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Singular Retiro

por Zilda Cardoso, em 29.01.12

 

 

  

Estive uns dias em Lisboa, a semana passada, quatro dias extremamente proveitosos e agradáveis. Talvez pudesse passar o resto da minha vida assim…

Tudo o que fiz, gostei de fazer e o que não fiz, não me importou.

Estive em casa de jovens amigos muito interessados na filosofia budista, tentando dar coerência à sua vida. Quero dizer, fazendo coincidir os seus pensamentos com as suas acções ou tentando agir de acordo com os seus pensamentos. Tentando ter bons pensamentos.

JÁ VERIFIQUEI QUE É MUITO MAIS DIFÍCIL DO QUE PARECE.

No entanto, num ambiente como aquele em que vivem, é possível. Eles experimentam “libertar” os pensamentos, no sentido que lhe dá Matthieu Ricard: de modo que não deixem traços no espírito, que não engendrem facilmente uma reacção em cadeia. Um pensamento de desprazer transforma-se facilmente em animosidade, mais tarde talvez em ódio e acaba por invadir o espírito de tal modo que não podemos deixar de o exprimir por palavras e por acções. Prejudicamos assim os outros e perdemos a nossa paz interior. É isto que eles tentam não fazer.

Pelo que entendi, pela meditação trabalham o espírito de modo a identificar os pensamentos perturbadores e a dissolvê-los. Importa descobrir não o que desencadeou esses pensamentos, mas a causa primeira do pensamento, a fonte do pensamento, e examinar em seguida o mecanismo pelo qual os pensamentos surgem no nosso espírito”.

É todo um processo que, quando se torna natural - entende-se depois de uma longa prática -, aquele tipo de pensamentos deixa de nos perturbar e de nos constranger, de nos escravizar. “Formam-se e desaparecem como um desenho traçado com o dedo na superfície da água”, nas palavras de Ricard. Trata-se, é claro, dos pensamentos que desencadeiam o desejo, a arrogância, o ciúme, o medo… De maneira geral, devemos libertar-nos de pensamentos discursivos – atingir, mesmo que por momentos, o estado de iluminação.

Não é fácil para quem foi educado e vive uma cultura que totalmente se opõe a esta sabedoria. Porém, não há dúvida que a maioria de nós prefere ter paz interior e não vontade de destruir, de odiar, de desprezar, de ter desejos que nos confundam. Talvez venhamos a pensar que é preferível não possuir e não dominar, se isso nos levar a ter emoções perturbadoras.

Tenho muito que estudar um tema que me interessa sobremaneira, porque se aplica directamente à nossa maneira de viver com os outros, e é isso que temos de fazer todos os dias.

Gostei dos dias de convívio e de conversa com estes jovens que aspiram naturalmente à simplicidade. Fui com eles ao cinema ver Os Descendentes e ouvi os seus comentários interessantes, tomei refeições vegetarianas e outras pouco-mais-ou-menos, tirei ramos secos dos arbustos do jardim, olhei a paisagem da varanda das traseiras, falei via skipe com a minha neta agora londrina, vi algumas casas ex-velhas belamente recuperadas no centro da cidade com vista deslumbrante para o Castelo, fui à praia vê-los felizes a deslizar nas ondas, passeei na tapada do Palácio das Necessidades e não tirei fotografias aos fantásticos cactos porque a minha famosa máquina estava totalmente descarregada. E last but not least, encontrei-me e conversei longamente com uma grande amiga de quem sentia saudades.

Não foi um programa extraordinário!? E tão bom!

 

 

 

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publicado às 17:42

Sol de Janeiro

por Zilda Cardoso, em 28.01.12

 

Estou tão receosa de que acabe este Verão que saio logo de manhã e aproveito o dia até que ele se vai ali no mar ao longe ligeiramente à esquerda.

Hoje saí com uma amiga, excelente fotógrafa e também apreciadora da cidade, do rio, da passarada, da luz, das sombras das árvores projectadas na areia... Ela sabe de transportes públicos e de caminhadas semi-pedonais e a pé por caminhos de arvoredo. Compreende bem as travessias de barco-traineira para a outra margem; sabe de feiras e de mercados de rua, de castelos abandonados e de ruínas de fábricas maltratadas e sem dono.

 

 

   

 

Sabe mesmo de lavadouros públicos e de varais para estender a roupa a secar ali na rua.

 


 

 

 

Ela sabe tantas coisas!

