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por Zilda Cardoso, em 29.04.10

 

TE-ATO

(Grupo-Teatro de Leiria)

 

Sala Jaime Salazar Sampaio

Rua Pedro Nunes (Transversal Arquivo Distrital / Terreiro)

 

 

C10

 

 

Sexta

21h30

Sábado

18h00 e 21h30

 

 

H14N2

 

 

 

 

 

 

Texto | Sandra José

Encenação | Ana Rita Santos

Interpretação | João Lázaro

Assistente Encenação | Nuno Gomes

Produção | Maria Manuel Rocha Marques

 

Apoio | Jornal de Leiria

 

 

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publicado às 11:21

os netos em todo o mundo

por Zilda Cardoso, em 27.04.10

 

Como quero mudar radicalmente de assunto, procurei uma fotografia velha de há 2 semanas do meu neto encaracolado. Encontrei esta:

 

Não sei bem o que ele está a fazer, mas calculo que seja - envergonhar-se de qualquer coisa que a avó fez mal. Porque ela faz muitas coisas mal, o que seria constrangedor se não desse vontade de rir. Por exemplo, quando decidem ambos ouvir música clássica cantada por aqueles grandes tenores que sabemos, e tentam imitar as suas vozes e os gestos de boca e de cabeça apropriados e de olhos em bico, e terminam ambos em grandes gargalhadas cúmplices: aquilo só para rir!
E rimo-nos com tanto gosto!
De vez em vez, repetimos a cena com o mesmo resultado hilariante.
Todos os netos do mundo são génios, disso não tenho dúvida! Apontem-me um que não seja; o João Maria não é excepção.
E ainda por cima retribui todo o carinho de que é objecto. Leva-me pela mão para todo o lado - para jogar a bola, para empurrar os carrinhos pelo chão ou pelas mesas e cadeiras, tudo auto-estradas sem grande trânsito, para desenhar objectos no seu livrinho vermelho, e para ir à rua ou à esplanada observar as minúsculas flores brancas do relvado ou os pássaros que querem migalhas.
Quando o tempo não permite, leva-me à garagem onde estão todos os belos carros dos vizinhos e as motas e as bicicletas que ele adora. Às vezes aí, acabamos por nos zangar porque ele não quer deixar o sítio fascinante cuja poluíção não lhe importa minimamente.
Também gosta que lhe dê a papinha que está sempre uma delícia, depois de apalpar o prato com cuidado com as costas da mão, não vá estar quente de mais.
Hoje deixou-me comovida. Viu-me descalça e... não resistiu. Depois de protestar comigo e comparar os meus pés nus com os dele devidamente calçados, decidiu ir buscar os meus sapatos ao fundo do corredor - afastou-me com energia quando eu o segui, e trouxe o meu sapato seu favorito, obrigou-me a sentar e a calcá-lo; depois foi buscar o par (misturado com milhentos diferentes), fez-me sentar de novo para o calçar, e só então me pegou na mão para continuarmos as nossas brincadeiras do costume.

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publicado às 21:34

O ESSENCIAL

por Zilda Cardoso, em 24.04.10

 

 

Hoje, ao fim do dia, tomei uma decisão importante: juntar pedaços de mim que têm andado dispersos por aí e tentar construir uma unidade coerente. Como se isso fosse possível ou sequer desejável.

Metade dos filósofos que conheço pensam que tem que haver unidade para haver conhecimento, querem dizer, não se pode conhecer o que varia, o que não é uno. O que é uma tarefa transcendente, mas será o meu jogo para os próximos tempos. E que farei alegremente, não superficialmente. Porque tal como cita o meu amigo bloguista Manuel, a partir de Mário Andrade, não tenho tempo nem desejo de me ocupar senão do essencial.

E diz M. A. que não quer debater rótulos mas conteúdos… E que tendo poucas cerejas na taça (como eu trinco de vagar cerejas frescas e duras entre dentes quase com raiva mas com enorme volúpia), quer aproveitar todas as que restam a viver ao lado de gente humana, coisas e gente de verdade. E eu ponho-me a pensar no que é o essencial como se fosse um objecto e no que é gente de verdade como se houvesse gente de verdade ou como se eu a conhecesse.

