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orquídias e pavões

por Zilda Cardoso, em 26.03.12

 

 

 

(Ele passeando-se)

 

 

(Ele e ela na avenida das Tílias)

 

 

 (Ela fazendo pela vida)

 

Houve uma 3ª exposição de orquídeas na cidade do Porto que é a 1ª internacional nos dias 24 e 25, ontem e anteontem. Foi na Biblioteca Almeida Garrett, nos jardins do Palácio de Cristal de Boa Memória, divulgada pela Porto Cultura e apoiada pela Câmara Municipal.

Vim de lá muito alvoroçada.

Aquilo era uma feira desordenada e não uma exposição preparada com determinado objectivo. Era uma feira e, como todas as feiras, chamou muito público.

Foi um dia de espêndido sol e os jardins estavam maravilhosos, a cidade dividia-se toda entre estes jardins e as esplanadas da Foz e do Parque da Cidade.

De modo que ali, havia muita gente com máquinas fotográficas e sem, com crianças e sem. E havia pavões, deslumbrantes pavões, lindíssimos pavões pavoneando-se, e pavoas mais modestas depenicavam por ali. Estão todos muito habituados ao movimento de pessoas e, por isso, caminhavam pacientemente na nossa frente, deixando-se fotografar.

 

 

 

 

 

 

Vi rododendros gigantescos floridos de vermelho, esplêndidos, japoneiras, araucárias e faias e as tílias da avenida; sei que há um jardim de plantes aromáticas e outro de medicinais; e lagos que não gostaria de ver destruídos. E obras de pedra que ficam bem lá, please.

Dentro da Galeria da Biblioteca e fora na recepção e nos corredores havia orquídeas envasadas no chão, sobre mesas ou penduradas nas paredes. Direi centenas, sou má calculadora, muitas centenas. Ou milhares?

A grande maioria das espécies será pouco atractiva para ornamentação, mas das espécies vistosas os especialistas têm obtido milhares de híbridos de grande efeito ornamental e por isso também comercial.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

E foram talvez estas que atraíram tão grande multidão, tantos gritos e atropelos, tal confusão e desassossego.

O certo é que não gostei da exposição, como foi chamado o acontecimento.

Apreciei a palestra de Rafael Santos que ensinou a cultivar pleiones e as orquídeas em si tão variadas nas suas formas sinuosas e bizarras e intrigantes, nos seus tão diferentes tamanhos e nas estranhas cores e perfumes. Muita gente se apaixonou por elas que têm em Portugal muitos enamorados entusiastas e associações que informam e organizam palestras, visitas, exposições, reuniões.

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publicado às 20:15

and then, you act

por Zilda Cardoso, em 25.03.12

 

 

 

 

Anne Bogart é directora artística do SITI Company e professora de teatro na Universidade da Colômbia. É também autora de alguns livros de ensaios sobre arte.

 

O livro que estou a ler trata da importância da acção em tempos difíceis, quer pessoal quer politicamente.

Dá muitos conselhos, eu adoro conselhos, se bem que saiba que muito pouca gente os suporta. Gosto porque introduzem novos temas de reflexão ou novas perspectivas em que convém reflectir.

 

Os deste livro and then, you act são conselhos inteligentes, baseados na experiência e na ponderação dos seus dados.

 

Acredito que a arte e o artista têm um papel importante a desempenhar na nossa cultura e em todas as culturas, muito especialmente em tempo de crise. A arte não é uma forma de fugir à realidade mas de a animar.

“We are living in very particular times that demand a very specific kind of response. No matter the

immensity of the obstacles – political, financial or spiritual – the one thing we cannot afford is inaction due to despair”.

“Um dia”, conta Anne Bogart, "particularmente desencorajada pelo ambiente global, perguntei ao meu amigo, autor de peças de teatro, Charles L. Lee Jr. como é suposto funcionarmos nestes tempos difíceis. De que modo podemos contribuir, nestas condições, com alguma coisa útil?

