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Na 6ªfeira passada, Sandra Ribeiro falou no Clube Literário do Porto da importância do auto-conhecimento.
“Vermo-nos todos os dias ao espelho não é o suficiente para nos conhecermos. É preciso algo mais. É preciso irmos ao fundo de nós mesmos e percebermos donde viemos e para onde vamos. Ninguém nos diz isto, sobre a importância de olharmos de dentro”.
Não duvido da importância de nos olharmos e de nos entendermos, em primeiro lugar, mas seria importante saber como isso se faz. Como aprenderemos sobre nós, já que ninguém nos ensinou? De que modo concreto podemos aprender a ir ao fundo de nós mesmos?
Sandra Ribeiro, licenciada em Estudos Europeus, jornalista, pretende dar novo rumo à sua carreira – tem um projecto de “promoção de desenvolvimento de pessoas e organizações rumo a uma vida mais integrada e plena”.
Não era o que esperava, por isso saí de lá desiludida.
E sobrou-me tempo para entrar na igreja que é uma beleza, a dois passos, e que me parece ser raro estar aberta. Contemplei por momentos em silêncio os altares barrocos de grande riqueza estética e saí, sem penetrar no espírito do lugar, para notar diferenças nessa parte tão antiga da cidade.
Recordei, logo a seguir à Igreja, um velho restaurante a que achava muita graça, porque tinha uma ramada sobre um espaço aberto que servia de esplanada com mesas e cadeiras num tempo em que não havia esplanadas no Porto. Desde há anos, cada vez que passava perto, ia ver se ainda não tinha sido destruída a latada.
Pois bem, lá estava a ramada muito bem tratada com as uvas duma bela cor verde penduradas ao acaso, dando frescura e protegendo de desagrados. E o pequeno restaurante todo pintado de branco, muito simplesmente decorado e bonito, de forma adequada ao lugar, onde tomei um chá e comi uma torrada amavelmente atendida pelas empregadas, bem vestidas e atentas, sabedoras do seu ofício.
Havia o “design” contemporâneo na Alfândega, também na zona, e decidi ir espreitar. Dei uma pequena volta, já falei sobre isso, e observei os belíssimos carros no terreiro fora de portas, expostos a quem passava e comentava com cobiça e ciúme. Mas eu apenas vi a beleza deles.
Quando comecei a lê-lo, não fui seduzida pela sua escrita. Porém, rapidamente, vi que era um grande grande escritor que valia o esforço de tentar compreender. Escreveu muito em poucos anos, porque soube guardar as memórias do que o tinha impressionado, memórias da infância e as outras.
Nos livros que nos deixou, estão os seus sonhos e é deles que podemos usufruir.
Insurgiu-se contra a desigualdade social, a falta de humanidade,
contra tudo que achou mal e o que todos nós achamos mal
sem que façamos seja o que for para o melhorar. Nem sequer gostamos de reflectir sobre o que, nas suas palavras, visa a dignificação do homem.
A sua dimensão como escritor universal permite-nos pensar que ajudará a construir um mundo BOM no sentido que a doutrina cristã e outras ensinam, mas que os cristãos esqueceram há muito. Será um mundo sem opressão, sem excessos de poder, sem o desassossego de que agora ele próprio se ressente e precisa para desassossegar os outros.
Era um homem bom, não era um santo.
Por isso, não gostamos de tudo que escreveu nem de tudo o que disse. Por que havíamos de gostar? Mas apreciamos a sua sensibilidade, a sua coragem, o seu extraordinário talento para ler, observar, para sonhar e passar à escrita numa nova língua os seus desejos de mundos melhores, pacíficos e luminosos. Amorosos.
Rendo também homenagem à sua mulher cuja atitude admiro desde há muito tempo e que me enlevou hoje durante as cerimónias fúnebres a que assisti de longe com muita emoção.
Quero referir agora e pedir que vão visitar PU-JIE no blogue http://puyibrother.blogspot.com/2010/06/if-only-closed-minds-came-with-closed.html para verem até onde pode levar a tacanhez e a maldade dos que se julgam bons. (Não são todos).
Visitei a exposição de design e arquitectura de interiores no espaço muito apropriado da Alfândega do Porto. Termina hoje e mostra as tendências e as propostas das marcas internacionais.
Sempre me interessei por design contemporâneo para mobiliário, iluminação e tecidos e durante mais de dez anos dirigi a Galeria Vantag onde expunha e vendia essas peças desenhadas pelos profissionais mais reputados e criativos.