Conhece as mais fotogénicas aves selvagens, as horas e os tempos do ano em que é possível surpreendê-las por aqui e fotografá-las. E sabe onde há rochas com formas humanas e humanos com forma de rochas!

  

 

 

 

Ela vai traçar itinerários e mostrar estas coisas secretas a quem tiver interesse em vê-las e as aprecie.

Vai dizer como se vive nesta mini-cidade de beira-rio na margem direita e na margem esquerda do Douro e o que fazem os pescadores nas suas extraordinárias casas verdes com caixas do correio de brinquedo sobre os muros de jardim decorado com escadas de pedra alcatifadas de musgo fresco.

Vai mostrar isso por pouquíssimo dinheiro, prestando um serviço à cidade.

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publicado às 17:31

A Cidade das Camélias

por Zilda Cardoso, em 26.01.12

 

 (imagens da Internet)

 

O Porto não é só esta cidade luminosa que em Janeiro, pleno Inverno, tem dias solheiros até às 5 da tarde, de esplêndida temperatura; uma beira-rio de sonho com passarada exótica; areia tostada, mar e céu azul e todo o tipo de barcos circulando (no azul do mar ou do céu?) em direcção ao porto; e um vermelho de fogo no horizonte ao fim de um dia de manhã dourada, deliciosamente fresca e prometedora.

Desconhecia este Porto, embora aqui tivesse nascido e vivido sempre.

Sei, acreditem, que não é isso. É também o de um património construído riquíssimo, antigo e moderno, o dos arquitectos mais inteligentes do mundo, o dos presidentes mais sensatos da fundação mais importante de Portugal, o de poucos políticos e de alguns industriais clarividentes, o dos jardins cheios de plantas verdes e delicadas de Inverno; é o da Casa da Música e o das singulares exposições de Serralves.

É também a cidade das camélias, a primeira cidade europeia das camélias.

Mesmo os jardins das casas mais modestas têm a sua japoneira, a árvore que dá as camélias japónicas. Vieram da Ásia no século XIX e foram tão acarinhadas aqui que foi criada uma delegação portuguesa da International Camellia Society já em 1890. Parece que temos 3.000 tipos diferentes de camélias brancas, de cor rosa, vermelhas, matizadas e amarelas, muito pequenas ou enormes, com pétalas singelas ou em regulares e profusas camadas. Várias espécies dão o chá (sobretudo a C.sinensis) e há óleo de camélia usado como combustível.

Este ano, a Câmara Municipal organiza a XVII Exposição de Camélias em Março no Palácio de Cristal.

Recordo-me das exposições que sempre me fascinavam no Mercado Ferreira Borges, e de ter sido totalmente apanhada por algumas azuis, de complicada arquitectura. Dizem os especialistas que não há camélias azuis, mas eu tenho-as visto pelo menos azuladas e admirado.

Posso dizer que apenas aprecio as flores e a folhagem verde escura e brilhante, as árvores não são esteticamente bonitas.

 

 

 

 

 


 

 

 

 

Conde de Cabral

 

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publicado às 11:30

A causa do sofrimento

por Zilda Cardoso, em 23.01.12

 

 

A qualquer ser humano interessa descobrir a causa do sofrimento, seu e alheio.

 

O progresso da Ciência, da Medicina, por exemplo, pode temporariamente permitir-nos viver melhor, mas o sofrimento volta em razão do mesmo golpe ou de outro e culminará inevitavelmente com a morte. O que a sabedoria budista nos pode dar é “uma paz interior que não depende da saúde nem do poder nem do sucesso; que não depende do dinheiro nem dos prazeres dos sentidos.”

De que depende?... pergunto eu.

E procuro a resposta nas palavras de Ricard.

A nossa paz interior dependerá de importante mudança do nosso espírito.

E para mudar o nosso espírito é necessário compreender os mecanismos fundamentais da felicidade e do sofrimento – o que o budismo faz desmontando esses mecanismos.

 

E pela análise e pela contemplação, chega às causas profundas do sofrimento.

Que são…?

O sofrimento é uma insatisfação profunda que pode ser associada à dor física, mas é antes de tudo uma experiência do espírito - diferente conforme quem o sente e a disposição de espírito de quem o sente. Mesmo os sofrimentos físicos intensos podem ser vividos de maneira desigual por diferentes pessoas.

 

O nosso mundo não pode trazer-nos senão satisfações efémeras: o poder, os bens, os prazeres dos sentidos, a fama não são fonte de satisfação permanente. Quer dizer, em termos budistas, o mundo está impregnado de sofrimento. Isto é uma constatação para a qual procuraremos remédios.