“Bem”, disse-me ele,” tens que escolher entre duas possíveis posições. Ou te convences a ti própria de que estes tempos são terríveis e as coisas nunca ficarão melhor e decides desistir; ou escolhes acreditar que haverá um tempo melhor no futuro. Se for este o caso, o teu trabalho, nestes tempos obscuros política e socialmente, é reunir tudo o que valorizas e transformar-te numa ponte (de transporte). Embala tudo aquilo de que gostas e acarinhas e carrega-o às costas para o futuro”.

Há alguns anos, foi perguntado ao Dalai Lama, se quereria voltar à terra num outro século, mesmo sabendo que haveria tal pobreza, poluição e superpopulação que o planeta seria um sítio miserável para viver. Ele respondeu muito simplesmente: “Se pudesse ser útil…” (citado no mesmo livro).

 

 

 

Aí está: enquanto pudermos ser úteis, temos aqui um lugar.

 

Porém, precisamos de agir para nos mantermos úteis, cumprindo o nosso trabalho, dando-lhe qualidade como a única forma de resistir a uma cultura de banalidade, como diz Anne Bogart, atraídos apenas  pela fama, pelo sucesso, pela riqueza material.

 

 

 

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publicado às 20:34

"Dança?" Claro! respondi. Quem não dança?

por Zilda Cardoso, em 24.03.12

 

Dançar é definido como uma manifestação instintiva do ser humano. Antes de polir a pedra e construir abrigos, os homens já se movimentavam ritmicamente para se aquecer e comunicar... 

 

Ela pode ser instrumento de afirmação dos sentimentos e experiências subjectivas do homem; relaciona-se com a conquista amorosa, associa-se à adoração das forças superiores ou dos espíritos para obter êxito em expedições guerreiras ou de caça e ainda para solicitar bom tempo e chuva.

 

Tem tantas funções a dança - é “a arte de mover o corpo segundo uma certa relação entre tempo e espaço, estabelecida graças a um ritmo e a uma composição coreográfica”.

 

 “A prática da dança pode ajudar a proporcionar uma vida realmente saudável física e mentalmente, proporcionando bem-estar, eliminando as tensões e ansiedades do quotidiano, sem contar com ao aspecto físico, pois exercita os músculos do corpo de forma suave e sem causar danos, além de melhorar a postura e deixar os gestos mais elegantes, a dança é uma maneira de se perder calorias sem pressão e com prazer”.

 

Tudo isto sobre a dança é sabedoria "electrónica", mas a dança é, do mesmo modo, uma das acções recomendadas pela ReAge, de Oeiras, para reaprender a vida. Pode ser imensamente agradável e útil. Quem não aprecia? Podemos desenvolver a concentração enquanto dançamos, por exemplo.

 

 

 

 

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publicado às 16:28

RE aprender a Vida

por Zilda Cardoso, em 23.03.12

Qual é o momento em que nos devemos considerar velhos? Aos 60? Aos 70? Aos 80?

Não será importante, mas o que é essencial é sermos considerados todos, independentemente da idade, pessoas com os mesmos direitos e obrigações.

Sempre tivemos capacidades diferentes e por isso podemos, todos nós, trabalhar em diferentes áreas e obter resultados distintos. Somos estruturalmente diferenciados, mais ou menos aptos para diversas acções, tanto física como mentalmente.

É natural e é útil que seja assim, em razão da forma como estamos organizados em sociedade.

O que não é natural nem aceitável é permitir que a palavra velho se encha cada vez mais (porque a esperança de vida, vai aumentando) de conotações desagradáveis que levam à rejeição dos mais velhos pelos mais novos, mesmo estando a viver na mesma casa.

A rejeição vai até ao ponto de serem considerados um peso, (“estamos a trabalhar para sustentar os reformados e não sei até onde podemos aguentar”, dizem os novos).

As ideias de uns e de outros têm que ser alteradas profundamente. Os mais velhos têm possibilidade de trabalhar de acordo com as suas preferências e isto, sim, é uma vantagem concedida, um privilégio, talvez uma forma de compensar todo o trabalho que fizeram com sacrifício durante anos.

Para isso, é necessário manterem o cérebro activo tanto como o corpo.

