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"Nem só os extremistas tinham grupos activistas, os outros partidos também os tinham. Os sociais-democratas chamavam-se "Die Wind Jackon", salvo erro, usavam fardas como para um safari moderno, manga curta, algibeirinhas, cintos de cabedal, e às vezes traziam facas.
Toda a gente pertencia a um grupo!
Lembro-me muito bem, desde muito jovem, quando voltávamos para casa, por volta das 9 ou 10 horas da noite, do clube onde jogávamos pingue-pongue, e ouvíamos tiros por aqui e por ali, e gritos, dizia-se - "olha, são os comunistas!” ou “são os socialistas!”… “são estes ou são aqueles...". Era uma coisa que fazia parte da vida quotidiana, o pão de cada dia, já ninguém fazia muito caso.
Foi esse o motivo por que mais tarde em Angola quando começaram os tiroteios não me assustei demasiado. Cada partido tinha o seu local de reunião, o seu restaurante, a sua cervejaria, e assaltavam-se uns aos outros.
Este estado de coisas levou ao enorme desenvolvimento dos partidos extremistas sobretudo do Partido Nacionalista. Hitler tinha um instinto muito vivo, sabia como falar às populações daquilo que elas preferiam ouvir. O seu discurso centralizava-se no ódio aos ricos, aos judeus, aos que ostentavam as suas riquezas, utilizando todos os possíveis argumentos nacionalistas do patriotismo.
A Alemanha após a Primeira Guerra tinha sido bastante mutilada - a Renânia, a Alsácia e a Litigia tinham sido ocupadas pelos franceses, a província de Posnan (terra de origem dos meus pais) pela Polónia e aquela parte da Silésia rica em carvão foi anexada pela Polónia e pela Checoslováquia.
Usando demagogicamente estes factos nos seus discursos políticos, foi fácil inflamar o espírito das pessoas. Tenho bem presente partes dos discursos de Hitler e de Goebels. Ambos perguntavam aos seus interessados ouvintes - "querem canhões… ou manteiga? ", todos respondiam com paixão - "canhões para libertar a pátria!" Foi desse modo criado um estado de exaltação constante da população, que vinha desde o princípio dos anos vinte.
Apesar de o alemão ser uma pessoa disciplinada, houve naquela altura uma enorme divisão da população. Bastava reunir mil assinaturas para criar um partido político, de modo que cada um gritava e se manifestava à sua maneira e segundo as suas conveniências.
Hitler com as paradas imponentes e arrogantes dos camisas pardas, os seus discursos nacionalistas inflamados de raiva conseguiu criar muitos adeptos entre os grupos que, devido à crise que se vivia, estavam em pior situação.
Chegou a haver 30% de desemprego, o que, apesar de já haver apoio social e indemnizações, foi um coisa devastadora. A política dos Aliados não foi nada inteligente após a Primeira Guerra: deixar um país em estado de doença grave é muito má ideia, a doença contagiosa espalha-se!
Foi o que o Plano Marshall depois da guerra de 39/45, tentou evitar apoiando financeiramente os países mais assolados pela guerra. A ideia era que não seria possível haver estabilidade política nem paz nem fazer nascer ou renascer ”uma economia produtiva… sem garantia de ”condições económicas e sociais, propícias à existência de instituições livres”.
( J.F. fala depois da forma como viu o nazismo, da forma como ele se infiltrou nas indústrias, nos escritórios... e das perseguições aos que não queriam entrar no partido.)
A expulsão dos ciganos de França encontra fácil justificação no seu mais do que conhecido comportamento.
A expulsão dos judeus de diversos países da Europa e em diferentes épocas encontrou sempre justificação seguida muitas vezes de arrependimento da parte dos que os expulsaram, como aconteceu na Península Ibérica.
Tal como se pode verificar nas palavras de J. Freudenthal, a razão para a aversão aos judeus, pelo menos na Alemanha, era o facto de serem uma minoria e ocuparem altos cargos, embora também houvesse pessoas modestas nos ofícios a que sempre se dedicavam com sucesso. Claro que não acontece o mesmo com os ciganos.
A este propósito, lembro-me de Agustina e do seu livro, meu preferido, um livro de viagens. Ela tinha sido convidada em 1959 a participar num congresso no Castelo de Lourmarin, em Aix-en-Provence, que reunia “figuras muito ilustres da literatura europeia”. Viajou com o marido, Alberto Luís, no famoso Volkswagen que ele conduzia, e relatou para nossa delícia os pormenores da viagem e não apenas o Congresso.
