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A cidade do México situa-se a grande altitude e a poluição é terrível, pegajosa e escura. Passei o primeiro dia com dores de cabeça insuportáveis aliviadas pela água fria em que mergulhei durante horas e pelas aspirinas que já se encontravam no quarto na mesa-de-cabeceira antes que alguém as pedisse, como bombons para uma noite doce. Nem pensar em sair.
No dia seguinte – não atravessei os mares para restar deitada numa cama de hotel - estava na rua às primeiras horas. O que tinha lido sobre os diversos povos que habitaram estes lugares, levava-me a desejar vivamente sair a correr e ver tudo o que havia para ver e admirar. Mas foi impossível. As dores de cabeça voltaram com intensidade e recordo-me de entrar num sítio para beber qualquer coisa e quase desmaiar. Então estenderam-me sobre os assentos de uma fila de cadeiras e despejaram-me com rudeza água fria na cabeça; e eu de olhos fechados pensando como resolver aquele grande problema…
A verdade é que saí da cidade do México procurando esquecer de todo a civilização azteca e a cidade que para mim a representa (excepção feita ao belíssimo Museu de Antropologia que não quero esquecer). Visitei outras cidades grandiosas na península de Yucatan como Chichen Itza e Uxmal onde a civilização maia, mais desenvolvida na astronomia, na matemática e na escrita, deixou monumentos de beleza singular, palácios, e templos em forma de pirâmide rectangular e escalonada com plataforma para sacrifícios. Usaram técnicas de edificação ainda ignoradas no nosso tempo de avanço tecnológico e os baixos-relevos na pedra em todas as construções, representando divindades antropomórficas, dão-lhes desusada sofisticação.
Recordo o majestoso Estádio para jogos onde me passeei sem perceber como faziam passar a bola naquele anel, a Pirâmide de Quetzalcoatl, o Templo dos Guerreiros, absotutamente extraordinário, o observatório chamado o Caracol e outros sítios que me deixaram por completo rendida ao fascínio de uma beleza simples e comovente.
Ainda recordando e olhando as imagens das pedras ordenadas e patinadas, sinto que compreendo, sinto que entendo a razão da grandiosidade que nada tem a ver com material, mas que é elevação, espiritualidade, desejo de chegar mais alto e mais próximo do céu. Os templos foram decerto erguidos em lugares sagrados indicados pelos deuses, são o eixo do mundo para cada um desses povos e a sua porta de comunicação com a divindade, essencial para a existência humana.
Todavia, passeando por lugares não de todo para turistas pude ver como se vivia ao lado destes palácios.
(Imagens da WiKipedia, agradeço a Daniel Schwen e peço desculpa por as fotos saírem cortadas do lado direito: o estadio com o anel, o templo dos guerreiros, o observatório, a pirâmide de Quetzalcoatl).
A caminho do México, passámos pela Guatemala com a naturalidade de quem dobra a esquina mais próxima da sua casa para dar uma volta pelo bairro. Tínhamos sabido de uma feira que conservava o encanto das feiras tradicionais e se realizava às quintas e domingos em Chichicastenango.
Atraía turistas de perto e de longe, de dentro e de fora do País, foi um inesperado deslumbramento e um estímulo. Fomos de véspera, ficamos num simpático hotel por perto, onde empregados nativos, “muito” índios e amáveis, nos acolheram bem, nos ensinaram a acender a lareira do quarto esfregando energicamente um no outro dois pequenos paus muito preparados e nos informaram sobre o acontecimento mais importante da cidade embora ocorra com uma frequência louca.
No dia seguinte, percorremos o recinto com intensa curiosidade. Era um fervilhar de gente com os seus trajes lindíssimos confeccionados com panos de lã ou de algodão, tecidos nos pequenos teares manuais que tínhamos visto, a caminho da cidade, as mulheres tecerem na rua, em frente da sua casa. Tinham cores carregadas e vivas, misturavam-se como as flores de um jardim na Primavera e eram uma alegria para os olhos.
Tudo parecia festivo por ali, comemorava-se qualquer coisa, talvez tivessem estralejado foguetes.
No recinto da feira, havia uma igreja onde as velas ardiam e era queimado incenso em permanência. As pessoas entravam continuamente levando oferendas de flores, de comida, de animais e saiam quase logo. Nitidamente um culto pagão e o católico juntavam-se em perfeita harmonia.