 
 
 
 
 

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publicado às 09:46

Revolucionar a Educação

por Zilda Cardoso, em 17.03.12

 

 

Visitei em Oeiras um espaço magnífico que me deu muita esperança de que o mundo possa ser melhor daqui em diante.

O Espaço ou o Centro propõe “expandir e exercitar o corpo e o espírito, através da conjugação de técnicas inovadoras e ancestrais em complementaridade com as medicinas tradicional e alternativa, ferramentas tecnológicas de estimulação cerebral; e actividades lúdicas e recreativas”.

Um grande programa que parte de uma ideia excelente, concretizada num projecto já visível nas salas cheias de luz e de cor, abertas e divertidas, um lugar afastado do bulício da cidade, mas suficientemente perto para ser acessível a qualquer.

Fundamentalmente aprende-se a “pensar, olhar, crescer, envelhecer, comer, sentir… de outra maneira”. Não é salutar?

Tudo, no que respeita a educação tem estado a ser malfeito, nestes últimos anos. Então é necessário re-educar o corpo e a mente. Aqui, há ideias, programas e serviços para as crianças e para os jovens, para os adultos e para os séniores, e também para as famílias e para os técnicos da educação e de saúde. Todos são contemplados, todos devem estar bem.

Este ambiente amplo e alegre é o melhor para uma aprendizagem contínua e para a estimulação de novas competências. E valoriza a ”integração intergeracional e a dinâmica de grupo”.

É um espaço para actividades “cross ages”, dizem os responsáveis. De que modo? Pergunto, confusa.

Sei que a intenção é revolucionar a educação de crianças e de jovens e a forma de tratamento dos mais velhos, querendo integrá-los, activos e inteligentes, na sociedade a que pertencem.

É um longo caminho, mas vai valer a pena, considerando que, desse modo, uma parte importante da população deixará de ser indesejável e a sociedade beneficiará das suas múltiplas experiências e sabedoria.

Com a ajuda do Re-Age, aprenderemos a utilizar os dois hemisférios do cérebro em conjunto, tirando dele o melhor partido. Teremos crianças seguras de si e que se estimam e idosos seguros do seu valor que se estimam e são estimados. Uns e outros criarão melhores laços familiares e uma nova consciência social que integre valores de inclusão e respeito pelos mais fracos, favorecendo a qualidade relacional, valorizando o sentimento de família e a criação de projectos de vida ambiciosos…

 

 

 

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publicado às 07:44

Roteiro do Cérebro

por Zilda Cardoso, em 14.03.12

 

 

 

Tenho andado a ler com grande entusiasmo os livros de Gonçalo M. Tavares que são chocantes, mas muito bons.

Talvez os livros que se publicam actualmente devam ser chocantes. Estamos na era do cru e, se não for, não é verdadeiro, não pertence a este tempo, não faz sentido, não tem prémios nem referências de ilustres como livro sublime, livro da década, livro do século, um grande livro… e por aí fora.

Aquele de que mais gostei foi Uma Viagem à Índia, de que ainda me não recompus, como soi dizer-se. Impressionou-me enormemente; caminhei nas nuvens vários dias;  senti-me a revisitar a “mitologia cultural e literária do Ocidente” como e com Eduardo Lourenço, entre outros sentimentos e emoções.

Fiquei fascinada com a versão de caos que o autor mostra e em que nos faz participar. Vivemos perfeitamente no caos, temos experiência disso. Fiquei surpreendida com o paraíso da viagem que todos esperamos e nunca vamos encontrar, o paraíso, claro. No fim da viagem. Mas continuamos a empreendê-la, a começá-la; na verdade, a caminhar sem lá chegar. Com esperança aconchegada e escondida na algibeira.

A epopeia (genial ideia, esta forma) é uma maneira credível de relatar a bela fuga do herói, tanto ou mais do que um romance. Ou o motivo da viagem: foi apenas um crime num mundo de agravos e delitos, de transgressões e de violações, de malfeitorias e de coimas. Apenas um.

A chegada à Índia, ele chegou à Índia, pois… Que poderia este herói procurar na velha terra de promissão? Ele diz: sabedoria e esquecimento. Talvez seja. E terá ficado decepcionado.