O tema geral foi O destino da Europa e por esse motivo associei estes acontecimentos, um recente, outros antigos e o outro muito antigo que pode ter tido início no século IV d.C, quando os judeus foram expulsos de Jerusalém e aportaram na Península em grande número; e quando os ciganos, creio que no século XI, se dispersaram na Europa.
Não queria falar da história dos judeus nem da história dos ciganos, mas do que Agustina diz acerca do destino da Europa e do Encontro de Lourmarin que foi para ela decepcionante quanto ao que intelectuais podiam saber acerca da Europa.
É evidente que estou a pensar que o destino da Europa passa por acontecimentos como aqueles: quem é que tem o direito de ser chamado europeu?
São palavras dela, estas: “…no fim de contas, o europeu é o ser mais mentiroso que existe – isso confirma o seu grau de civilização, pois esta começa sempre com a mentira”.
"A Europa não está dependente dos seus intelectuais mais do que das hordas de pequenos oficiais do nada, os que existem com uma côdea e um casaco que veio de mão em mão, através dos burgueses e dos operários, para cobrir a nudez desse último dos cidadãos, dos europeus, se quiserem. Esse que remenda tachos velhos, que coloca chapadas de pano preto nos guarda-chuvas coçados, que vende nastros, ganchos, botões, alfinetes em tabuleiros nas ruas e que deita a correr com as suas pernas de tísico porque não possui licença para circular com a sua mercadoria; esse que traz ao pescoço um atestado que o recomenda à caridade pública, a marafona velha, o mendigo ultrajado, o que cose moedas de prata no colchão, o que sofre na carne que nunca foi apetecível, o que sofre na alma que nunca floriu, esses são europeus e deles também se espera alguma coisa. O quê? Não sabemos, os que escrevemos livros, os que produzem tratados em letra apertada e difícil, os que sobrevoam a terra com a sua carga brilhante das ideias”.
“… o futuro da Europa não é coisa apenas de alguns; seria triste e arrepiante que assim fosse, seria contrário à obra divina”.
(Vale a pena ler a Embaixada a Calígula)
Em 2009, o presidente do Parlamento Europeu recebeu um prémio pelo trabalho desenvolvido pelo Parlamento em defesa dos direitos da comunidade cigana na Europa.
“Dos 12 a 15 milhões de Roma (ciganos) que vivem na Europa, 10 milhões vivem em Estados-Membros da União Europeia, a maioria dos quais adquiriu a cidadania europeia com o alargamento de 2004 e a adesão da Roménia e da Bulgária em 2007”.
(Informações obtidas através da Internet)
“Depois da Guerra, surgiram vários grupos políticos, um deles era o Volks Partei, um Partido Popular de Extrema Direita que fazia terrorismo, assassinava cidadãos, tipo FP's 25.
Um dos maiores chanceleres alemães, Walter Reithenam, de origem judaica, tinha conseguido que a Alemanha fosse aceite, apesar das cláusulas de paz impostas depois das guerras, na Volks Bund que corresponde às Nações Unidas de hoje, já com sede em Genebra.
Este homem, que também tinha uma importante actividade industrial, era director da AEG, foi assassinado por grupos extremistas que não consentiam que alguém de origem judaica ocupasse um lugar tão importante.
A partir destes grupos extremistas, formou-se a Deutsch Nationale Arbeiter Partei, traduzido quer dizer Partido Nacional Alemão dos Trabalhadores ou Partido Nazi.
Quando chegaram ao poder... houve uma divisão dentro do partido... Hitler traíu a parte socialista ligada aos trabalhadores e mandou liquidá-los. Suprimiu a parte social quase por completo e transformou o partido nacional dos trabalhadores num Partido Nacionalista.
Hitler encontrara a sua vocação política e os conhecimentos nessa area já depois da guerra, toda a gente se ria dele. Tinha um sotaque alemão forte, acentuava muito os erres, como acontece com os de origem austríaca. Tinha um bigode ridículo… mas conseguia dominar as suas audiências.
