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Recebi uma mensagem sobre o Palácio do Freixo que é actualmente uma excelente pousada no Porto. Trazia muitas fotografias e nenhuma dá ideia da beleza do Palácio. Conheço-o um pouco tal como está. E conheço-o em diversas fases da sua degradação pelo tempo. Claro que nunca compreendi como era possível deixar deteriorar uma obra tão rica, tão bem situada, tão pouco vulgar. Mas isso acabou.
Existe desde o século XVIII, foi desenhada e projectada por Nasoni e mandada construir pelo cónego D. Jerónimo de Távora e Noronha, senhor de muito dinheiro e bom-gosto e responsável da vinda do arquitecto Nasoni para esta cidade.
Mais tarde, o palácio foi vendido a um rico comerciante do Porto, brasileiro dos que voltaram, que levantou uma fábrica de sabão em anexo; e pertenceu depois a um alemão que fez da fábrica de sabão uma destilaria de cereais, destruída por um incêndio.
Tudo isto aconteceu ainda no século XIX assim como a compra do palácio e dos jardins pela Companhia de Moagens Harmonia que construiu uma fábrica de moagem a poucos metros do Palácio e um silo de grandes proporções.
Foi considerado monumento nacional em 1910 e comprado pela Câmara para um centro de formação profissional em 1986. De 2000 a 2003 foi restaurado segundo projecto de FernandoTávora e seu filho, arquitectos descendentes dos fundadores.
Recentemente cedido pela Câmara para instalação de uma pousada, tem um conjunto de edifícios invulgar: o palácio barroco com torreões e escadarias, uma balaustrada ornamentada, e quatro fachadas diferentes; a fábrica de moagem cor-de-rosa que não devia estar ali; os silos ainda menos, brancos e altíssimos; um edifício amarelo vivo quase colado ao cor-de-rosa; os jardins italianos dispostos em terraços e o rio que não foi ali construído mas passa por lá e modifica o ambiente; a piscina a transbordar e os outros terraços sem jardins onde se está bem para gozar a paisagem do rio, das pontes e dos montes da outra margem.
É em honra de S. Bartolomeu que todos os anos se realiza o cortejo dos trajes de papel que termina no mar da Foz do Douro. Os trajes representam muitas horas de trabalho e de imaginação, de paciência e de saber sobre papel frágil e colorido que no fim são sacrificadas às ondas.
À Junta de Freguesia da Foz cabe a iniciativa a que se juntam associações e colectividades culturais e recreativas. O mais original, penso eu, é o banho sacrificial e ritual que exorciza o mal. A água, nesse dia de S. Bartolomeu, milagrosa graças às virtudes do Santo, livrará quem o toma de várias doenças muito más.
Tudo isto é bonito e espero que continue.
Gostei de uma figura que vi desfilar com alegria, talvez a única. E, vejam, a personagem era Amália Rodrigues muito bem vestida de papel cinzento, decorado com algumas flores. Ela fazia os gestos adequados numa voz semelhantes à da cantora. Que bem que estava numa cidade que não é especialmente amadora de fado! A fanfarra ou as fanfarras ficaram para o fim. Apenas mostro uma ou duas imagens em honra do meu amigo e leitor habitual Marcolino que considerou a reportagem incompleta.
A verdade é que não queria mostrar e veja como tenho razão – as meninas estão mal vestidas, mal penteadas e sombrias. Eu gostava de vê-las como as jovens das claques no cinema americano a apoiar os clubes desportivos nos jogos escolares, tão entusiasmadas e enérgicas e arrebatadas com os seus pompons coloridos e brilhantes.
Mostro os representantes de algumas profissões: lixeiros, padeiros, fotógrafos ambulantes ou "à la minute", enfermeiras.
No domingo passado, houve festa por aqui, à beira-mar. Os trajes do desfile eram bonitos e coloridos, expressivos. E sabia-se que terminariam no mar, o que os transformou num formidável apetite. Toda a gente queria ver o banho santo, o banho da purificação depois da exibição e da... fantochada.
De modo que a multidão se acotovelou na praia do Ourigo, protegida com bons nadadores/salvadores. E fotografou à vontade, numa excitação.
Passaram primeiro as meninas e os meninos das fanfarras com um ar triste e sem qualquer tipo de graça. Sem qualquer gosto pelo que estavam a fazer, dava vontade de chorar, desculpem. Então não era para rir e estar divertido e divertir os outros?