Mas não era isto que eu queria dizer. Não era nada disto.

Queria falar do cérebro. Diz o dicionário de psicologia que o cérebro é o coroamento das vias nervosas; está ligado ao resto do corpo por meio da espinal medula, do bulbo raquidiano, do cerebelo e dos seus doze pares de nervos cranianos. A base é constituída pelo tronco cerebral.

Fiquei muito baralhada. Fui procurar no Gonçalo M. Tavares e ele é muito mais expressivo: chama-lhe o instrumento de percepção do mundo. A cabeça abunda de capacidades e de desvios surpreendentes, mas o importante é o caminho central: o cérebro serve para não nos deixarmos matar. Tem a forma e a função de uma arma, nada mais.

Foi então que decidi fazer o roteiro do cérebro proposto  pela Porto Cidade de Ciência nos dias 16 e 17, 23 e 24 deste Março. Vamos visitar laboratórios, faculdade de medicina, hospitais psiquiátricos, departamento de investigação de produtos farmacêuticos, faculdade de psicologia, laboratório  de neuropsicologia.

Se, depois de toda essa actividade, eu ficar a compreender que o cérebro é a mais complexa estrutura viva que conhecemos,  conto. Se.

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publicado às 21:26

Festa à maneira do Porto

por Zilda Cardoso, em 10.03.12

 

Quem disse que a cidade do Porto é granítica, cinzenta, húmida…?

Quem disse não passou por aqui hoje… não passou há muito tempo.

A cidade está animadíssima, primaveril, cheia de sol e de gente jovial, vestida de outra maneira. Gente que sorri porque sim e não há nada que a faça mudar.

A luz intensa inundou todos os recantos e também o rio e depois as ribeiras e depois o mar, e os castelos e as praias e o coração das pessoas. E os pensamentos.

Os portuenses ficaram luminosos. Os portuenses apreciaram.

Houve a regata do Infante dividida em duas, de skippers - uma de manhã

 

 outra à tarde - 34 barcos apresentaram a vela à cidade desde a marina de Leça até ao rio Douro. 

 

 


 O Palácio de Cristal estava num grande entusiasmo: somos doidos por camélias e havia uma exposição e concursos, trabalhos das escolas e prémios.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Era o dia da abertura das exposições nas galerias de arte da rua Miguel Bombarda e as pessoas circulavam em toda a zona, também as crianças que viam os dinossauros feios e monstruosos – a única coisa fora do tom. Estudantes de capa e batina, não descobri o que havia hoje com eles, aumentavam a excepcional dinâmica do lugar.

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publicado às 18:28

O mito do Cargueiro

por Zilda Cardoso, em 09.03.12

 

 

 

 

 

Estas realidades vistas da minha varanda lembram-me o culto messiânico do Cargueiro: os Melanésios pensam que os Brancos vivem na profusão, sabem capturar as mercadorias que lhes estão destinadas, a eles Melanésios, pelos seus antepassados retirados para os confins do mundo. Mas virá um dia em que os Brancos fracassarão e os antepassados dos Melanésios voltarão com a carga miraculosa e eles deixarão de ter necessidades.

 

 

 

 

Tudo isto é citado no livro de J. Baudrillard, A sociedade de consumo, tradução publicada pelas Edições 70 em 1975.

"Os indígenas da Melanésia sentiam-se maravilhados com os aviões que passavam no céu. Mas tais objectos nunca desciam até eles. Só os Brancos conseguiam apanhá-los. A razão estava em que estes possuiam no solo em certos espaços objectos semelhantes que atraíam os aviões que voavam. Os indígenas lançaram-se então a construir um simulacro de avião como ramos e lianas, delimitaram um espaço que iluminavam de noite e puseram-se pacientemente à espera que os verdadeiros aviões ali viessem aterrar."

"... o miraculado do consumo  serve-se de todo um dispositivo de objectos simulacros e de sinais característicos de felicidade, esperando em seguida (no desespero, diria um moralista) que a felicidade ali venha poisar-se."(J. B.)