Não será o essencial para alguns a telenovela diária? Ou o mexerico com o vizinho? Ou a luta fratricida com o colega de emprego competitivo? Ou com o atleta que corre ao nosso lado? Ou a discussão inflamada sobre futebol e o clube rival e o árbitro e o treinador e o dirigente…? Ou sobre estafados temas políticos?

Não será alguma dessas coisas o essencial? Serão algumas dessas pessoas… gente de verdade?

Haverá muitos essenciais. E muito diferente gente de verdade. De certeza, há conceitos a definir.

O que é para mim essencial não é para o outro nem para o outro?

Então o que me interessa descobrir é o essencial em si de que faria ciência, baseado em estudo e análise? Ou de que faria religião baseado em fé?

Ou interessa-me o variável essencial que satisfaz cada um que proclama a sua opinião sem fundamento?

Há os meus amigos e as pessoas que admiro a quem pergunto tudo isso e cujos textos vou ler com redobrado prazer.

 

 

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publicado às 23:39

As lágrimas da Alice

por Zilda Cardoso, em 22.04.10
Não aprecia nada o que a rodeia. Não preza estas pessoas, nenhuma delas, não quer esta casa nem o jardim. Rejeita o sítio, tudo.

As lágrimas vêm e caem e correm e vão inundar o lugar como no País da Alice. Tal como ela, está cansada de estar ali sozinha e de ser tão pequena, capaz de mergulhar no lago das suas lágrimas salgadas como o mar.

Não, não pensa no País das Maravilhas mas na Virgínia Wolf e na sua caminhada para o rio naquele manhã. O rio… pode ser uma ideia, mas não quer poluir o rio, gosta tanto dele! O mar é violento e conservador… não. O quê, então?

De que modo acabar com esse desprazer?!

As lágrimas voltam. Aperta a cabeça entre as mãos. Dói-te a cabeça? Dói o coração. É o coração que dói. E a dor repercute em todo o corpo.

Virgínia W. deixou aquelas cartas tão amorosas e caminhou para o rio, decididamente, reparando na paisagem e nas pessoas nela, no céu e nos aviões...

Tinha falhado na vida. Não queria a sensação de ter falhado... nem a dor. A sensação de ter falhado na vida era a única razão para todas as dores.

A chuva tinha caído nos vidros empoeirados e as gotas estão agora quietas e brilhantes. Um bando de pombos cinzentos passa para leste a um metro do chão, exibindo uma mestria de voo notável, de asas muito abertas.

Talvez não precisasse de caminhar até ao rio, afinal, sentir o desconsolo da água fria e suja. A certa distância, havia um rododendro magnífico com pequenos ramos de flores cor de salmão, centenas, contra o céu azulado.

Talvez o sítio não seja assim tão desagradável. Mas ouve vozes ao longe, pensa que não quer ter que ouvir.

Apenas de pensar em vozes e em seres que estão lá, que as emitem, voltam as lágrimas e o desejo de caminhar até... Mas agora correm por dentro, elas correm por dentro.

As pessoas passam à distância.

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publicado às 08:34

Sem nuvem de cinzas

por Zilda Cardoso, em 18.04.10

 

 

(ontem)
(hoje)
De cada vez que passa um avião, vou espreitar à janela, embora não saiba o que espero ver, com que espero regozijar-me.
(amanhã)
Esta é a minha cidade sem nuvem de cinzas e sem tromba de água. Não é deslumbrante o meu sítio? Nada igual e tudo tranquilo. O céu reflecte o rio, flores nascem e frutos formam-se, entumescem, perfumam-se. Pode haver algumas originalidades em 2010 para dar sabor à vida. À vida do mundo.
Se não houver... não faz mal, tudo continuará.
,

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publicado às 17:35

Estranha Primavera

por Zilda Cardoso, em 18.04.10

Todos os anos, desde há muitos, estranho a Primavera. Toda a gente pensa e diz que este ano tudo é diferente. E que nunca se viu um tempo assim.

E eu também penso isso… quero pensar isso… que já há 500 anos, que me lembre, que não geava tanto e que Março e Abril eram meses sem falhas, “ricos de cantos e cores”, inspiração de poetas bucólicos.