Depois os trajes de papel bonitos e bem feitos, floridos, festivos. Só não vejo a alegria de qualquer dos do desfile, parece que iam para... Para onde? E demoraram a sair quase duas horas mais do que o previsto, demoraram a passar, com intervalos escusados e confusão.
Mas a multidão queria ver o banho e aguentou.
As personagens eram representantes de antigas profissões e procissões, e de associações e de juntas, figuras engraçadas mas sem o brilho dos sorrisos que não podiam falhar. Mostro algumas imagens que não animam muito.
“O meu marido, Z., levou-me no carro militar para a clínica alemã.
Colocaram-me sobre uma mesa e Z. saiu: não pode ficar comigo. As contracções pararam e eu adormeci. Naqueles dias, era muito difícil obter medicamentos, pois tudo estava reservado para os hospitais militares. Eu fiquei na clínica de um grande médico, conhecido internacionalmente, o Prof. Knaus.
Para reiniciar o trabalho de parto, os médicos recorreram a um processo antigo – deram-me uma grande dose de quinino e um banho quase escaldante. Saí da banheira como uma lagosta. Mandaram-me passear pela sala e eu recordo-me de olhar pela janela e observar as crianças a patinar no gelo no terreno vizinho.
Era um dia lindo de Inverno. Ao meio dia, nasceu Ors. O parto foi difícil, ele trazia o cordão umbilical enrolado no pescoço e pisaduras na cabeça. Como analgésico, só existia aspirina, mas eu estava imensamente feliz por ter mais um rapaz e nem me importava com mais nada, apesar de ele ser muito pouco bonito com uma cabecinha em forma de pêra e hematomas roxos.
Não havia quartos particulares, havia apenas enfermaria e os visitantes que vinham ver os doentes olhavam com compaixão para o berço. “Coitadinho! É o primeiro?”, perguntavam. E eu respondia quase com raiva: Não, é o quinto!
Entre as companheiras de enfermaria, uma delas chamou a minha atenção pela sua beleza e dignidade. Também acabava de ter um filho. O marido veio visitá-la; estava de uniforme, era um oficial condecorado, com muitas medalhas no peito. Uma ordenança ajudava-o. Soube que estava completamente cego – tinha perdido a visão em combate.
Naquele tempo, na Alemanha, era difícil fazer distinção entre classes sociais. Todos vestiam de maneira simples e o nível cultural da classe média era bastante alto, nunca se sabia com quem se estava a falar. Além do mais, com tantos refugiados que inundavam o país e tantos sotaques diferentes, ninguém reparou na nossa língua, na nossa maneira de falar. Todos pensavam que éramos da Prússia Oriental e nunca consideraram os húngaros como estrangeiros. Eu também não me sentia estrangeira entre eles.
Enquanto estive no hospital, só houve um ataque aéreo. Nesse dia, nem esperei pela enfermeira, peguei no meu filho ao colo e fui para o abrigo. Quando lá cheguei, já tudo tinha acabado.
Alguns dias depois, voltei com o bebé para Rostok, para junto da minha família.
A nossa unidade já se preparava para seguir viagem, mas ainda ninguém sabia para onde o destino nos levaria. Com um bebé de dez dias, tinha de enfrentar de novo os vagões sem higiene, sem a menor possibilidade de dar banho… Apenas tínhamos uma bacia que usávamos para lavar as mãos. Ainda na clínica consultei o pediatra sobre isso, mas ele acalmou-me dizendo que não me preocupasse, que a falta de higiene não matava ninguém. Bastava que o alimentasse bem e não haveria problema.
Começamos a empacotar de novo e a arrumar a bagagem.
N. era o mais tristonho, mas também M. sentia ter de sair do Lar onde haviam passado dias tão agradáveis. N. nunca tinha estado num internato entre rapazes e até chorou quando nos despedimos da Sr.ª Herzog com um Heil Hitler!
Mais uma vez, seguimos caminho sem saber para onde, enfrentando os perigos da guerra.
Era Fevereiro.
Ainda tínhamos uma vaga esperança na vitória da Alemanha.
