei sobre isso.
Marijke van Warmerdam que vive e trabalha nos Países Baixos, mostra o seu trabalho em várias técnicas - cinema, vídeo, fotografia, escultura e linguagem. E gostei de ler que a artista “concentra a atenção do espectador na beleza simples do quotidiano, mostrando como há sempre algo de extraordinário no que usualmente consideramos trivial”.
Creio que é a primeira vez que qualquer deles expõe em Portugal. E, sim, desta vez, recomendo uma visita demorada a qualquer das exposições com a certeza de aí aprendermos a ver e a viver de outra maneira, interessante e divertida.
Eram quatro da tarde quando Agustina entrou. Foi um alvoroço entre as amigas reunidas no salão.
Trazia as suas roupas invulgares, o penteado desusado, o xaile nos ombros, e nos braços o cão de estimação com um laçarote ridículo na cabeça. E que logo saltou para um dos meus cadeirões de ainda maior estimação.
Tinha-a convidado para o chá, se bem que ficasse preocupada por não saber preparar nem servi-lo tão bem como em sua casa.
O que me maravilha é que o seu chá não pode ser mais simples: torradas cheirosas de pão especial, compota inglesa, mel… Nunca e em nenhum sítio o chá me sabe tão bem como lá: há um mistério e um segredo que não revela.
O importante é que ela se instalou com gosto no meu espaço, descontraiu e comentou. Comentou o livro sobre a mesa de apoio, a pintura de Elvira Leite na parede e as gaivotas aos gritos ao longe.
O livro era A Sibila, mas podia não ser. Era. Surpreendi-a dizendo-lhe que o livro dela que mais apreciei ler foi um de viagens, a descrição de uma viagem, Embaixada a Calígula.
Tinha sido convidada a participar num congresso de escritores ilustres em Aix-en-Provence e havia um tema que deviam discutir - o destino da Europa. Reuniam-se num castelo, pelas tardes, e debatiam esse tema que Agustina classificou de acabrunhante.
É um livro maravilhoso que releio a cada passo. Revela a sua enorme inteligência, a sua cultura e sabedoria e tem a vantagem de não ter enredos.
Ela olhou atentamente a pintura a óleo espesso da Elvira que representa três mulheres, unicamente três mulheres firmes, seguras, finas, perspicazes num quadro enorme. Comentou a sua força e a sua fragilidade, as belas tonalidades pastel, as pinceladas expressivas. “Estas, sentadas, dominam o mundo”, disse.
Acabámos esclarecendo o mundo, precisamente – entre o caos mesmo esplendoroso de Eduardo Lourenço e a tranquilidade harmoniosa dos seus textos; entre os gritos das gaivotas perto do mar e a música de Bach tão próximo, aqui.
No fim, uma pergunta insólita ficou: Qu’est-ce que la politique?
Fui dar um passeio pela região e andei sempre naquele deslumbramento… De todos os ângulos de que se possa espreitar, a paisagem é magnífica.
Há vestígios de ocupação muito antiga, desde a Idade do Cobre ou do Bronze, e da do Ferro à época dos suevos e dos visigodos e à romana, e também aos mouros e depois à cristã da Reconquista.
Penso que há muito pouco descoberto em relação ao que poderá haver oculto e a necessitar de escavações especializadas.
Há uma via em Penascosa que levaria a Almendra e há a vila romana de Orgal que poderão ser vistas, mas eu não vi. O que vi e apreciei e me deixou encantada foi a paisagem e lugares como a Santa Bárbara e o Anjo, a Senhora do Campo, as quintas do Cristóvão e a da Erva Moura, bem arranjadas e em plena produção, montes e vales admiráveis e o rio Côa com os seus recortes e as suas margens.
Corre de sul a norte na margem esquerda do Douro, vem da serra da Malcata para o Pocinho por um vale que as suas águas cavaram profundamente e onde, numa extensão de 17 quilómetros, existem gravuras rupestres.
É território de grande biodiversidade, mas não vi as grandes aves das escarpas que existem aqui, talvez não fosse boa ocasião.
(Agradeço aos grandes amigos que me proporcionaram estes passeios que me não teria sido possível fazer a pé).
No dia anterior, tínhamos marcado para as 6,5h da manhã, pensando na inquietação do calor, se… mais tarde. Algum tempo depois, passámos a combinação para as 7,5 e seguidamente para as 8.
Acabámos por sair às 8,5.
Subimos a encosta íngreme carregando o sol às costas com muito esforço e coragem.
Lá fomos. Parávamos de vez em quando, bebíamos uns goles de água, até à entrada na cerca, em cima, onde tivemos o costumado deslumbramento.
Andamos em todo o redor: eu queria ver tudo e fixar imagens. Elas, as acompanhantes, perguntavam:”Que viemos aqui fazer? Não há nada para ver?! Os muros estão no chão, a cisterna seca e cheia de silvas… Há as fragas do costume...”
Soubemos por que lemos que o local foi ocupado por um castro pré-romano e que Afonso IX de Leão o reconquistou para os cristãos no início do século XII. Deu-lhe foral e reconstruiu a muralha de defesa. D.Dinis disputou as terras de Ribacoa e pelo tratado de Alcanices (1297) assegurou a sua posse definitiva para Portugal. Confirmou o foral leonês e reforçou a defesa melhorando o castelo com um Portão da Vila e dois torreões quadrangulares, além de manter a antiga muralha reforçada com um torreão adossado. D. Fernando no século XIV e D. Afonso V mais tarde cumpriram alguns melhoramentos. A povoação foi doada à família Cabral e elevada a condado no século XVII, e no XVIII a marquesado, mas nem a povoação nem o castelo sofreram muito com isso.
Continua tudo muito primitivo e modesto e apenas uma casa na aldeia tem um ar de certa imponência – é um solar estreito no meio da povoação com um paçadiço para a casa oposta na rua paralela, decerto para aumentar a dimensão da casa que tem na fachada principal janelas e portas guarnecidas de pedra recortada e bem trabalhada. Está caiada de branco e vem sendo ocupada pela mesma família há várias gerações.
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