Numa primeira análise, o sofrimento nasce do desejo, do apego, do ódio e do ciúme, da falta de discernimento, enfim de todos os factores mentais negativos que e porque perturbam o espírito e o mergulham num estado de confusão e de insegurança. São emoções negativas que nascem da ideia de eu, um eu que acarinhamos e queremos proteger a todo o custo.

Quando o eu se sente ameaçado e não obtém o que deseja, sofre.

Parece-me perfeitamente normal que queiramos acarinhar o eu, mas estou enganada, não deve ser assim se não quisermos sofrer.

Este eu não tem qualquer existência real. Por isso, é considerado ignorância não desmascarar a impostura do eu: a incapacidade momentânea de reconhecer a verdadeira natureza das coisas.

O que importa é que esta ignorância provoca emoções perturbadoras e é a causa última do sofrimento.

 

 

 

 

(Continuo a seguir o livro Le moine et le philosophe, em que o monge é Matthieu Ricard, e o filósofo Jean-François Revel).

 

 

 

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publicado às 20:38

aquela filosofia antiga

por Zilda Cardoso, em 23.01.12

 

Volto àquela filosofia antiga que se tem feito moderna no Ocidente nos nossos dias.

 

E como estamos e sabemos estar num momento crítico que começou por ser uma crise económica e financeira e continuou até uma crise generalizada e é sobretudo de valores, penso ser ocasião de escolhermos o mais importante, o mais simples, o essencial.

 

Não é verdade?

 

Tanto quanto julgo saber, o budismo não é como eu pensava uma “sabedoria da passividade e da inacção indiferente ao governo da cidade e da sociedade”, como diz Matthieu Ricard, mas tem “uma dimensão humana, social e política” e é isso que me interessa e nos interessará.

 

Os tibetanos budistas sofreram uma forte agressão militar no seu país pacífico todo dedicado à vida espiritual, o que é inteiramente inaceitável. Seis mil conventos foram destruídos (a quase totalidade), e as bibliotecas incendiadas; sofreram tortura e extermínio, mas continua a restar-lhes a esperança de recuperarem a independência do seu País e a sua cultura milenar. É, pelo menos, tocante ou seria... se não fosse forçoso reconhecer que os tibetanos têm uma força de alma que nada pode destruir.

 

Os mestres tibetanos têm uma vida coerente com a doutrina que ensinam e, se há santos na terra, serão eles.

 

E é a perfeição da sua vida que é inspiradora. A perfeição, quero dizer, a coerência do que ensinam com a sua maneira de ser e de viver: possuem realmente as qualidades humanas que apregoam como essenciais – a bondade, o altruísmo, a sinceridade. E, desse modo, estão em paz consigo.

 

Quantas vezes, uma vedeta que admiramos pelo seu talento para a música ou para o teatro, para a literatura ou para a pintura tem uma vida particular absolutamente execrável!? O talento serve-lhe para se engrandecer num determinado tipo de conhecimento, mas não lhe serve para a vida, quero dizer, não faz dessa estrela um melhor ser humano.

 


Esta constatação que fazemos todos os dias pode alertar-nos para uma espiritualidade próxima de nós, entendível, respeitável, podendo ser aceite por um espírito crítico e que tem uma dimensão moral.

 

Por isso, é minha convicção que este momento crítico na nossa sociedade pode ser um momento revolucionário e é, sem dúvida, a oportunidade de pôr, mais uma vez, tudo em causa e procurar a verdade, não a verdade científica que essa envelhece, como sabemos, (já que uma nova descoberta pode invalidar a anterior verdade tornando essa verdade não-verdade), mas uma procura baseada numa tradição metafísica milenar que se dirija às questões fundamentais da vida.

 

É ocasião de aceitarmos que alguém nos diga como viver se queremos ser melhores seres humanos.

 

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publicado às 12:42

naïf e não-naïf

por Zilda Cardoso, em 10.01.12

 

Como acontece com outros temas, arte é muito difícil definir e os artistas tremendamente difíceis de classificar. Desde há muito que me dei conta das dificuldades de arrumar um artista como naïf mesmo possuindo alguns dos atributos mais relevantes dos naïfs. E então como posso pensar em alguém que não tendo formação académica na área artística tem as outras qualidades do artista naïf? Será um artista amador, um diletante, que descobriu uma actividade que lhe permite dar satisfação a um impulso criador profundo e que ele pratica com paixão e prazer? E talento?