O interessante é que eu recordo duas igrejas, uma de cada lado do recinto, uma mais arruinada do que a outra, e estou a ver numa delas a monumental escadaria de pedra muito mais antiga do que a igreja. Fui procurar explicação na Internet para as minhas imagens um tanto imprecisas. Vi a figura de um templo muito caiado que parece acabado de construir devotado a S. Tomás, não falava de nenhum outro. Mas não inventei. Penso que houve ali um terramoto e pelo menos uma das igrejas estava em ruínas ao tempo da minha visita. Talvez a outra fosse um templo maia. Soube que esta Igreja de S. Tomás foi construída sobre o templo maia ali existente e os degraus que levavam à plataforma do templo ainda são venerados. É sobre eles que também são colocadas oferendas e são feitos sacrifícios (de galinhas, coitadas).
O que eu vi por todo o lado foi um respeito pela tradição que é bem claro em todas as actividades e maneiras de estar, e as justifica.
Vi homens carregando grandes sacos às costas com uma tira larga de couro sobre a testa de modo que a cabeça também suportava o peso do saco. Fiquei muito impressionada, mas eles pensariam que o que foi bom para os seus avós só podia ser bom para eles. E suportavam-no nessa convicção.
A feira era espectacular na variedade e qualidade dos produtos que desde as primeiras horas da manhã os seus donos expunham muito empenhados, combinando cores e atractivos. Havia legumes, flores e plantas medicinais, mas também máscaras de madeira, tecidos e roupas confeccionadas e cintos finíssimos que os homens usavam para segurar as calças largas que sem eles cairiam ao chão; eram uma beleza de desenho, um primor de execução - davam logo um ar alegre às vestimentas mais sombrias.
Comprei algumas peças vibrantes que conservo religiosamente como elementos decorativos na minha sala. E sandálias de couro entrançado que ainda circulam, vinte anos depois.
Porém, aquela feira é muito mais do que mercado: é comemoração, agradecimento, alegria, festa. É um lugar privilegiado de encontro do sagrado e do profano, por isso talvez, apesar de ser festa, há uma serenidade nas pessoas que nos toca.
Valeu a pena parar pelo caminho e dar aquela pequena volta como quem não quer a coisa.
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A propósito de viagens, recordei algumas minúcias que gostaria de lhes contar.
Estávamos no sul de Espanha para onde tínhamos viajado de carro. Muitas vezes, e dessa vez, ficávamos em parques de campismo e por isso íamos carregados de tralha para todas as eventualidades. Levávamos também o que nos era próprio: a juventude e a alegria de estarmos livres e descuidados para o que nos apetecesse. E vimos um enorme cartaz, foi talvez em Cádis, anunciando uma travessia para Tânger num enorme barco branco extremamente sedutor, com piscina e o mais com que sonhávamos havia muito.
Fomos.
Uma delícia aquela travessia, muito cinematográfica, apanhámos sol nas cadeiras longas do convés vestidos como as estrelas de cinema, copiámos os seus gestos bebericando frescas coloridas bebidas com minúsculo guarda-sol de papel, e tirámos fotografias enquanto gravávamos na memória belas imagens.
Na memória, porque não encontro as de papel.
Na cidade do outro lado, foi preciso arranjar hotel para essa noite e fomos ao gabinete das informações turísticas - recomendaram um certo hotel muito bom. Ficámos lá, mas ainda hoje sinto a indignação de ver que os lençóis não eram limpos e eu dormi sentada na cadeira, esperando desesperadamente a manhã para poder sair e circular. Como pudemos não reclamar?
Andámos fazendo compras pelos bazares, deslumbrados com o brilho das novidades à venda, com os costumes dos vendedores e dos outros e com o ambiente de ruas e praças. Trouxemos objectos de couro - almofadas e chinelos artesanais grosseiros que ainda há pouco existiam no museu caseiro.
Calcei logo os meus, cor de vinho tinto com uns bordados lindos no mesmo material, na frente, em cima, de modo que, enquanto movia os pés em qualquer direcção, via a beleza do ornamento e sorria. Estava muito orgulhosa. E continuámos por ali, coscuvilhando nas lojas extraordinariamente cativantes, até que ouvimos o apito desesperado do nosso navio. Olhámos para o relógio e… estava na hora de partir! Tínhamos esquecido completamente.