Porém, em território alemão, a nossa viagem não era tão calma como tinha sido até Praga. Viajávamos só de noite. Durante o dia, parávamos em trilhos abandonados das estações. Nunca tirávamos a roupa nem durante a noite, pois em caso de alarme, devíamos abandonar o comboio de imediato e ir para campo aberto aos tropeções por causa da escuridão. Fosse como fosse, sempre era mais seguro do que permanecer dentro do comboio: se o inimigo descobrisse onde estávamos, atiraria com metralhadora a matar, para cima de nós.
Graças a Deus, não nos atacaram, apenas ouvíamos ao longe o ruído da explosão das bombas e víamos o incêndio que se seguia.
Uma vez tive de sair do comboio à noite. O meu marido devia apresentar-se ao comandante e eu fiquei sozinha com as crianças e o bebé. A ordenança do Z. ajudou-me a sair para o campo, entretanto tive de ir buscar qualquer coisa e deixei o bebé no colo do soldado que, no meio-termo, desapareceu na escuridão. Ao voltar não os vi, fiquei numa aflição. Perguntei: Onde está o soldado com o O.? Apontaram para a valeta onde estava a patrulha porque o nome do bebé em húngaro significa também patrulha.
Estávamo-nos aproximando de uma estação periférica de Dresden e assistimos a um terrível ataque aéreo, talvez a um dos maiores e mais violentos que houve e a que tive de assistir: destruiu uma das mais belas cidades históricas da Alemanha. Estava apinhada de refugiados de todos os cantos e recantos da Alemanha. Por coincidência, naquele mesmo dia, parou outro comboio idêntico ao nosso, vindo da Silésia.
Viajava nele a família Sammet e a G. com quem o meu filho N. casaria em S. Paulo, muito mais tarde, em 1960.
Em Fevereiro de 1945, chegámos a Namburg na der Saale”.
"Cansados da longa viagem de comboio, muito sacudidos e sujos, sentíamos acima de tudo a falta de um bom banho. As autoridades militares comprometeram-se a conseguir alojamento para a família, mas não foi fácil e levou muito tempo. Chegámos arrasados a Rostok.
Como sempre, impaciente e apressada, eu estava ansiosa por ver os meus filhos lavados e limpos numa cama branca.
Lêramos nos jornais e sabíamos, através da propaganda nazi, da existência da Liga das Mulheres Nacional-Socialistas e eu resolvi procurar essa organização. Fui atendida imediatamente e encaminharam-me para um lar de jovens da Juventude Hitleriana. A directora, Srª Herzog, recebeu-me com um sonoro Heil Hitler!
Havia vagas no Lar porque era época de férias.
Ela aceitou imediatamente dois dos meus filhos M.e N. K. era pequena de mais e D. ficou para ajudar-me. No último mês de gravidez, eu poderia ter o filho a qualquer momento; por isso, agradeci muito feliz e fui buscar as crianças ao comboio.
Fiz as malas e despedi-me daquele transporte mal-cheiroso e cheio de fumo que nos havia prestado um grande serviço – ajudara-nos a escapulir. As outras mulheres e mães de família lançaram-me olhares de inveja.
Os meus filhos mal chegaram ao Lar da Juventude, caprichosamente limpo, desapareceram no chuveiro desinfectado e cheiroso; quando voltei com as roupas, já estavam deitados entre lençóis brancos a rescender a sabonete de amêndoa.
Havia poucos alunos durante as férias, por isso, enquanto estivemos em Rostok, os meus filhos puderam ficar lá. Não pagávamos nada, naquele país socialista! N.e M. adoraram ficar, principalmente N. Estar entre meninos da sua idade era uma novidade para ele e, em vez de aulas, podiam brincar na neve fazendo bonecos, ou travar batalhas com bolas de neve, andar de trenó, patinar no gelo e coisas assim.
Uma vez, almocei com eles. Antes de se sentarem à mesa, as crianças davam-se as mãos fazendo uma roda e a uma ordem da Srª Herzog diziam juntos “Guten Hunger” ou boa fome e com bom apetite devoravam o simples e nutritivo almoço.
Isto que era bom, não resolveu todos os nossos problemas – ainda restava conseguirmos morada para os quatro. Ninguém podia ficar nem no comboio nem na estação. O mais difícil era transportar todas as nossas coisas - malas, sacos e caixas de alimentos. Rostok era um lugar de veraneio, mas onde colocar quatro pessoas mais semelhante bagagem? Andámos de um lado para o outro... Não, não era fácil. Até que encontrámos espaço na casa de uma família checa: um quartinho nas águas furtadas. E foi lá que nos instalámos: D., K., Z. e eu.