Muitos são sonhadores, poetas, sentimentais. Outros não se separam da realidade do mundo em que vivem, não são visionários, pelo contrário, são muito racionais. Continuarão uns e outros a poder ser chamados naïfs?

Estas reflexões vêm a propósito de uma exposição de pintura que está presentemente numa pequena galeria de arte, na rua de Costa Cabral, no Porto. Depois de ter estado a falar de pintura naïf como classificaria esta pintura?

Amélia Queiroz gosta de contemplar à sua volta e de dar forma ao que vê. Foge talvez à monotonia das suas ocupações quotidianas e, com a pintura, dá um novo interesse à sua vida. Aprecia a sua cidade e reprodu-la nas telas, criando cenas que agradam – a beira-rio, as pontes velhas, os barcos rabelos – uma espécie de folclore urbano.

Não tendo frequentado a Escola de Belas-Artes - a sua formação académica é noutra área - estudou com professores particulares e possui uma técnica que vai aperfeiçoando, mas, sobretudo, adoptou para os seus temas, técnicas e estilos tradicionais.

Aprecio particularmente o retrato de Amália Rodrigues que diz muito da que foi a cantora mais brilhante do nosso tempo – exuberante, alegre, cheia de entusiasmo pela vida, segura de si, bonita. O trágico do fado que ela cantava de forma incomparável não está neste retrato.

Ainda bem que a conheci assim… É ela que vejo ali com a alegria que vem de dentro e do mais fundo; e também é a que ouvi cantar e vi representar com essa força e exaltação feliz.

Um excelente retrato que salta da tela e nos acompanha e que ficamos a ver ou a evocar muito depois de nos afastarmos dali.

 

 

 

 

 

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publicado às 13:20

Isabelino, pintor naïf?

por Zilda Cardoso, em 08.01.12

Será Isabelino um pintor naïf?

 

 

(O Piquenique, que podem ver exposto na Vantag)

Depois de estudar as características dos pintores naïfs, cheguei à conclusão de que Isabelino é  inclassificável. Tem algumas qualidades dos naïfs como a frescura e a originalidade, como se diz na Encyclopédie Mondiale de l’Art Naïf,  “os seus espantosos quadros situam-no algures entre as florestas do Douanier Rousseau e Le Jardin des Délices, de Jerôme Bosche”. Portanto, no mundo dos naïfs e não apenas nesse.

Tem uma profissão burocrática, é ou era contabilista na Universidade do Porto, trabalho muito retilínio e seco que condiz com um mundo de que parece querer escapar para um mais poético e imaginativo.

E encontrou-o na pintura para a qual não tinha formação adequada, quero dizer, artística.  Aí entra uma certa “naïveté”, e ele cria como sabe ou como o adivinha um mundo de sonhos e de pesadelos sempre em contraste as cenas de terror e de tentação com ambientes floridos, pacíficos, povoados de pássaros e de árvores perfeitas de belíssimas cores; e cenas de prazer e amor em ambientes de perigo. É bom estar sempre de sobreaviso!...

A segurança com que trata os temas é instintiva, por isso, original, a composição da obra, o sentido do espaço, o tratamento dos personagens não foram ensinados em nenhuma escola.

Isabelino tem uma cultura livresca ao contrário da maioria dos naïfs, usa-a, por isso não é tão espontâneo como os genuínos naïfs. De qualquer modo, tem as suas obsessões e desejos de libertação – há mesmo o libertador de pássaros, um belíssimo quadro em que ele faz o seu personagem ajoelhar no prado florido, enquanto abre a gaiola e acarinha as aves antes de finalmente as libertar. Os pássaros vão pousar ali perto nos ramos de árvores redondas, suavemente coloridas ajudando à beleza parasidíaca do lugar - um paraíso perdido?

O Piquenique é tão saboroso e mágico que nenhuma realidade o poderá alguma vez superar. Vale a pena observar com tempo e com interesse, é um fascínio.

O Circo é muito inspirador - eu vejo nele, embora muito perfeito, algo de mais ingénuo que em qualquer dos outros que conheço. Seria sua ambição entrar nesse mundo?

Os seus quadros são sempre simbólicos: ele quer ensinar alguma coisa importante e não apenas criar um mundo de sonho para seu e nosso prazer. Isso para mim, valoriza extraordinariamente o seu trabalho.

 

 


(O Circo também pode ser visto em exibição na Vantag Galeria).