Corremos então pelas ruas, com um calor abrasador pelas costas, em direcção ao cais de embarque. Eu não podia ir depressa o necessário com aqueles chinelos enfiados, pesados e afinal incómodos e... tirei-os dos pés e corri descalça na calçada nojenta e cheia de piche negro e pegajoso. Corri o mais que pude, com o que tinha comprado nas mãos e o desejo enorme de não ficar ali outra noite, por nada deste mundo.
Chegámos no último segundo, sempre a ouvir o chamamento do apito, e entrámos ofegantes no vapor que nos salvou para uma vida vulgar e regular.
Muitas coisas aconteceram desde 28 de Julho de 2008.
Nesse dia, nasceram este blogue e o meu neto de quem falo frequentemente. Tal como está a suceder com o pássaro que nasceu na varanda do Jorge Nuno e com os mini-coelhos da Minie e do seu Tio, o João Maria cresceu espantosamente depressa, tão rapidamente que é dificil acreditar no que os olhos vêem.
Uns e outros desenvolvem-se em corpo e em conhecimentos à velocidade da luz. O pássaro está a aprender a voar, observando os outros (os que lhe vêm roubar a comida e alguns, como um dos que chocou o ovo, que vêm ajudá-lo nos seus movimentos incipientes). Já fez uns ensaios. Na verdade, já se atreveu a voar do beiral da varanda para o vaso/ninho, e vice-versa, naturalmente. E está do tamanho de um pombo normal.
Os coelhos começaram a comer as ervinhas frescas que lhes coloco por entre as grades da gaiola (coitados, mas se não estiverem contidos, serão rapidamente devorados pelo javali que se entretem a dar cabo do jardim).
Quanto ao João Maria... não há nada que ele não tente executar da melhor maneira, imitando com a humildade necessária os crescidos que o rodeiam. Nunca tinha visto ninguém chutar a bola com a precisão com que ele o faz, bola em movimento. Ele atira-a ao ar e dá-lhe um chuto monumental. Ouço o ruído do pé na bola de borracha e fico admirada: o Cristiano não faria melhor.
Mas tem muitas outras habilidades e conhecimentos. Sabe reconhecer pelos símbolos os mais diversos carros, passa a mão naquelas coisas de aço, acariciando como a Minie faz aos cavalos que adora. É muito enérgico e parece ter um pequeno motor invisível nas pernas, o que lhe permite estar em movimento acelerado quinze horas em cada vinte e quatro.
Também gosta de flores e da beira-mar onde vamos passear com frequência. Ele apanha uma flor minúscula branca ou cor de laranja ou amarela e vem dar-ma como presente que percebeu que eu apreciava.
E todos os dias aparece com palavras novas que vão preenchendo a sua necessidade de comunicação. Todos os dias!
Sabe exactamente o que pode fazer comigo e o que fará com outra pessoa da sua "entourage". Vai usando cada um, com muita sabedoria.
Eu disse-lhe para fazer uma cara bonita e ele, brincalhão, posou assim:
Ouvindo deliciado (!) uma área de ópera e escondendo o lagarto no bolso.
Queria fazer uma última viagem no sentido que Agustina dá ao termo viagem.
“A viagem com o seu mistério e a sua intimação à consciência, com as suas alegrias que nascem inexplicavelmente dum golpe de vento na poeira sobre uma ponte, duma sensação de vida isolada e profunda quando atravessamos uma terra estrangeira – ah, essa viagem poucos a podem experimentar!”
Experimentei vezes sem conta e é disso que tenho saudades, é isso que desejo tentar uma vez mais.
Recordo pormenores daquela ao Japão; e da outra ao México sobre as quais escrevi ainda no calor do que admirei. Foram também perfeitas as viagens à Índia dita Portuguesa, à Turquia e a lugares inteiramente diferentes como a algumas ilhas da Polinésia, à Ilha Maurícia, aos Estados Unidos, e a muitos lugares de quase todos os países da Europa.
O que encontrei em qualquer destes lugares tão dissemelhantes?