 

 

 

Vamos reflectir seriamente sobre os benefícios do consumo. A opulência será, como se diz, a acumulação dos sinais de felicidade? Digam-me o que pensam.

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publicado às 11:27

O meu Avô Francisco

por Zilda Cardoso, em 05.03.12

Era uma pessoa muito doce e tranquila que transportou consigo até ao fim a saudade da sua terra, seca e agreste, só fraga como ele dizia, mas onde eram produzidos os melhores e mais saborosos acontecimentos do mundo.

Veio viver connosco, deixando o resto da família e os amigos, a sua casa perto do Castelo, as terras e as árvores, os seus animais, o que apreciava e o que não, para uma vida mais confortável e menos inquieta na cidade. Em nossa casa.

Não creio que tivesse sido uma desilusão para ele, nem sempre a aldeia é o melhor lugar para viver,mas foi uma grande mudança na sua vida, uma enorme diferença. Ele gostava de estar connosco, de participar da nossa vida, de ser útil. Era um pilar, vigilante, atento, interessado. Todos o respeitavam, o amavam. Como se fosse o digno representante de uma vida anterior que não voltaria.

Eu era a que nasceu depois de ele chegar, beneficiei mais do que todos da sua companhia e dos seus ensinamentos.

 

Tínhamos as nossas divergências. Por exemplo, ele achava que eu devia ter frio de Inverno. Eu nunca tinha frio sobretudo porque me picavam as roupas de lã, picavam mesmo, e eram insuportáveis. De modo que só usava roupa de algodão que na época era muito fina e própria do Verão. Por alguma misteriosa razão, não constipava e ainda não constipo, eu tinha razão, mas em tudo o mais era ele.

 

Passeávamos pela cidade os dois, íamos dar pão aos patos na Cordoaria e voltávamos a pé pelos mesmos caminhos. Era a nossa ginástica e fazíamo-la em conjunto.

A parte espiritual também era à nossa maneira.

Ele ensinava-me as orações que eu devia recitar à noite, sem falta, e aconchegava-me a roupa - o que tem para mim um grande valor espiritual.

Frequentávamos ambos a Igreja da Lapa onde ouvíamos a missa das 10 com o excelente Padre Luís, pouco demorada, destinada às crianças impacientes. Ficávamos sempre no mesmo lugar, um banco corrido logo depois da cancela que separava o vulgo da gente importante. Ninguém lhe disse nunca para ficar ali, mas era uma escolha dele, sempre modesto e moderado, e eu continuei depois a ir para o mesmo lugar, seguindo-lhe as pisadas. Acho que mudamos de lado, uma vez, da direita passamos para a esquerda, ou o inverso, e tudo continuou nos mesmos termos.

No Natal, o ponto mais alto do dia ou da noite era aquele em que o Avô se levantava e à distância (era muito importante a distância) cantava as canções do Natal da sua terra do Coa, a mesma onde terão habitado árabes e visigodos, e onde foram descobertas gravuras do Paleolítico e possivelmente da Idade do Ferro.

E contava histórias, naturalmente, muitas histórias que lhe tinham contado, aquelas que inventava e as que vivia. Algumas eram divertidas outras trágicas, umas de bruxas e lobisomens, umas de terror e de fantasmas.

Eram os seus filmes.

 

Eu... adoro aquela terra onde voltei algumas vezes - o pão e as bolas do dia da fornada eram cozidos no forno comunitário, uma vez por semana apenas para ficar mais barato. O forno era aceso num dia determinado e a forneira avisava as pessoas, que estavam destinadas a cozer o seu pão naquele dia, do momento em que podiam trabalhar a massa lêveda e levá-la para o forno, cada peça marcada pela dona com um sinal, por causa de confusões com outras que talvez não tivessem sido tão bem trabalhadas. Porventura não sei explicar...

O pão de trigo e o de centeio, cereais cultivados e moídos ali, eram moldados em bolos grandes donde se cortavam as fatias para ir comendo com azeitonas, com presunto, com queijo. E de que se faziam as migas tão da preferência do meu Pai. As migas era uma espécie de sopa feita com fatias de pão finíssimas que se colocavam numa tigela e depois eram regadas com um caldo muito quente com alho ou um refogado de tomate ou de bacalhau.