O Partido criou o seu próprio corpo de combate, Die Braun Herden, com uniforme próprio, conhecido por os camisas pardas que vestiam efectivamente camisas castanhas e usavam paus verdadeiramente e apenas porque não eram permitidas armas.
A Alemanha tinha talvez uma das democracias mais liberais que foram criadas depois da Primeira Guerra, e era chamada República de Weimar.
Weimar era uma cidade muito famosa onde Goethe tinha vivido e onde foi escrita uma constituição fortemente social, liberal e muito avançada. Todavia, a república era tão livre que permitia tudo. O Partido Comunista tinha-se formado logo após a guerra, e crescia cada vez mais”.
Em 1919, na sequência da revolução do ano anterior contra a forma imperial de governo, houve uma assembleia em Weimar que instituiu uma república parlamentar com uma constituição: havia um presidente que nomeava um chanceler para o poder executivo e havia o parlamento (Reichstag) para legislar.
Depois da Primeira Guerra Mundial, as negociações de paz tinham sido feitas entre os democratas da República de Weimar e os vencedores aliados. Acrescento aqui, por minha conta e risco, mas apoiada em informações da Internet e, de certo modo, deduzindo das palavras de J. Freudenthal, que muitos alemães responsabilizavam indirectamente os democratas pela adesão ao nazismo que à distância se lhe seguiu, e a Hitler que apareceu como o salvador da pátria, capaz de os libertar das humilhações sofridas pelas derrotas e pelas exigências dos vencedores, e de os reconduzir ao seu passado de grandeza imperial. Os resultados das negociações podem não ter sido brilhantes e os democratas de Weimar, segundo parece, um pouco lançados pelos líderes militares para essa tarefa inglória, foram responsabilizados por serem excessivamente liberais e terem aceitado tudo o que lhes foi proposto ou imposto do exterior. Tiveram algumas vitórias apesar de, em catorze anos de governo, terem enfrentado os mais graves problemas internos. Desde 1933, mesmo antes de qualquer revisão que apenas foi feita no fim da Segunda Guerra Mundial, a constituição foi sucessivamente desacreditada pelas reformas impostas pelo partido nazi.
“Alguns dos importantes líderes locais eram de origem judaica. Os Judeus estavam em todas as organizações políticas – comunistas, capitalistas, socialitas, e eram grandes cientistas, grandes médicos, poetas, compositores. Tinham uma história muito rica na Alemanha e isso causava raiva à inteligência alemã - ver uma minoria com tanto poder.
Antes do aparecimento do nazismo, havia 600.000 judeus na Alemanha.
A Rússia era o país onde habitavam mais judeus mas durante o século XIX, deu-se uma emigração relevante para os E. U. A. e, após a guerra e em consequência do liberalismo alemão, muitos se fixaram na Alemanha. Entre estes refugiados havia gente desesperada, gente sem escrúpulos que fez fraudes e praticou crimes económicos fáceis de apontar pela oposição anti-semita”.
"O meu irmão e eu entrámos na "Ober Real Schule" onde o ensino se dividia entre o "gimnasium" que correspondia ao liceu português e um curso mais avançado onde, em consequência de uma modernização de programas, ensinavam mais matemática, física e línguas do que Latim e Grego.
Naquela época, havia quatro anos de primária, e no liceu começava-se na 6ª classe: foi para essa que entrei.
Devia ter uns 10 ou 11 anos, eu e o meu irmão andávamos de bicicleta pela região que era duma beleza ímpar, com jardins e parques sem fim. Um dia, numa dessas corridas com o Gerard, caí de tal jeito que tive um "choque cerebral".
Quando me levaram para casa, estava mais morto do que vivo, tinha 40 pulsações. Estive em convalescença perto de 2 meses, com consequências importantes para a minha vida: não só perdi um ano de estudos como engordei exageradamente, já que era alimentado à força.
Como tinha perdido um ano e o meu irmão era péssimo aluno, os meus pais entenderam mudar-nos a ambos para a Herder Ober-Reed Schule, um liceu que ficava no West End de Berlim, já na periferia da cidade. Era do mesmo modo uma zona muito bonita, e a escola era óptima.
O meu novo professor de ginástica, formado pela Academia de Desporto da Alemanha, ensinava com métodos muito modernos. Praticávamos muito e fazíamos crosses nas matas da vizinhança.