 

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publicado às 16:41

natureza morta ou ainda viva ou nunca viva?

por Zilda Cardoso, em 08.01.12

Édouard Manet (1832-1883)Flores numa Jarra de Cristal, c. 1882 

A natureza morta – designação sem-sabor, prefiro “still-life – é um tema recorrente na pintura europeia. A Gulbenkian expôs em 2010 obras realizadas até 1840, mostra excelente de que falei na ocasião, e este ano, termina hoje, uma outra exibição de obras sob o mesmo tema, desde essa data até meados do século XX.

 

Talvez a 1ª parte da exposição fosse mais espectacular do que esta  que, no entanto, está extraordinariamente bem organizada, e é apresentada em núcleos que facilitam a visão e a circulação dos visitantes que se movimentam a seu bel-prazer sem itinerário imposto ou sequer sugerido.

 

Tinha muita vontade de trazer para casa algumas das belíssimas obras dos artistas que mais estimo, trazer por um tempo. De modo que, como isso não foi possível, deixei lá os meus olhos: os meus olhos ficaram nelas. Adorei uma jarra de cristal com rosas brancas de Manet, objecto pequeno, simples, frágil, precioso.

 

Diz o apresentador que ouvi, comissário da exposição, que o seu propósito foi fazer o espectador mudar de ideias quanto ao interesse de obras que reproduzem exactamente a realidade e que faziam a admiração senão o êxtase de quem as observava: a fotografia  consegue fazer isso muito melhor. A pintura não pode continuar a ter como objectivo a criação de uma verosimilhança com a natureza.

 

Num dos núcleos, é apresentada uma fotografia de Charles Aubry e uma pintura de Gustave Courbet de um cacho de uvas brancas – haverá encontro ou choque entre a pintura e a fotografia? Qual das representações é mais real?

 

A fotografia mudou as regras da pintura, diz.

 

A exposição mostra muito bem, não apenas esta mudança no conceito básico da pintura depois do aparecimento da fotografia, como um quadro sinóptico dos acontecimentos de ordem histórica, política, filosófica… que os relaciona ajudando a compreender a mudança total que ocorreu nas nossas vidas e nas nossas reflexões nesse que foi um período de grande dinamismo social e cultural. Foram invenções como o caminho-de-ferro, a luz eléctrica, e ideias como o fascismo, o comunismo e talvez e sobretudo a psicanálise de Freud…

 

Impressionaram-me a natureza bem morta de Magritte de 1935, perturbante retrato que é um olho como um ovo estrelado servido num prato sobre uma mesa com garfo e faca; a de Soutine de 1926 de um pedaço de carne crua a escorrer e, moderadamente, o cesto de limões de cor murcha de Van Gogh de 1888. Também me afetaram as naturezas mortas que nunca foram vivas: a de Braque de 1912 – um violino de papel colado em papel e carvão e a de Juan Gris de 1917 que representa um tabuleiro de xadrez.

 

Há ainda uma surpresa: a presença nesta exposição dos artistas portugueses – Amadeu de Souza-Cardoso, Eduardo Viana, Mário Eloy e Maria Helena Vieira da Silva.

(imagem da Internet por gentileza da National Gallery of Art, Washington)  

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publicado às 09:15

O que é arte naïf?

por Zilda Cardoso, em 06.01.12

 

 

 

(Manuel de Carvalho, O Mercado do Peixe)

  

O que é arte naif?

É arte primitiva moderna? Artesanal? Marginal? Bruta? Arte popular? “Avant-garde”?

Talvez seja um pouco tudo isso, talvez não seja nada disso.

As academias fundadas no século XVI em Itália eram organizações profissionais “que asseguravam a aprendizagem, precisavam competências e as normas técnicas, determinavam os preços e “mantinham as estruturas hierárquicas no seio da profissão”. Os pintores pertenciam a essas corporações como quaisquer outros profissionais.

Em Inglaterra existia um importante mercado de obras naif no século XVIII e em 1762 uma grande exposição foi organizada pelo pintor Hoggarth.

J.J. Rousseau nos fins do século XVIII proclamava em França com grande sucesso e escândalo “a virtude do homem naturalmente bom” mas que o progresso das ciências e das artes tinha corrompido.

O sentimento é mais importante que o saber livresco, dizia-se.

Começou a surgir o desejo bem nítido de afastamento de academismos e a procura de espontaneidade e frescura nas obras de arte, especialmente, na pintura.