Passaram alguns anos e o que vi ontem tem muito pouca semelhança com o que mostrava na Galeria. Por isso, o primeiro momento, foi para mim um deslumbramento.
É dado espaço às peças para que brilhem, as peças são de si brilhantes. Quase não vi madeira, aquele material tradicional que a Vantag fazia questão de privilegiar. Tudo é de materiais plásticos muito sofisticados de fabricação industrial. Alguns feitos em Portugal, indistinguíveis dos outros, não se pode falar de design português.
Confesso que o que preferi foi o equipamento de cozinhas que é realmente um esplendor de bom gosto e de superação para o prazer… enquanto não é utilizado.
Recordei então a batalha que foi expor na Alfândega o mobiliário imaginado e executado em Portugal com materiais o mais próximos possível da natureza, aqui produzidos, e que procurava impor aos portugueses um novo estilo de vida. Impor é excessivo, naturalmente, sugerir é mais adequado. Mostrar essa possibilidade em termos concretos foi o que sempre pretendemos. Integrado numa feira de decoração e antiguidades e num cenário pensado pelo arquitecto Lourenço Rocchi, divulgámos o que fazíamos num espaço razoavelmente improvisado e que estava longe de ser o que agora temos ali - melhor e preparado para qualquer acontecimento.
Há uma sala logo à entrada do edifício do lado esquerdo. Nesse tempo, propus à Câmara fazer uma exposição grande das peças que vendíamos.
A Câmara cederia o espaço, mas a Vantag tinha de o remodelar inteiramente – estava em bruto, havia muitos anos abandonado, e isso implicava uma grande despesa para a nossa mini-empresa, não para a Câmara. Abandonámos a ideia. Mais tarde, vimos com gosto a grande sala branca simplesmente arranjada e devidamente utilizada.
Em muitos aspectos, em quase todos a este respeito, a Vantag foi pioneira e desejosa de servir.
A Daniela Palhares, amiga e colaboradora desse tempo primordial e que continua neste sector, estava lá (elegantíssima) com uma das suas marcas, a Zanotta, e foi a única ligação que encontrei com a velha Galeria em que ambas trabalhámos e nos empenhámos com o apoio de outras amigas a quem agradeço ainda e mais uma vez a dedicação que sempre puseram naquilo que fazíamos em conjunto.
"Na profundidade prateada do olival os troncos começaram a tornar-se visíveis, havia já no ar um bafo húmido e impreciso, como se a manhã estivesse saindo dum poço de água nevoenta, e agora cantou um pássaro, ou foi ilusão auditiva, nem as calhandras cantam tão cedo. Passou tempo, e Joaquim Sassa deu por si a murmurar, Se calhar arrependeu-se e não vem, mas não me pareceu homem para tal, ou teve de dar uma volta maior do que contava, isso terá sido, e também há a mala, a mala pesa, falta de lembrança, podia tê-la trazido eu para o carro. Então entre as oliveiras, José Anaiço surgiu rodeado de estorninhos, um frenesi de asas em rufo contínuo, gritos estridentes, quem falou em duzentos é mau aritmético, mais me lembra isto um enxame de abelhas negras, grossas, mas à memória de Joaquim Sassa acudiram, sim, os Pássaros de Hitchcock, filme clássico, porém esses eram malvados assassinos. José Anaiço aproximou-se do carro com a sua coroa de criaturas aladas, vem a rir, talvez pareça por isso mais novo do que Joaquim Sassa, é bem sabido que a gravidade carrega o parecer, tem os dentes muito brancos, como desde a noite passada sabemos, e no conjunto da cara nenhuma feição sobressai em particular, mas há uma certa harmonia nas faces magras, ninguém tem obrigação de ser bonito. Meteu a mala dentro do carro, sentou-se ao lado de Joaquim Sassa, e antes de fechar a porta espreitou para fora, a ver os estorninhos, Vamos embora, queria saber o que eles fariam, aí tem."
...
"O lusco-fusco da manhã começava a tingir-se de rosa pálido e rosa viva, eram cores caídas do céu, e o ar tornou-se azul, o ar, dizemos bem, não o céu, como ainda ontem pudemos observar ao entardecer, estas horas são muito iguais, uma de começar, outra de acabar."
(Jangada de Pedra, José Saramago, Editorial Caminho, 1986)
Por que amamos a vida?
Nestes dias de silêncio, penso...