Não sei o que descobri. Sei que me davam um prazer enorme essas viagens sem muitas marcações prévias, os detalhes desconhecidos e insignificantes que ia descobrindo, essa beleza das coisas simples e ignoradas de que não dava conta no meu dia-a-dia apressado e desatento nos lugares habituais. Divertia-me analisar os gestos de pessoas estranhas, adivinhar as intenções, imaginá-las na sua vida grandiosa e simples. Nos seus dramas, facilmente arquitectados por mim a partir de um trejeito ou de um acenar, adivinhava inteligência e perseverança e muito mais. Como melancolia. Ou imprudência, talvez.
O que me ficou foi o prazer das descobertas que mais ninguém fez, apenas porque não tinham valor para ninguém. Aquela música em certa catedral gótica à luz dourada do fim do dia que inesperadamente me agarrou e me levou para um mundo outro… O modo como passei as barreiras para o lado da New York não recomendável, feliz e inocente, consumindo à colherada um enorme e saboroso iogurte que levava na mão, com o dobro do tamanho dos nossos e o doce de fruta no fundo para misturar apenas o que quisesse, calculando que ninguém me faria mal e não fez. Ou nem sequer pensava nisso. O espanto de ver a senhora velhinha, impecável nas suas roupas esbatidas a condizer com o cabelo branco, a apanhar com desagrado, claro, qualquer minúsculo papel que alguém deixava cair ao chão, conspurcando a sua cidade limpa… E o ter podido conviver com o importuno, como diz Agustina, no para mim mais interessante dos seus livros, Embaixada a Calígula, que acabei de comprar pela segunda vez, agora na reedição de toda a obra.
Termino lembrando palavras de Kierkegaard, citadas nesse livro:
“Quando alguém escreve acerca dos acontecimentos da sua própria vida, é regra de delicadeza não dizer nunca a verdade, mas reservá-la para si e permitir só que se reflicta de diversos ângulos”.
Cantar em coro é muito bom para nos sentirmos de harmonia com o mundo e com os outros. Excelente será pensar em coro como se faz no país "do outro lado do espelho".
Acho muito divertida, além de importante, esta actividade de pensar em coro, porque será uma daquelas experiências novas que nos dá a esperança de ser a melhor, a mais produtiva forma de...
Seria em silêncio, naturalmente, o que dá mais razões de esperar. Confio no silêncio mais do que em qualquer conversa muito inteligente: nesta há sempre um ruído de fundo perturbador.
Pensar em coro pode ser assim ou doutra forma qualquer: diversas pessoas reunidas num palco pensam arduamente, durante uma ou duas horas, num tema escolhido antes, perante um público em profundo silêncio seu na plateia, ou tentando acompanhar o coro, o silêncio do coro. Seria um espectáculo de muito bom gosto.
No fim desse tempo, os elementos do coro poderiam quebrar o silêncio, desde que alguém lhes dirigisse a palavra. Todavia se isso não acontecesse, continuariam em silêncio, e tudo estaria bem.
No primeiro caso, poderiam ter chegado a uma conclusão e, embora isso não fosse essencial, quereriam falar dela. Digo que um dos mais relevantes poderes que todos temos é o de atribuir às palavras significados diferentes conforme nos convém, o que é absolutamente extraordinário e muito, muito conveniente. E também inconveniente: quando falámos, metemo-nos em sarilhos justamente por causa dessa irritante multiplicidade de significados para o mesmo vocábulo.
Voltando àquele espectáculo, seria uma espécie de meditação em conjunto e com tema para que ninguém se dispersasse, sem maestro de batuta ou com maestro sem batuta ou mestre.
Em geral, os grupos corais ensaiam para cantar em público com harmonia. No caso dos que pensam em grupo poderia não ser, que acham? Podiam pensar em lugares tranquilos e sós e não em palco para público. Tinham de estar de acordo desde o princípio. Talvez não fosse necessário ter ensaios, consultar pauta…
Num caso ou no outro, o que não lhes perdoaríamos era que se desarmonizassem.
(Gostaria que os meus amigos glosassem este tema e desde já lhes dirijo a palavra para que quebrem o silêncio depois da sessão coral e nos falem das suas conclusões sem esquecer que conclusão é uma palavra solta).