Passou a ser privilegiado o autodidata sincero embora desajeitado sem conhecimento do que fosse a “ordem estética saída do “Cinquecento” que regia ainda as academias. O discurso de Rousseau foi determinante, embora as academias redobrassem de vigilância acerca do cumprimento das regras convencionais, e continuassem a ser criadas em toda a Europa e na Rússia.

Nos finais do século XIX, a coexistência entre académicos e a “avant-garde” já não era possível. Surgiram os Impressionistas, os Pós-impressionistas, os Fauves… cujas obras longamente contestadas acabaram por ser aceites e expostas no Salão dos Independentes, no Salão de Outono e noutros. Era a arte moderna, a arte dos que pensavam que tinham o “direito de tudo ousar” (Gauguin), direito que os naïf também haviam conquistado.

Apareceu em França um artista extraordinário - Henri Rousseau, um naïf que confraternizava com os de “avant garde” ou nova vaga. No entanto, o público só considerou as obras naïf verdadeiramente valiosas muito depois da morte de Rousseau , verdadeiramente quando em 1961 foi organizada uma grande exposição retrospectiva do pintor.

O grande sucesso junto do público fez com que as obras proliferassem, o que pode significar que muitos pintores fabricavam arte naïf não com sinceridade e espontaneidade e porque era assim que gostavam de pintar, mas para agradar a uma grande clientela.

No entanto, penso que não é muito difícil reconhecer uma obra verdadeiramente naïf, muito especialmente se se conhecer um pouco a biografia do autor. De maneira geral, apenas começa a pintar com a idade da reforma de qualquer tipo de trabalho, obedecendo a um forte impulso interior e para seu próprio prazer. Escolhe os temas e as técnicas, pinta como quer, não frequentou nenhuma escola artística, segue exemplos de livros e de revistas ilustradas e, à sua maneira, a tradição popular. Poderei dizer, apesar disso, que é muito individualista. Vem de um meio tradicional que não o satisfaz culturalmente e não tem acesso a uma cultura moderna senão talvez inventando aquelas formas e cores tão do seu agrado em composições organizadas a lembrar a tradição popular e recorrendo a elementos apenas decorativos.

Resultam em geral pinturas amáveis, poéticas, harmoniosas e cheias de fantasia de verdadeiros artistas, criativos sem formação académica, com dificuldades no desenho e no uso da perspectiva, mas com uma visão do mundo sorridente e simples.

 

Bibl.: Les peintres naïfs, José Pierre,  Fernand Hazan Éd. Paris,1983;

L'Art Naïf, Encyclopedie Mondiale, La bibliothèque des arts

 

(Augusto Pinheiro, Paisagem com Castelo).

 

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publicado às 18:01

uma visão uma colecção

por Zilda Cardoso, em 06.01.12

De Jorge Cardoso, recebi com pedido de publicação o seguinte texto que servirá de introdução às minhas considerações posteriores sobre pintura naïf:

 

 

1 VISÃO SOBRE 1 COLEÇÃO || JAN 2012

 

 

Com base neste conceito, uma pessoa é convidada a assumir funções de curador/comissário e escolher obras de uma coleção. Será desafiada a elaborar um texto que explicita essa “visão” e lança o debate com o espetador.

A 1ª convidada escolheu o universo da arte naif, e muito bem, dado ter sido esse o âmbito da 1ª etapa de vida da Galeria Vantag, na altura sob sua orientação.

Dois factores adicionais tornam esta escolha perfeitamente actual:

1) Tivemos acesso recentemente a um livro com aparente carácter de catálogo “raisonné” do célebre pintor naif portuense Isabelino; não só as cores nos pareceram muito fracas (e “injustas”) face aos quadros que conhecíamos como faltavam muitos dos melhores quadros de Isabelino, pertencentes precisamente à Coleção Vantag! São algumas dessas obras que agora se apresentam preenchendo assim uma grave lacuna deixada pelo referido livro.

2) A Vantag Bombarda apresenta também em Janeiro uma exposição de Vera Bettencourt que, sendo uma artista com formação em pintura na Faculdade de Belas Artes de Lisboa, recorre a uma linguagem pictórica aparentemente infantil… ingénua… “naïf”! Será interessante o confronto destas duas exposições.

 

 

 

 

………………………………………………………………………….

Comissária convidada: Zilda Cardoso

Coleção em análise: Vantag

 

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Aproveito para mostrar a imagem de uma belíssima pintura de Isabelino da colecção em análise.

 

 

 

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publicado às 15:44

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