Já vi tudo o que aprecio ver e senti o que prezo sentir. Estive em sítios semelhantes tão diferentes. Saboreei falar com pessoas de quem gosto, ouvi música maravilhosa, vi as catedrais góticas, li os grandes poemas e as excelentes histórias que a fantasia concebeu em qualquer tempo, conheço as lendas e os bons filmes sem grandes assuntos e as melhores imagens feitas acerca do que for, em qualquer técnica. Usufruí das mais belas paisagens, o mar e as rochas, as montanhas e as árvores, a totalidade dos céus - sem nuvens, com nuvens brancas ou doutra cor, com e sem estrelas, os rios brilhantes de luz e de peixes prateados. Vi todo o amor do mundo nos olhos de cada criança que abracei.
Dei-me conta dos mistérios, dos sentidos que não descubro, de tudo o que não posso compreender.
...mas a interrogação ficou: por que gosto da vida?
(esta foto é de Manel Bruschy).
(e esta é de Zé Miguel Vieira).
Há presentes que se dão quando não fazemos anos. Chama-se a isso, presente de desaniversário. Pelo menos, é assim que o classifica o Humpty Dumpty que afirma também serem esses os melhores presentes: podem ser recebidos 364 ou 365 vezes em anos bissextos, um por dia, ao passo que o presente de aniversário só se recebe uma vez em cada ano. É bem verdade, segundo a lógica daqueles conhecidos lugares do outro lado do espelho.
Eu desejava que um presente destes se oferecesse para retirar anos aos que já temos. Um pouco como se os desfizesse. Porque “fazê-los não parece de quem tem muito miolo”, diz o velho divertido poema de João de Deus.
Um dia da semana passada, recebi um enorme presente de desaniversário de uma jovem amiga, com o acordo da sua companheira de trabalho e associada. Daí a dias, as duas prepararam para mim e para os meus convidados um jantar excepcional, apetitoso, saudável, diferente, bonito por um preço inimaginável. Voluntariamente… se é que sabem o que quero dizer.
Quando o Humpty Dumpty emprega uma palavra, ela quer dizer exactamente o que lhe apetece a ele que ela diga. Desta vez, voluntariamente quer dizer o que me apetece a mim que diga. O que me apetece… é o princípio de uma bela amizade.
Vem a propósito afirmar hoje que me sinto contente: estava muito esquecida, mas consegui lembrar-me do como isso se faz. E gostava de lhes contar a minha experiência com estas jovens cujo trabalho desconhecia completamente até há poucos dias. Unicamente lhes falei de um jantar sofisticado que devia preparar, rebuscado mas de época de crise - embora esta seja uma das tais palavras que não dizem sempre a mesma coisa, pelo contrário. Todos temos grandes conhecimentos e muita experiência deste tipo de vocábulos. Mas é verdade que, como diz Alice, não se pode falar com alguém que diz sempre a mesma coisa; eu digo que, se as mesmas palavras querem dizer várias coisas, então nunca estamos a falar com alguém que diz sempre a mesma coisa. Adiante.
Encontrei-me com uma delas numa viagem de comboio para Lisboa, íamos para o mesmo acontecimento. Falámos do jantar e tive a oferta. Deixei ao seu critério a escolha da ementa e aceitei de imediato a que propôs. Confiei no seu bom gosto e no bom senso e no da outra jovem a quem, soube depois, se tinha associado para serviços de catering.
A que conheci nessa viagem, quase arquitecta e estilista e agora cozinheira amadora de grande qualidade e a sua amiga apareceram risonhas, com aventais alegres e coloridos até ao chão e prepararam calmamente aperitivos deliciosos – minifolhados de salmão, morangos com cogumelos e outras maravilhas; sopa de bróculo, pato, couve roxa com maçã, empadas de puré de batata com ervilhas saborosas e perfumadas e, por fim, o brinquedo que era um bolo de chocolate enfeitado com frutos silvestre e acompanhado com um creme lindo.
E, vejam só, apesar de o gás ter acabado a meio do jantar, tudo correu sem atropelos, sem pratos pelo ar, sem lágrimas. O sorriso aberto de ponta a ponta, igualzinho nas duas, permaneceu até ao fim. Não vi correrias, não ouvi gritos nem zangas, vi o sorriso, o gosto de fazer bem com entusiasmo, com amor, com bom coração.
A Maria Manuel e a Catarina foram aprovadas com distinção.
A sua empresa de catering Hortelã Pimenta que recomendo vivamente tem um cartão cor de canela numa face e cor de hortelã na outra, o site www.hortelapimenta.pt e o email geral@hortelapimenta.pt (que não estarão ainda a funcionar). Os seus números de telefone são 914897399 e 912561165, podem começar a telefonar.
(foto de A. de Lima)
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