A nossa alimentação ainda era fornecida pelos militares e eu tinha que a melhorar porque Z. andava com complexos de fome e pedia-me para fazer coisas muito complicadas. O pior era eu ser totalmente desajeitada na cozinha, a ponto de a dona da casa, com pena de mim, me ensinar a usar as nossas reservas da maneira mais proveitosa.
Z. fez amizade com o General depois que este descobriu os seus talentos para o bridge. Agora já tinha argumentos para se ver livre de todas as tarefas desagradáveis e cansativas, pois no fim de contas, não podia recusar os convites do General, não é verdade?!
Apesar de estar cansadíssima devido ao meu estado, a arrumação da bagagem ficou inteiramente a meu cargo. D. cuidava de K. e cozinhava às vezes as “papas” do Z. no fogareiro do quarto.
E assim íamos levando a nossa vida de refugiados: tínhamos um quarto quentinho, comida à vontade e, dadas as circunstâncias, tudo andava pelo melhor no melhor dos mundos.
No entanto, começou a circular o boato de que iríamos seguir viagem. Ficámos apreensivos com essa notícia. A perspectiva de sair de um lugar relativamente seguro e tranquilo para voltar a uma Alemanha bombardeada diariamente e ainda com o meu filho por nascer não era nada animadora.
O parto seria questão de dias. E Praga… tão perto de RostoK… com óptimos hospitais à nossa disposição! Embarcar de novo no comboio? Mais um dilema! Ainda uma decisão importante a tomar! Recomeçar desse modo a viagem para um destino desconhecido?
O que fazer?
As notícias continuavam alarmantes; na Alemanha, os americanos, em voos rasantes, metralhavam pessoas nas ruas.
Havia uma solução – ficar eu em Rostok ao cuidado da Liga Feminina e da Sr.ª Herzog. E depois? Como iria reencontrar a minha família. E como poderia sozinha viajar com um recém-nascido? O correio já não funcionava há algum tempo e tampouco o telefone.
O problema estava a parecer-nos cada vez mais difícil de resolver, mas Deus ajudou-nos. Fomos visitar o General e a sua mulher em Praga e lá, na mesma noite, começaram as minhas dores de parto".
(Memórias de uma família em fuga)
Não havia ninguém na rua, às 10 da manhã. No meu sítio, é
habitual os dias de sol, domingos de Agosto, serem festivos. Muita gente nas
ruas, muitos estacionamentos proibidos, uma azáfama de polícias, ciclistas e
corredores de fundo, crianças que vêm para a praia, as que também circulam por
aí, adolescentes e jovens que exercitam os músculos fazendo inveja aos mais
velhos com dificuldades visíveis…
Um ambiente muito animado.
Mas não hoje: não havia ninguém nestas ruas. Ninguém.
Vi 2 ou 3 carros em movimento, alguma luz acesa, uns ruídos
de portas que se fecham… mais nada. Depois apareceu uma gaivota grande
nitidamente perdida, atordoada. Pousou hesitante num muro alto e em seguida…
encontrou o seu rumo.
Ninguém.
Dentro do supermercado havia 3 ou 4 pessoas tentando animar-se,
mas nenhuns protestos, nada. Nenhuns berros, nenhumas ordens e nenhuns cheiros.
Era desolador.
Saí com as minhas vagas compras e resolvi ir ver como
estavam as aves exóticas no Douro, na ribeira da Granja. Não imaginam: não havia senão meia dúzia de
gaivotas de patas amarelas, implicando todo o tempo umas com as outras em
silêncio. O lugar negro e besuntado de verde musgoso era um cardal abominável.
Começou a chuviscar, mas a chuva sumia antes de chegar
ao chão… que continuou seco.
Tirei três fotografias para lhes mostrar e voltei para casa,
não havia mais nada a fazer.
É muito mais divertido pensar até onde pode ir ainda a arte
conceptual ou concetual (o meu computador não chegou a uma conclusão). É a
mesma.
Aprecio muito a arte bem doseada com ideias. Podemos ter
para muitos anos ora dando primazia à arte ora dando-a à filosofia. Aparecerão soluções
cada vez mais inteligentes.