Foi assim que da pior nota passei para a melhor em ginástica, perdi os quilos em excesso e cresci brutalmente. Ultrapassei o meu irmão que também era desportista.
Começámos a frequentar o Estádio de Berlim que, mais tarde totalmente remodelado, serviu para os famosos Jogos Olímpicos do Hitler. Era um estádio impressionante, com piscina olímpica e capacidade para ginástica, atletismo, jogos de bola, e muitos outros.
Ficava a uns cinco ou seis quilómetros de nossa casa, mas sempre que era possível, íamos para lá de bicicleta praticar. A escola ocupáva-nos das 8h às 13h ou 13h e 30 m. Como disse, era uma escola muito moderna, cada aula tinha apenas vinte e poucos alunos.
Acontece que na minha turma sete ou oito eram de origem judaica, o que não impedia que tivéssemos muitos amigos não-judeus. Apesar de a minha familia não ser praticante, ligávamo-nos mais facilmente aos judeus.
Os meus pais levavam-nos uma vez por ano ao Jum Kipur, que é a grande festa de reconciliação com Deus. O meu bisavô era Rabi, o meu avô ainda era praticante, mas depois da guerra a Alemanha e sobretudo Berlim viveram tempos de grande liberalismo.
Tinha uns 12 anos quando comecei a jogar ténis e conheci na aula o meu amigo Gunther. Jogávamos 2 vezes por semana e passávamos muito tempo juntos, tínhamos amigos comuns, éramos convidados para as mesmas festas de aniversário.
Entretanto o meu pai, muito empreendedor, foi-se envolvendo em variadíssimos trabalhos, recordo que investiu numa fábrica de mobiliário. Assim mesmo, com a inflação, as coisas não correram bem e foi obrigado a vender. Tivemos de controlar as despesas, a casa onde morávamos tornou-se muito dispendiosa, a renda após a inflação foi fixada a um nível tremendo. Por isso, mudámo-nos para uma zona próxima, não tão boa, em Charlotten Burg, na parte ocidental de Berlim, um 4º ou 5º andar com elevador.
Foi nesta altura que o meu pai começou a sofrer de Angina Pectoris, se bem que tivesse tido ainda na sua vida muitos anos de lutas. Reactivou as relações do tempo em que era industrial e fabricante de rações com o famosíssimo grupo americano Corn Products Company, a maior companhia do mundo de milho, trigo, soja, etc. e que tinha sido sua fornecedora de milho, base das rações que ele em tempos fabricara.
Tinha também trabalhado com sucesso com a Deutch Maizena. Mas a Alemanha passava talvez pela maior crise económica de sempre; mesmo depois da inflação ter sido dominada, houve uma onda tremenda de desemprego que causou uma desorganização da economia mundial com fortíssimos reflexos nos E. U. A. Foram os anos de 25, 26 e 27 so século XX.
O meu pai tinha economias investidas na bolsa e no dia 13 de Maio, 6ª feira, a chamada 6ª Feira Negra, salvo erro em 1926, a bolsa baixou para menos de metade e ele perdeu uma fortuna.
Tudo isto foram situações causadas pela desordem económica internacional e porque a Alemanha continuava com a sua economia muito enfraquecida - não tinha absorvido e ultrapassado os efeitos da guerra de 14-18.
Politicamente estava muito dividida, mas os governos que conseguiram manter o equilíbrio dentro de um sistema multi-partidário, eram do Centro e tinham influência clerical.
Lembro-me muito bem do Centrum Partei (recordo o nome do Primeiro Ministro – Borundini) que tinha coligações com o Partido Socialista e com o Partido Liberal Democrático, um partido relativamente pequeno, como o CDS aqui em Portugal.
Mas havia um outro, grande e muito ambicioso e perigoso, os Nacionalistas Alemães - Deutsch National Partei – um partido de direita, social-cristão, onde as grandes indústrias e as indústrias agrárias tinham a sua força.
Hitler já era bem conhecido, na época".
Se andasse a viajar e estivesse no meu programa uma ida ao Norte deste País, ao Porto gostaria de ir. E de fazer uma sightseeing about the town naquele autocarro vermelho de cabeça destapada.
Ficaria extremamente feliz por passar pela Foz, com a minha camera apontada a todos os quadrantes, em primeiro lugar para este mar inesquecivelmente brilhante, para os barcos carregados de luz, para as praias tostadas, para as gaivotas que voam sem que lhes conheça o destino e para a restante passarada moradora no estuário do rio Douro… E mesmo para os carros correndo na Avenida.