As festas, todas, efectuavam-se na Primavera nos bons velhos tempos, ocasião em que a natureza “palpita, anseia, rebenta em cataclismos de flores”... "dir-se-ia que nas campinas, caíram chuvas de estrelas"...

Agora há muita chuva, sol permanentemente entre nuvens, calor escaldante seguido de vento gélido, vulcões incandescentes nas regiões glaciais e…

O homem pretendeu dominar a natureza, quer tê-la dominado, mas não domina coisa nenhuma. Nem sequer sabemos como fazer passar os aviões que inventámos através de nuvens de cinza que naturalmente saíram do vulcão porque naturalmente tinham que sair. Nunca nos lembramos disso porque nos julgamos todo-poderosos com as nossas máquinas.

Neste momento, perplexos com a gravidade dos fenómenos que não sabemos controlar e com as incomunicações que geraram, vemos o descontrole para que nos não preparámos nem conceptualmente nem materialmente.

O grande avanço da tecnologia de que nos orgulhamos com razão pode trazer aquilo que era receado por muitos quando tal começou há mais de duzentos anos: o homem será devorado pela máquina que inventou.

Porém, trata-se de um fenómeno natural e a questão é que não tínhamos pensado antes nas consequências dele para a nossa vida quotidiana, consequências capazes de nos destruir como civilização.

É um acontecimento não prenunciado, embora devêssemos saber prevê-lo. Agora o que nos incumbe alterar? De que modo seremos prudentes?

Tenho parte da família em Londres, devia ter regressado hoje, domingo. Voltará a meio da próxima semana de comboio e de carro: uma longa travessia europeia totalmente fora do programa,com a Minie que iniciou assim as suas viagens instrutivas. Espero que esteja atenta e aproveite. Nunca mais esquecerá esta primeira experiência e talvez ela própria escreva sobre isso daqui a muitos anos, ou desenhe ou conte ou faça um filme.

Talvez ela um dia responda à minha pergunta: o que devemos alterar?

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publicado às 17:02

REQUIEM À MEMÓRIA DO INFANTE

por Zilda Cardoso, em 16.04.10

 

Aconteceu, no passado dia 31 de Março, o costumado concerto de Páscoa na Igreja da Lapa no Porto. É sempre uma ocorrência de grande qualidade, mas este ano teve algumas características que o distinguiram.

Ouvimos o belíssimo Coro Sinfónico de Wiesbaden, a Orquestra Sinfónica Bach Ensemble da mesma cidade e os solistas Heidrun Kord e Berthold Possemeyer a executarem o Requiem à Memória do Infante D. Henrique da autoria do cónego António Ferreira dos Santos. Tinha sido composto em 1994 por encomenda da Comissão Nacional dos Descobrimentos.

Foi um extraordinário concerto e uma emoção: o coro e os solistas encantaram num português tão alemão que parecia uma língua mágica. A Orquestra constituída por músicos vindos de outros grandes conjuntos de Frankfurt, de Colónia, de Hannover… tem uma actividade regular de concertos na Alemanha e no estrangeiro e um grande quantidade de gravações em CDs. Dedicam-se à música clássica e romântica mas também à contemporânea.

Não é vulgar termos concertos de tão alta qualidade e, neste caso, o maestro Martin Lutz, muito premiado, com um currículo invejável, mestre capela, professor catedrático  e organizador de temporadas musicais como o Outono Musical de Wiesbaden  fez questão de tocar a obra do cónego Ferreira dos Santos em Portugal, conseguindo ele próprio subsídios de monta para a deslocação e alojamento de tão grande número de músicos. Aqui o patrocínio principal foi do Goethe-Institut apoiado por várias câmaras municipais.

O compositor Padre António Ferreira dos Santos estudou no Conservatório de Música do Porto e na Escola Superior de Música de Munique. É responsável por numerosas iniciativas no campo da música litúrgica a favor da Igreja e da comunidade proporcionando a possibilidade de ouvirmos obras magníficas de música sacra, das melhores que alguma vez foram compostas. Não apenas facultou a vinda ao Porto de grupos excelentes como adquiriu meios de execução que não possuíamos.