A Casa de Serralves está habitada pelas peças da Leonor
Antunes, uma artista portuguesa que vive e trabalha em Berlim.
Esta é uma das raras vezes que expõe em Portugal e fá-lo de
forma excepcionalmente feliz na velha Casa de Serralves. Ela propõe ocupar a
Casa num “modo diferente de a pensar, medir e marcar os seus espaços”.
São peças criadas para aqui; algumas adaptadas por parecerem
relacionar-se com o lugar e com a história da Casa.
Informa o folheto em distribuição que há uma alusão
explícita ao romance de Georges Pérec A vida: modo de usar . E também às obras de certos arquitectos e designers tão meus conhecidos como Eileen Grey e Mallet-Stevens e à escultura pos-minimalista.
A exposição modificou a Casa, a Casa "criou" as peças tal como elas se apresentam - mesmo quando as conhecemos com uma certa função, podemos vê-las e experimentá-las doutra forma. Há várias esculturas para que se descobrem diferentes usos, novos olhares sobre velhas estruturas e formas
que ocupam espaços que não são os do passado, os da rotina. Dando-nos portanto diferentes experiências de como viver com elas, da maneira de viver
com elas na casa. Podem estar na parede (não estão a decorá-la, não é esse o objectivo, tal como acontece com as obras conceptuais de Jorge Cardoso), podem estar no chão ou na janela. E/ou em relação com o espaço exterior. O que é admirável.
(Lembro as cortinas transparentes de portas que abrem para o jardim).
As esculturas são feitas de pele, de metal, de cortiça, de borracha... e trabalhadas com muita delicadeza. Socorro-me ainda do folheto para dizer que Leonor Antunes questiona a objectividade da medida e dos seus instrumentos convencionais, “propondo novos desafios para a experiência dos objectos e para a sua observação”.
As obras estão cheias de referências a obras literárias e transformaram a Casa que já era um encanto num lugar tremendamente encantador.
Nunca vi nem casa nem jardim tão valorizados.
Devo voltar, talvez possa tirar umas fotografias.
Continuo a minha conversa com Jorge Cardoso sobre as obras de arte conceptual que nestes últimos anos criou e expôs.
Falava da importância do aparecimento da fotografia digital e da sua manipulação.
"A questão centra-se então na manipulação digital por via de programas informáticos, sendo o mais conhecido o Photoshop. Uma das ferramentas mais
usadas nesse programa chama-se layers (camadas) e permite substituir parte de uma imagem base colocando algo diferente por
cima.
As obras apresentadas simulam o processo do Photoshop de um ponto de vista humorístico dado que aquilo que no computador se faz com metodologias hightech é aqui apresentado com metodologia nitidamente lowtech: com parafusos e porcas de metal são afixadas placas de acrílico a uma plataforma base de alumínio. No alumínio está impressa a foto principal e nas placas de acrílico estão impressas outras fotos
ou excertos fotográficos que vão modificar a aparência final da imagem.
Este é apenas um dos aspectos das obras em causa e que remete para o debate contemporâneo sobre o que é a verdade e o que é a mentira em tantos
aspectos diferentes da comunicação.”
É um debate complexo e é de sempre.
Muito filosófico, claro. Mas é bom que continuemos a tentar chegar a uma conclusão.
E, me parece, que tentaste de forma muito expressiva e emocional, totalmente poética. As preocupações
estéticas estão lá. E o humor. Por tudo isso, são obras em que vale a pena pensar e reflectir com cuidado.
“Tendo em conta o peso que a palavra escrita cada vez mais tem na arte,
também aqui temos diversos jogos de palavras e sentidos” – continua Jorge Cardoso.
“Por um lado, o título das obras LAYERS remete para o duplo sentido de
lying como mentira e para a posição reclinada da modelo fotográfico; e do mesmo
modo para a frase principal manuscrita, agressivamente pintada a laranja quase
vermelho por cima da fotografia
mão não mente sim
que é a frase que ilustra todo este debate.
Finalmente, a arte carece de destreza manual (quero dizer, é necessária? para pintar? para esculpir?) Ou são
os conceitos os elementos fundamentais?
Nalguns quadros, as palavras cabem no âmbito da peça, sugerindo nítida vitória dos conceptuais. Noutros, só aparecem as primeiras três palavras, o que pode contrariar a conclusão anterior e sugerir o mérito da picturalidade (mão não mente).”