Quereria mudar para esta cidade, se não morasse aqui.
Seguindo o rio para trás nas suas curvas sensuais, encontraria verdadeiramente a cidade que adoro além de estimar. Começaria por observar as pontes, o cais da Ribeira, os monumentos barrocos e os outros – a Sé, a Torre dos Clérigos, a Casa do Infante, a Igreja de S. Francisco e a de S.
Clara e a de Miragaia, o Palácio da Bolsa, as estátuas e os jardins, as ruas antigas e as Caves do Vinho do Porto…
Começaria por aí.
Depois entraria muito na cidade e veria os modernismos que também aprecio.
Caminhava ontem sob os plátanos na rua de Gondarém, pisando ao de leve as folhas soltas outonais, apreciando o ruído delas, as cores, lembrando-me que Verão maravilhoso tivemos este ano, que continuamos a gozar, a temperatura suave, a brisa que arrasta as mesmas folhas que piso, provocando semelhante ruído agradável…
Lembrei-me de quando ia para a escola, nos princípios de Outubro e me divertia a despertar este ruído nelas e as folhas sempre correspondiam e eu sorria como agora sorrio ao ouvir a música harmonizando-se com o meu desafio.
Toda esta alegria musical vai morrer com as próximas chuvas, mas é sempre assim, não é surpresa. Por isso me demoro acariciando-as até que entro na padaria cheia de pão muito variado e fresco, por vezes, ainda quente mas sempre fresco.
É uma padaria tradicional, universalmente conhecida na cidade e não apenas no bairro, onde se pode encontrar o melhor pão dos mais variados modelos e perfumes. Espera-se em fila até à porta, a certas horas, durante muito tempo, e ninguém arreda pé.
Observei as figuras desenhadas nos azulejos, a fotografia de antigos donos pregada na parede, talvez os fundadores; reparei no gerente de quem devia saber o nome mas não sei e que é uma figura bem enquadrada no ambiente tradicional, possuidor de um bom temperamento que ali se acomoda decerto desde que começou a crescer.
Olhei para os empregados semi-modernos e muito animados que palram e trabalham o tempo todo… e recordei um trágico e sangrento episódio ali ocorrido há poucos anos: dois irmãos, herdeiros do estabelecimento, envolveram-se em grande discussão que só terminou com a morte de um deles.
A casa esteve fechada vários dias e lembro-me de pensar no destino que estaria a ser dado a todo o material perecível que devia estar lá dentro a tornar-se perigoso.
Algum tempo depois, a padaria abriu, continuou como antes a fabricar o melhor pão das redondezas, e não se falou mais nisso.
"O Tratado de Versailhes tinha deixado à Alemanha e aos seus aliados condições que lhes não permitiam uma recuperação económica fácil.
Um ano depois de chegarmos a esta zona, em 1920, Danzig foi declarada cidade livre, fora da responsabilidade política quer da Alemanha quer da Polónia.
A tensão permanente entre os dois países foi agravada por este caso – que era uma das resoluções do famoso Tratado.
Foi criado um corredor artificial para que a Polónia pudesse comunicar com o Mar Báltico e utilizasse o porto livre de Danzig. Ora os alemães que quisessem ir para a Prussia Oriental tinham que atravessar este corredor, isto é, a região polaca. Para eles, era uma posição insustentável.
Foi então que Hitler fez um ultimato dizendo isto é nosso e invadiu aquele espaço. A Polónia pediu ajuda aos seus aliados desencadeando-se assim a Segunda Guerra Mundial. Quero crer que este foi o apenas o motivo imediato, houve muitos motivos fortes encadeados nele.
Eu e o meu irmão vivemos felizes em Zoppot com as nossas pequenas aventuras e brincadeiras. O meu pai tinha um escritório para onde viajava de comboio diariamente. Não sei ao certo quais os seus negócios, mas em todo caso financeiramente a nossa... era ainda uma situação aceitável.
Ainda em 1921, resolveu mudar-se para Berlim, e com isto acabou uma fase muito importante das nossas vidas.