As pencas e os outros legumes eram deliciosos e usavam-se e sabiam bem na noite de Consoada, véspera de Natal. Os enchidos eram especialmente bem feitos e duravam todo o ano, conservados ao fumo da lareira.

O meu Avô adorava estas coisas e eu passei a apreciá-las, seguindo o seu exemplo.

Aprendi a gostar de coisas simples: de passeios a pé, de aldeias históricas, pitorescas, primitivas; de Castelo Melhor, do rio Coa, das amendoeiras em flor e, sobretudo, das oliveiras cuidadosamente podadas e azuis. Apreciei as caminhadas em Castelo Melhor para o Castelo em ruínas donde podia apreciar o mundo todo em redor – um fascínio.

 

Foi graças a ele que aprendi uma coisa muito importante: o mundo, afinal e apesar de todas as contrariedades, é um lugar onde vale a pena viver. Se não formos muito exigentes, vemos as coisas boas que ele tem.

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publicado às 18:20

Solidariedade entre gerações

por Zilda Cardoso, em 04.03.12

 

 

 

Saber que este é o ano europeu do envelhecimento activo e da solidariedade entre gerações só é importante porque o tema é do interesse de toda a sociedade e merece por essa razão ser discutido.

É actual, portanto.

E conveniente.

É conveniente e oportuno por ser este um momento de crise que não é especialmente económica – merece uma revisão total das ideias aceites há muito e que nos levaram já tão longe quanto não desejávamos ter ido.

 

Quero dizer, temos recebido e gozado os benefícios dos regimes muito evoluídos economicamente, mas começamos há algum tempo a conhecer o reverso da medalha e a sofrer os prejuízos. O que nos leva a crer ou a julgar que estamos a exagerar nos desejos de abundância e de democracia. E que nos devemos inquietar.

 

Há muitas pessoas que estão a preocupar-se. E a não ficar apenas pela preocupação, felizmente.

 

Foi apresentado por Mário Crespo na Gulbenkian um livro com textos de Laurinda Alves e fotografias de Isabel Pinto que fala de sete projectos que em Portugal foram apoiados pela Fundação.

Rui Vilar falou com carinho e interesse nestes empreendimentos que foram desafios bem sucedidos e aconteceram, estão a acontecer, em Lisboa, em Aveiro, em Beja, em Bragança, em Foz Côa e em Leiria.

 

Vou falar muito sobre o tema – quero transformá-lo na minha CAUSA para os próximos anos; neste momento, reproduzo algumas palavras de Laurinda Alves a partir do livro Entre Gerações:

 

“A solidariedade entre gerações nem sempre é espontânea, mas pode ser construída. Ensinada, aprendida, treinada e estimulada de forma a haver mais continuidade e proximidade entre gerações”.

 

“A partir dos 60 não criamos filhos, não estamos em período de construção profissional e, talvez, já não estejamos numa fase de descoberta amorosa”, dizem os que vão avançando na idade”.

 

“Convém afinar o olhar e perceber que a idade maior pode não ser só um período de declínio”.

 

“Sabemos que há diferentes maneiras de envelhecer…”

 

“Numa sociedade que cultiva o mito da eterna juventude e ignora, desvaloriza ou despreza os idosos, é importante não ter ar de velho. Como é que isso se consegue? Tentando permanecer curioso, móvel, autónomo, presente e próximo. Como é que isso se faz? Com a ajuda das gerações mais novas, até porque estas vivem na crença de que são eternas e invencíveis”.

 

 

(A imagem representa a capa do livro de que se fala, com fotografia de Isabel Pinto - é um avô e uma neta da zona de Foz Côa em amorosa interacção. Talvez sejam de Castelo Melhor, origem de alguns dos meus ancestrais. O vaso do coração natural, que eu rego e acarinho todos os dias, foi-me oferecido por uma grande amiga a quem presto homenagem).

 

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publicado às 09:24




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