Esta série de obras, ou alguns elementos dela, tem circulado desde 2009 por vários locais como: a Torre da Cadeia Velha em Ponte de
Lima, o Paiol da Pólvora no Castelo de Valença, a Galeria Vantag, Itinerâncias, em Miguel Bombarda, Porto, e a Cooperativa Árvore, Porto, onde ainda se encontra.
O que eu concluo depois de meditar sobre as tuas obras conceptuais é que é possível e que conseguiste criar peças que põem problemas importantes como a ambiguidade de todas as coisas que são humanas, o que é, digamos, extremamente desagradável, e em simultâneo as peças são esteticamente agradáveis.
Agradeço-te esta explicação que é fundamental. Para compreender a arte contemporânea, sobretudo, a conceptual é imprescindível uma explicação sabedora e bem-intencionada. Depois cada um fará a sua própria reflexão.
O que me parece a respeito das tuas obras é que conseguiste pensar sobre uma coisa tão presente e difícil de
aceitar como a ambiguidade de todas as coisas, boas e más, e chamaste a atenção
para as verdades que são mentiras e vice-versa aproveitando com humor a beleza do mundo e não
a sua fealdade.
Mesmo o som e os símbolos e as cortinas… acrescentam ao drama sem magoar demasiado, sem transformar tudo em
tragédia.
Gostei.
E apreciaria que o público amador e o público em geral apreciassem devidamente o que tem também
um valor real como forma de comunicação bem-humorada.
Muito inteligente e culto em áreas de conhecimento que
especificamente lhe interessam, não é fácil adaptar-se a um mundo organizado
segundo critérios que não são, na sua opinião, os que deviam ser numa avaliação
correcta segundo leis perfeitas, as únicas aceitáveis. Com uma personalidade complexa,
coloca qualquer problema num patamar intelectual tão elevado que se torna de
difícil compreensão para a maioria.
Tem formação académica em economia e actividade profissional na mesma área,
não era de esperar que se contentasse com o estudo da “produção,
distribuição e consumo de bens
e serviços”, como economia é definida na Internet.
A actividade económica é actualmente muito diversa e importante e pode definir
não apenas economia política como também a situação económica de um país. Há a
macroeconomia e a microeconomia, a economia positiva, a normativa, a ortodoxa e
a heterodoxa… a economia avalia e regula o mundo. Não há disciplina mais marcante
nas nossas sociedades ocidentais.
Jorge Cardoso começou muito cedo a interrogar-se sobre o mundo a partir de
outras perspectivas provavelmente menos empíricas que a ciência. Adolescente, tinha
visitado os museus e as galerias de arte, mais tarde, foi assíduo nas feiras, tornou-se
amador e sucessivamente coleccionador e galerista, finalmente, artista.
Pedi que me explicasse o que tem sido um percurso de vida invulgar. Ele citou
uma circunstância que considerou muito importante - não abandonou a actividade
económica, englobou a arte que ficou como um dos seus interesses maiores e,
acima de tudo, como forma de comunicar.
Praticou a fotografia desde cedo, com muito sentido estético, se bem que ele
próprio na ocasião não tivesse quaisquer preocupações artísticas.
Numa pequena conversa sobre arte e sobre a sua arte, disse-me Jorge Cardoso:
“Nos últimos tempos, através dos
contactos que tinha estabelecido - voltei a frequentar as feiras e as
exposições - apercebi-me de que a foto estava, cada vez mais, a ser usada na
arte e de modos diferentes e contraditórios.
Isso gerou perplexidade da minha parte
e consequente interesse em investigar as ligações e as relações entre a
fotografia e a arte.
Fui aprofundando esta investigação com
leituras mais complexas e penso que se chegou a um ponto em que para se ser
artista “actual” tem de se ser filósofo.”
Para mim, esta é uma ideia fascinante
porque altera o que se entende por arte desde sempre. Estaremos num momento de
viragem total? Ou a arte continua a ser uma técnica, uma simples habilidade de
mãos, que parte de um conhecimento mas tem em conta em primeiro lugar
percepções e emoções?
“A literatura sobre arte das últimas décadas remete para toda uma série
de preocupações e conceitos que nada tem a ver com destreza manual, técnicas de
pinturas e composições e enquadramentos. Prende-se sim com conceitos, desmaterialização,
descontextualização, indistinção do papel do autor…
Quanto mais profunda a investigação, maior o perigo de nos perdermos em
territórios áridos. Por outro lado, podemos também procurar absorver
genuinamente a nova perspectiva e integrá-la no nosso percurso.