Berlim era na verdade o centro da Alemanha, o meu pai tinha ali trabalhado enquanto jovem. Por isso, havia relações pessoais, conhecia muita gente e pensou que aí poderia começar uma existência nova. Com as reservas que possuíamos, alugámos um apartamento num edifício óptimo na Sophie Charlotte Platz, nome de uma grande rainha da Prussia.
Era um largo muito bonito e a casa enorme: um grande hall de entrada, uma sala que servia de biblioteca e escritório do meu pai, uma sala de estar com mobílias antigas tipo cidade Hanseatica de Danzig e um salão estilo Luís XVII. Muitas destas mobílias já vinham connosco desde Hohensalza.
O salão estava ligado a uma estufa fria onde a minha mãe cuidava das suas flores e a uma sala de jantar com mobília inglesa, grandes estantes até ao tecto e belas porcelanas coleccionadas pela minha mãe. Ainda tínhamos uma sala com varanda para mim e para o meu irmão, o quarto da minha mãe, o quarto do pai, dois quartos de criada e as salas de banho.
Naquele tempo, já se sentia o início da inflação alemã. Tornou-se talvez a inflação mais espectacular do mundo, com a qual nenhuma outra se podia comparar. Posso dizer que mil marcos, muito dinheiro, ao fim de um ano eram trocados por cem mil - o papel trazia um carimbo com esse valor. A desvalorização era de tal maneira forte que os ordenados passaram a ser pagos diariamente e as pessoas, mal recebiam, iam imediatamente comprar comida.
Se bem me lembro, 1921, 22 e 23 foram esses anos tremendos de inflação.
O Governo Democrático Alemão que se criou com a queda da Monarquia e a Revolução de 1918 não tinha dinheiro para pagar as elevadíssimas reparações de guerra à França e à Inglaterra. As fábricas estavam parcialmente destruídas, não funcionavam, e para sobreviver o Governo todos os dias emitia mais papel, mais dinheiro, dinheiro sem cobertura, não havia reservas sólidas e daí a inflação.
Ao fim de dois ou três anos, convertiam-se dez biliões de marcos num só marco".
(Continuo a esboçar a história dos Freudenthal aos quais me sinto ligada por afinidades de família).
"Em 1914, as tropas russas ameaçavam invadir a nossa região, agrícola e muito fértil, na província de Posen. Pertencia à Alemanha, mas como região de fronteira era muito cobiçada por polacos e russos e interessava igualmente aos alemães.
Era o início da Primeira Grande Guerra, adivinhava-se ir ser aquela uma zona de turbulência, de modo que, com um ano de idade apenas, fui com a mãe e o irmão dois anos mais velho para o interior do país, para Hartzourg, cerca de 200 quilómetros a sul de Berlim na Serra de Hartz.
Ainda nesse ano, depois da Batalha de Tannenberg, onde os generais alemães Hindenberg e Ludendorf derrotaram as tropas russas, nos pântanos, regressámos a Hohensalza ao tempo já livre dos perigos de guerra próxima.
Entretanto, o meu pai tinha sido mobilizado, mas por ser judeu não pôde alcançar um posto superior na hierarquia. De modo que foi oficial inferior, como era chamado, uma categoria um pouco acima de sargento. Em 1915 foi enviado para a Frente na parte ocidental da França onde a guerra dura era de posições e por isso ocorreram muitos episódios dramáticos, e também alguns quase cómicos.
No vale de Verdun, alemães e franceses estiveram fortemente entrincheirados durante meses e tudo se tornou campo de lama com mau cheiro, ratazanas enormes, milhares de soldados a rondar em permanência e, todos os dias, o fogo intermitente dos canhões. Era infernal! O meu pai contou-nos que as suas roupas estavam permanentemente enlameadas, nunca chegavam a secar.
Um dia, conquistou – conquistou… é o termo - um lugar enxuto em cima de um monte de granadas protegido por um pequeno telhado. Bastava cair uma bala e tudo iria pelos ares - mas os outros invejavam-no! Cobiçavam o seu lugar privilegiado!
Foi ferido na perna direita numa destas batalhas. Com a ajuda do seu adido, um rapaz polaco, conseguiu arrastar-se por muitos quilómetros até à retaguarda. Daí foi transportado para os hospitais de guerra onde a minha mãe o ia visitar. Queriam cortar-lhe a perna, mas ele não permitiu. Andou de hospital em hospital durante anos até que em 1917 foi considerado curado.