Ontem, fui conhecer os novos habitantes da quinta; são muito bonitos, três coelhos macios e brilhantes: branco, malhado branco/cinzento e cor de canela.
Que fotografei aos pés do meu neto mais novo, o gémeo deste blogue, quase a fazer dois anos.
Todavia, o importante, o acontecimento importante destes dias foi o incêndio no monte vizinho que se prolongou com intermitências e nesta manhã os helicópteros e os aviões revezaram-se a acudir com água do rio e das lagoas e do nosso lago.
Os incêndios são a tristeza do costume, mas o lago tornou-se útil, finalmente, já que os patos não gostam de ficar por aqui, mesmo quando nidificam nas bordas.
E os peixes... sim, este ano, vi muitos peixes de vários tamanhos, em cardumes. Talvez tenham também passado, não os avistei hoje.
Fui observar de perto... mas esqueci a máquina. Lamento não ter melhores fotografias - gostava de ter apanhado uma tomada de água pelo minúsculo balde do helicóptero.
Apenas quero lembrar o perigo da negligência e do à-vontade excessivo que penso estar na origem da maioria dos incêndios. Devemos falar neste aspecto destes acontecimentos até que todos compreendam e entendam o incêndio da floresta como aquilo que nos destrói por dentro sem vantagem para ninguém. É o que aperta o coração até ele caber inteirinho na mão fechada.
Temos que pensar de que modo podemos ajudar, todos podemos.
Acho que esta história do incêndio, tal como a do pássaro desamparado, ainda não terminou: o fumo cinzento e espesso continua a manchar o céu inocente. E os aviões e os helicópteros já abandonaram o local.
Um ovo gigante apareceu num vaso da varanda do Jorge Nuno, na sua casa em frente ao Parque da Cidade. O ovo esteve ali, semi-abandonado até que pelo menos dois pombos altruístas apareceram e se revezaram a chocá-lo. Era um bonito espectáculo ver ora um ora outro ficarem horas a fio partilhando a dádiva do seu calor ao ovo de ninguém-sabia-quem. O Jorge Nuno não ousava nem abrir a porta de casa para a varanda quanto mais aproximar-se. Deixou mesmo de frequentar a sua sala para não perturbar os generosos fecundadores.
Aquilo durou semanas, ele… sempre bird-watching. Até que um dia o ovo eclodiu e apareceram dois espécimes que ele não soube identificar. Dois de um ovo!
E assim começou uma outra história, uma impressionante história de sobrevivência.
Um dos pássaros/bebés desistiu quase logo, o outro continua, agora sozinho, a lutar pela vida sob os olhares apaixonados do dono da varanda. Apaixonados e observadores. A sua máquina também emocionada fixou diversos momentos e provavelmente ele tomou notas que vão servir para ampliar os conhecimentos científicos dos ornitólogos. Muitos interessados em pássaros vão aproximar-se e fazer com o novo observador longa amizade.
O comportamento daquelas aves foi extraordinário tanto quanto sei e o do filhote combativo ainda mais curioso. Ninguém lhe meteu a comida no bico como fazem todos os pais; alguns até muito tarde - em geral os pássaros condescendem com crias mimadas e exigentes, sempre gritando de boca aberta por mais. Este teve que abrir os olhos e imaginar o que seria bom para si.
Assim como o J. N. que não fazia ideia do que comeriam. Foi perguntando e pondo água e migalhas de bolacha, comprou comida numa casa da especialidade sem saber de que ave se tratava. Ele era tão feio e esquisito, peludo e amarelo, grande e desmantelado!
Foi tirando fotografias a medo, mas nem era preciso ter medo – o pobre não sai dali e os outros… é bom que saiam. Nenhum lhe vai ensinar nada: como aprenderá a voar? Depois do nascimento, os pais adoptivos desapareceram, considerando a missão cumprida, segundo a sua lei.
Porém, pela calada da noite, J.N. abre a porta devagarinho e coloca a comida no vaso sobre a terra, não há ninho. De manhã, vêm os graúdos comer os grãos e, pelos ferimentos do pequenito, calcula que o ataquem.
Não sabe como defendê-lo.
Mas a história continua.
(Fotografias de J.N. para Flipado no Facebook - do ovo misterioso ao gigante que será um pombo-correio comum a constuir-se quase só!)
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