Tal como no passado, e a respeito de outra disciplina completamente
diferente, o freejazz, que parecia a
evolução máxima do jazz e afinal levou a um beco sem saída, também a arte
conceptual, que num sentido mais restrito alguns historiadores remetem para as
décadas de 60 e 70, levou a extremos de difícil continuidade.
No entanto, ao longo do século XX, primeiro com o Dada, depois com o já referido movimento
conceptual, a arte nunca mais foi o que era. O facto de as preocupações
estéticas (com o belo) estarem longe das inquietações contemporâneas…
são um entre muitos reflexos de como a arte mudou”.
Há sempre uma evolução, mas eu
acho que as preocupações estéticas nunca deixaram de estar presentes mesmo na
mais estranha arte conceptual. Mas pode ser uma estética do feio ou outra. O
que não são é… obras para decorar as paredes, para tornar as salas bonitas. No
entanto, as tuas peças…
“Gostaria de dizer-te isto, antes de falarmos nas minhas peças. Houve
um momento em que me pareceu que podia ter algo a acrescentar no campo da arte.
A minha abordagem seria pela via conceptual, mas a apresentação servir-se-ia de
algumas pistas materiais embora usadas fora das metodologias clássicas”.
Foi uma ideia muito engenhosa, devo
dizer, dadas as tuas características pessoais.
“Talvez sim, mas se eu explicar a minha trajectória, pode
compreender-se melhor…
Se conseguires explicar de modo
simples…
“Tendo presente toda a parafernália de opções que as ferramentas
conceptuais permitem, trata-se de saber o que transmitir e como reflectir a
mensagem.
E tendo em conta que um dos motivos da investigação foi o papel da
fotografia na arte, acabam por ser decisivos alguns acontecimentos.
Com o aparecimento da fotografia digital, foi ainda mais abalada do que no
passado a noção da sua objectividade.
Até no campo do fotojornalismo,
começaram a surgir alguns escândalos por manipulações escondidas mas
descobertas.
(continua)
…como uma possibilidade de encontrar um oásis.
Terá sido Walt Disney quem disse estas palavras, todos o
conhecem do cinema. Foi um génio e encantou o mundo. Como é muito
característico dos “heróis” americanos, tomou as decisões importantes em dado
momento da sua vida, lutou por elas, persistiu e conseguiu o que pretendia. E decidiu
triunfar, como diz.
Teve uma vida interessante: extraordinário cineasta, criador
de personagens inesquecíveis e populares (todo um universo
nosso conhecido a que constantemente nos referimos), animador e arrojado
inventor dos parques temáticos que formam o Mundo de Disney, foi escuteiro,
participou como voluntário condutor de ambulâncias na 1ªguerra
mundial e foi filantropo.
Nenhum triunfo vale grande coisa, se não for conseguido pelo
próprio. Terá que o ser, mesmo que com um empurrãozinho… Mas o pretendente ao
êxito, tem que dar os primeiros passos, como a dizer o que quer, e só depois
pode ser ajudado, não é?
“E assim, depois de muito esperar, num dia como outro
qualquer, decidi triunfar…” “Decidi ver cada problema como uma oportunidade de
encontrar uma solução”. “E decidi ver cada dia como uma nova oportunidade de
ser feliz”.
Vejo a vida de W. D. como mais uma vida exemplar e falo dele
agora porque estou atenta aos textos que circulam na internet – desta vez foram
jóias ditas literárias, mas são muito mais do que isso. São ensinamentos
preciosos.
Por isso, recomendo aos meus amigos. E vou revendo vidas que
conheço, vidas daqueles que ainda podem mudar de vida e fazer o que decidirem
agora e que pode ser o inverso total do que sempre fizeram, daquilo para que se
prepararam.
Mas devem estar decididos - talvez vão sofrer, quiçá corram
riscos, talvez precisem de oferecer oportunidades e de não se apegarem
demasiado ao que têm, mesmo ao que conquistaram.
E recordo estas palavras:
“Become humble and selfless and then you will get a glimpse of His joy. If you taste
that joy even once in your lifetime, you will know that it is for that joy that
we are here”.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.