Durante a ausência da minha mãe, ficávamos em casa com uma governanta. Por essa altura (?), o meu pai já tinha modernizado a fábrica, sendo os produtos depois transportados pelo exército. Só em 1918 é que recomeçou a trabalhar.
Houve uma penetração local do exército polaco, os soldados alemães conseguiram vencer a primeira ofensiva, mas os polacos ganharam a segunda. Ainda me lembro de estar sentado com a minha mãe e o meu irmão na cave e ouvir os tiros dos revoltosos lá fora, tal como 60 anos mais tarde em Luanda! Nunca me esqueci do que aconteceu à filha do Presidente da Câmara que espreitou pela janela e uma bala perdida matou-a no mesmo instante. Assisti a isso.
Acontecimentos trágicos como este marcaram-me e passaram a fazer parte da minha vida.
O meu pai foi capturado pelos polacos porque era militar alemão. Entretanto, com o armistício de 1918 e os soldados desmobilizados, o meu pai saiu em liberdade.
Aquela parte da Alemanha onde vivíamos passou a pertencer à Polónia. Numa votação, decidiu-se que os alemães que queriam ali ficar deviam tornar-se polacos. A alternativa era ir para a Alemanha. E foi o que o meu pai fez.
Optou pela Alemanha, vendeu tudo, recebeu o pagamento em dinheiro polaco, transferiu-o para Danzig e um mês depois aquele dinheiro não valia nada. Só chegou para em 1919 comprar a casa em que passamos a viver em Zoppot.
Era uma estância balnear do Mar Báltico a 20 quilómetros de Danzig a que estava ligada por caminho-de-ferro. Era uma belíssima região! Vivíamos num 4º andar numa ruazinha sem saída, não tinha qualquer semelhança com a vivenda de Hohensalza, mas eu e o meu irmão adorávamos aquilo.
As praias eram magníficas e havia uma ponte de quilómetros que entrava pelo mar dentro" (talvez fosse um molhe ou um cais de embarque) "e barcos de pesca, muitas lojas e um casino fabuloso com pavilhões de música onde no Verão tocavam as melhores orquestras. Havia sempre gente a passear sob as árvores enormes e a Ópera ao ar livre era num parque grandioso. Lembro-me de um pormenor que me deslumbrou: a cortina de cena era feita de folhas.
A minha mãe tirava imenso prazer da música e eu e o meu irmão, com sete e nove anos, vimos aí o Fidelio, de Bethoven.
Todavia, o casino, a minha Mãe não aprovava porque o pai e os outros homens se divertiam ali a jogar e jogavam muito".
(Tenho algumas dúvidas sobre datas e lugares que devo estudar melhor).
Conheci J. Freudenthal há mais de vinte anos e, pelo que ouvi na ocasião, calculei que devia ter tido uma vida um tanto ousada e aventurosa até que decidiu permanecer em Lisboa onde o fui encontrar e conhecer. Quis que me contasse algumas das suas aventuras, mas na verdade nunca aconteceu.
Agora que já não está entre nós, surgiu a possibilidade de vos dizer um pouco da sua história, aproveitando o essencial de alguns escritos que deixou e me foram cedidos.
Recordo-o como uma pessoa extraordinariamente agradável, sensível e com grande abertura como só têm aqueles que, como se diz, têm muito mundo no corpo. Era a sua forma de encarar os problemas que me atraía para além do inesquecivelmente azul dos seus olhos e do gosto pela música.
“Nasci em 1913 em Hohensalza, perto de Bromberg, na época pertencente à Alemanha, mas com numerosa população polaca. O nome de família do meu pai resultou de adaptações do seu nome judeu – no século XVIII com a emancipação os judeus tiveram que optar por um nome alemão. Os meus avós Freudenthal dedicavam-se ao comércio em que foram muito bem sucedidos e à música que executavam para gozo da família.
Quando os filhos atingiram a maioridade, o avô Heyman deu a cada um uma quantia considerável para usarem à sua maneira. É interessante saber de que modo, cada um deles, usou a sua pequena fortuna. Sei que as três filhas levaram essa quantia para o casamento como dote : uma fez maus investimentos e viveu sempre com dificuldades, outra fez uma grande fortuna como industrial e outra casou com um dentista. E os dois filhos, o meu pai Karl nascido em 1877 comprou uma fábrica de rações, o outro gastou o dinheiro todo em viagens.