Refiro-me ao excepcional Orgão da Sé do Porto, cujo drama, que podia ter acabado em tragédia, vivi um pouco com o Cónego: ele tinha mandado executar o instrumento na Alemanha sem meios de cumprir o pagamento muito elevado, mas era tal a vontade de cumprir o sonho – o de ter um órgão de grande nível para oferecer à cidade - que apostou a sua vida nele.

Conseguiu. E hoje, ao contrário do que pensava na ocasião, acho que não teríamos o Órgão, nenhum dos órgãos que ele agenciou, nem teríamos escutado as obras de grande valor que enriqueceram o nosso coração e a nossa inteligência, se o cónego Ferreira dos Santos não tivesse tido ânimo e audácia. Foi também para nós um encorajamento e um estímulo para realizarmos o impossível.

Por tudo isso, o concerto da Páscoa na Lapa fez-me reflectir muito sobre o efeito da música. Para já, saí dali iluminada e deliciada.

O Dr. Ferreira dos Santos é reitor da Igreja da Lapa, mestre capela e cónego da Sé do Porto, professor do Seminário Maior, presidente do secretariado de liturgia da Diocese do Porto, presidente do Serviço Nacional de Música Sacra e membro de honra do Festival Europeu de Órgão.

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publicado às 18:26

A Perspectiva das Coisas

por Zilda Cardoso, em 08.04.10

 

 

 

 

Vi-o pela primeira vez no eléctrico que nos levou da escola para casa. Tudo o mais se desvaneceu excepto aquele sorriso que há sessenta anos permanece na minha memória – fresco, amigável, carinhoso, interessado, solidário. Como poderia esquecê-lo?

Mas ele não se demorou apenas na minha recordação: ao longo da nossa vida, fomo-nos encontrando, passámos por coisas boas e por más, a amizade que aquele sorriso inaugurou permanece. E o sorriso também como na wonderland. Tenho uma grande admiração pela minha amiga Cândida que venceu graves doenças, ausência prematura de gente querida e outros problemas profundos, mas a sua coragem e força nunca diminuíram. Nunca a vi de braços caídos.

De vez em quando, viajámos juntas. Estivemos na Alemanha ao tempo da feira de Hanôver e mais tarde visitamos os museus de Berlim. Há pouco mais de um ano, fomos muito bem guiadas observar obras de arte nos mais exaltantes museus de Viena. Para perto e para longe, é sempre nosso… o caminho, quando queremos saber novas e velhas coisas estimulantes, para fruir e para pensar, para conhecer melhor o mundo.

Desta vez, há dias, vimos A Natureza-Morta na Europa do Museu Calouste Gulbenkian em Lisboa. Estará até 2 de Maio, esta primeira parte da exposição de pinturas que diz respeito aos séculos XVII e XVIII. É um conjunto de obras-primas que mostra a diversidade de tratamento dado ao tema comum pelos diversos artistas - isso fica bem claro no confronto que aqui se tornou possível. Pudemos apreciar a qualidade extraordinária da técnica, a singular clareza da representação.

Apreciei em especial, por ser tão diferente, a pintura de Rembrandt, com animais mortos a escorrer sangue realistamente. Não gosto de animais mortos feitos objectos inanimados em pose nem do sangue que os torna vivos, mas esta pintura não é cenário composto com determinada intenção mas representação do que verdadeiramente aconteceu, senão ali pelo menos num qualquer lugar onde houve caçada ou onde mataram pavoas para serem devoradas. Talvez esta pintura queira dizer mais do que exactidão e semelhança e perfeição estética ou do que abundância e riqueza e prazer dos sentidos como qualquer das outras.

Havia flores a murchar dentro de jarras ou tombadas delas, frutos colhidos e mesmo em decomposição, doces apetitosos para saborear atractivos também para as borboletas, peças de vidro maravilhosamente delicadas e transparentes, limpas e brilhantes, cestos e peças de porcelana e caixas de madeira, jarras de metal, panos luzentes, e animais mortos sem sangue.

O cartaz da exposição apresenta um trabalho de Abraham Susenier de conchas raras tão belas decerto na realidade como o são na representação, pertencente ao museu de Dordrecht.