A minha mãe nasceu em S. Francisco, nos E.U. em 1890, os seus pais voltaram à Alemanha, a Hohensalza, onde ela se encontrou e casou com Karl e onde nasceram os seus filhos. Vivíamos numa bonita vivenda com jardim e um belo salão de música que recordo com saudade. Ouvia a minha mãe cantar as canções de Schubert e de Schumann acompanhada pelo meu pai que tinha voz de tenor, mas às vezes desafinava.
Ele possuía a fábrica de rações e recordo as grandes máquinas que me fascinavam. Apesar de judeu, tinha direito de votar nas eleições municipais, graças à fortuna que detinha. Era desportista, de ideias positivas e muito empreendedor.
Ela era filha de Teresa Mensor e de Simpson Magnin, filho de um professor da Universidade de Leiden que um dia com 14 anos fugiu de casa e embarcou num veleiro para dar a volta so mundo. Em Honolulu resolveu fixar-se e dedicar-se ao comércio. Por volta de 1870, o Havai era independente e, para a coroação do rei, o meu avô Simpson foi encarregado de preparar o vestuário da corte. Foi a Paris e comprou tudo o que havia de moderno nos grandes armazéns Le Printemps.
Reformou-se cedo e foi viver para S.Francisco seguido de alguns dos seus irmãos. Criaram os grandes armazéns Magnin e sei que um deles foi um Rabi muito importante.
Depois que o avô Simpson morreu, a minha avó Teresa voltou com a filha para a sua terra natal, Hohensalza. A filha, a minha mãe Minnie, cujo nome original era Wilhelmina, fez aí o liceu e, com 16 anos, como era tradição na época, foi enviada para um colégio na Suiça onde estudou música e línguas. Conheceu então o meu pai Karl Freudenthal que nessa altura tinha o primeiro carro da cidade, um Dionbuton, com que se passeava orgulhosamente e sempre com grande sucesso ante as raparigas. Casaram-se em 1909.
A avó Teresa Mensor voltou a casar com um senhor Kayser e teve mais três filhas. Morreram todas tragicamente: a mais velha, quando chegou o nazismo, fugiu para a Holanda onde adoeceu e morreu quase logo. A segunda filha foi para New York, soubemos mais tarde que se suicidou por solidão. A mais nova era a Margot, muito bonita e alegre de quem recebemos já em Angola uma carta dizendo que se casara e que ela e o marido iam "fazer uma longa viagem", e que a procurássemos depois da guerra pelo nome do marido. Esta "longa viagem " sabíamos que significava deportação para os campos de concentração, e realmente nunca mais a encontrámos”.
(Este é apenas o primeiro capítulo do que me proponho contar com o consentimento da família, a quem agradeço a confiança demonstrada.)
O meu neto pequenino, o de dois anos e caracóis, foi ontem à escola pela primeira vez. Coube-me ir buscá-lo antes do meio-dia para almoçar em nossa casa e encontrei-o ao colo da educadora soluçando, com uma bolacha inteira enfiada na boca como um cachorrinho mimado.
Estava sufocado por causa da manhã incrível, completamente fora do seu entendimento: por que razão a sua mãe tão amorosa o havia de deixar naquela casa onde não conhecia ninguém e ir-se embora?! Ela deixara-o sozinho!
(Prometo corrigir esta foto logo que possível)
Então era aquilo a escola?
Acho que a única coisa de que gostou foi da mochila com que se deixou orgulhosamente fotografar, porque isso o aproximava dos irmãos, todos muito mais velhos e respeitáveis.
Costumava estar na nossa casa desde manhã até às 5, muito rodeado de carinho e da atenção meticulosa e exclusiva de todos. Depois dessa hora, voltava para casa dos pais.
Desde ontem, grande alteração na sua vida: passou a manhã sem qualquer apoio familiar com meninos que desconhecia e com jovens que nunca tinha visto. Vinha muito emocionado e enfiado - em poucas horas parecia ter menos três quilos. E vi um certo medo no fundo dos seus olhos fundos.
Hoje estava muito pior. Chorava copiosamente quando o fui buscar. E eu perguntei-me em nome de que tínhamos o direito de lhe infligir tamanho sofrimento.
Parece que tem que ser!?!...
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