Apreciámos o notável exemplo de virtuosismo técnico, a Cândida mais do que eu.

Respeito muito o seu ânimo para me acompanhar nestas prolongadas excursões. E a paciência para catalogar todos os papéis e arquivar com cuidado as informações colhidas.

Tal como a Gulbenkian nos promete, avançaremos com muitos risos, boa disposição e atenção para o prosseguimento do tema nos séculos XIX e XX, lá para Outubro.

 




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publicado às 21:24

SABADO de ALELUIA

por Zilda Cardoso, em 04.04.10

 

Eu malquero falar de novo da chuva, mas ela tem sido dominadora - tudo, tudo chora e todos choram com ela. E entristecem, anuviam-se.

Ora aí está: o sol aparece. Vem. Começa a brilhar nos troncos até agora escuros e nos vidros das janelas das casas distantes na montanha. E na ramada das glicínias que hão-de cobrir-se de branco daqui a vários dias.

Brilha mesmo nas mínimas folhas da erva do terreiro, onde as flores tão pequenas sorriem timidamente. Mas brilha.

Começa a aparecer o azul, saudosa do azul!

Ilusão. Voltam as nuvens brancas e cinzentas, não me dão tréguas. Prefiro o cintilar do molhado com sol ao murcho sem água e sem luz. Os pássaros pretos e gordos não vieram mordiscar com bicos amarelos. Gosto de os ver, decididos, fazendo pequenas correrias ora de cabeça levantada e rabo no relvado ora o contrário, quase sempre zangados uns com os outros, a disputar qualquer semente. Hoje não vieram.

As nuvens gradualmente cobrem o lugar. Se fossem azuis, não ficava abatida, mas são cada vez mais cinzentas. Tudo está a mudar, contra o sentido do júbilo.

Algumas horas depois, acende-se a luz no lugar, decididamente. Uma ligeira brisa estremece nas folhas compridas e nas redondas e pára logo a seguir. Daí a pouco, volta morosamente.

Porém, as nuvens encaracolam-se e ficam firmes. Há uma luz estranha que nenhuma máquina colhe: uma luz morna que não anima muito e logo se vai.

Não posso estar sossegada no sítio. Os melros vieram afinal e não se entusiasmaram. Já se foram. Há sombras, dão um ar mais real à paisagem de aguarela. E as nuvens agora quase alegres e vivas.

As brancas a três dimensões deixam ver o que fica como fundo. Azul. Os montes recebem a sombra delas, ficam nublados para se ver que estão longe, em 2º plano, ou em 3º, imediatamente antes do azul-com-branco. Aparecem recortadas com obscura nitidez.

Vêm em cheio as cinzentas mais espessas, com mais castanho, preto não... que suja a pintura, há uma branca luminosa ao fundo, por cima do monte, única. Que desaparece. E não imaginam como fiquei triste: tinha tanta esperança. Vejo que vai desatar a chover.

Do lado da frente da casa, já chove miudinho.

Volto às traseiras.

Deste lado, o cenário é trágico. Nenhuma destas cores é alegre e viva, prefiro a chuva, como disse. Tem o seu brilho. A chuva torrencial, uma certa exultação, um entusiasmo, parece querer chegar a algum lado. É de longe muito mais atraente.

Agora esta velatura e o que cobre de gotas que estão no vidro em primeiro lugar em gotinhas, em maiores e grandes, e para além do vidro e das gotículas… é humidade que escorre. E deforma os troncos e os esteios de pedra e os ferros da varanda. E os montes e os telhados e a casa branca e o chão. Um choro colectivo atroador!

Os melros vieram, mais uma vez, para os seus jogos, a chuva encaram-na com bons olhos e pés leves.

A água escorre nos vidros abaixo e para baixo das gotas quase estarrecidas mas não pedras  (não hei-de amar uma pedra) até ao chão. Escorridas dão outras formas aos troncos alinhados em filas diagonais, ramos entrelaçados em conjunto  implorando o céu, e ao resto.

Neste momento, as cores da paisagem de sempre são duma enorme beleza, esbatidas e harmoniosas, bem escolhidas, com flores brancas meladas e os jarros em redor do tanque mortos de excesso.

Às 7 horas da tarde, o cinzento ficou claro e todas as cores se azularam, os véus deixavam transparecer o monte, o verde do relvado ficou turquesa e as árvores mudaram de atitude e de cor mais uma vez.

Que bênção, que graça posso ver neste dia a não ser o estar aqui e poder assistir a mais este espectáculo impressionante? É pouco? O esforço para me agradar e eu… a não querer ver? A querer outra coisa? A querer sensações mais agradáveis e duráveis?

 

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publicado às 08:39

Conviver com a diferença - todos podem ajudar

por Zilda Cardoso, em 02.04.10

 

Peço permissão a Augusto Kuttner de Magalhães, meu habitual comentador, para publicar o texto da sua autoria que me enviou.

 

Um destes dias, fui comer uma coisa ligeira num daqueles cafés/bares que hoje quase todos os hipermercados e supermercados têm onde se está a pé, numas mesas altas, junto a um pequeno balcão.

Ao entrar, chamou-me a atenção uma jovem a comer de pé com um cão sentado muito sossegado a seus pés. Claro que olhei, e apercebi-me de que a jovem – pelas 20 e muitos anos – era cega. Comia uma sanduíche, e bebia qualquer coisa, e quando acabou deu ordem ao cão para procurar o caixote do lixo, que sendo diferente dos usuais não encontrou. Mas uma outra cliente que estava perto ajudou-a a encontrá-lo e lá despejou os restos do prato. A rapariga foi depois ao balcão pedir mais qualquer coisa com o cão sempre tremendamente desperto. No momento, chegaram dois rapazes, por certo alunos de um estabelecimento de ensino que fica perto deste local, e um achou imensa piada ao cão e começou a fazer-lhe festas. A dona disse num tom não propriamente simpático para não fazer, o rapaz ficou meio desapontado, talvez até pela forma como foi “advertido”.

Apontei-lhe os olhos e ele percebeu que era cega e que talvez não devesse ter tocado no cão. Cada um de nós acabou de comer o que tinha a comer e saiu. Na fila da caixa, estavam os dois rapazes e eu disse ao que fez festas no cão que a reacção da senhora tinha sido normal, dado que o cão é o seu guia, e nunca nos devemos dirigir ao guia, dado que isso o desorienta e pode perder a noção de onde está a dona e para onde quer que ele vá!  Pelo que, sempre que nos pretendemos aproximar, nunca o faremos pelo cão mas sempre pela dona!

O rapaz de forma muito simpática agradeceu o esclarecimento, disse que não se tinha apercebido de que a senhora era cega, e nem reflectiu que estando num supermercado  os cães não deveriam lá estar, exceptuando evidentemente estes casos.

Foi uma ocasião agradável, a normalidade com que todos encarámos um cão – tremendamente bem comportado – estar junto da sua dona num supermercado, a forma como a mesma quase sem dissemelhanças agiu, e a forma como todos interagirmos. Penso que não foi um momento de “ter pena”, mas de ser instintivamente solidário sem o querer mostrar demasiado, desde a pessoa que a leva até ao caixote do lixo, o rapaz que quase vai reagir por achar que não fez nenhum mal em fazer uma carícia ao cão, um certo desviar de um de nós para a deixar passar, mas que todos com um mínimo de educação porventura o faríamos, salvaguardadas as evidentes distancias – no caso de deixar passar cavalheirescamente a senhora antes de nós.

Em tempos tinha lido que quando uma pessoa cega se desloca com o seu cão-guia, nunca devemos tocar no cão, nunca nos devemos dirigir ao cão mas unicamente ao dono, e sempre pelo lado oposto do cão. Ali ninguém estaria ao corrente destas regras mas correu tudo bem, a rapariga era muito bonita, teria um aspecto quase normal tirando o cão e um pouco a necessidade de mais orientação, tinha uma cara um pouco triste, mas não de quem quer auto-piedade, bem pelo contrário tentava dentro do possível não ser notada! E, dentro da diferença, houve de todos uma instintiva vontade de a não realçar, de interagir bem com essa mesma diferença.

Se fosse possível ampliar estas situações para muitos outros casos, talvez todos viéssemos a ganhar…

 

Muito obrigada, Augusto.

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publicado às 15:22




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