Nunca apreciei o fado por várias razões válidas.
Mas emociona-me até às lágrimas ouvir certos fados cantados pela Amália especialmente quando já não possuía aquele cristal de voz.
E eu que a vi em palco uma única vez, justamente nessa época, recordo ter tido um medo terrível de que soçobrasse: tombasse para o lado, ficasse de todo sem voz e perdesse o seu papel de diva ou não sei o quê que imaginei de terrível. Pensei que podia cair ali naquele minuto tudo o que ela representava para muita gente.
Foi no Brasil, eu de noiva de Viana, toda de lã e de negro vestida, quase morri de medo e de calor. Nunca aconteceu nada porque a voz era compensada por uma grande sabedoria. Eu… é que tive dificuldade em suportar a sensação, a perturbação.
Hoje que a oiço e os meus olhos choram, eu choro com eles. E associo-me à justa homenagem que é prestada à grande artista.
Depois de muitos adiamentos e delongas, em Janeiro de 1945, a unidade de artilharia partiu e nós com ela. Embarcámos num comboio onde os tradicionais compartimentos tinham sido transformados em moradias para refugiados. Havia um corredor ao meio e quatro assentos de cada lado. No compartimento das malas, armou-se um estrado para acomodar pessoas que desse modo podiam dormir deitadas. Contudo, sentar nesses estrados era impossível pela sua extrema incomodidade, em especial para mim, com uma barriga de oito meses e claustrofobia.
Mas quando me queixei ao Zoltan, ele sugeriu voltarmos para Csorna. Pobre marido, estava em pânico por minha causa! Além de todas as dificuldades da situação, nunca tinha praticado ginecologia nem obstetrícia. E talvez viesse a ser necessária a sua assistência médica para mim e para a outra mulher grávida, companheira de aventura e de transporte.
Quanto a mantimentos, estávamos bem sortidos: um caixote grande de maçãs, quatro pernis de presunto fumado e farinha de trigo, além de roupa de cama e edredões. Aliás a nossa alimentação era fornecida pelo exército e esta comida não era tanto o nosso sustento como eventual moeda de troca.
O aquecimento foi resolvido assim: instalou-se uma pequena estufa de ferro no centro do vagão com chaminé a sair do tecto. Esse fogareiro foi fundamental na nossa viagem - podíamos mesmo cozinhar nele além de nos esquentarmos.
…
E chegámos a Mozon-Szent neste comboio-hospital que, como transportava tropas, tinha prioridade sobre qualquer outro. O lugar ficava a 30 quilómetros de distância da fronteira austríaca, e era a nossa última paragem em território húngaro. Zoltan muito inquieto por mim e pelas crianças, declarou que queria voltar para casa.
Não voltaríamos de modo nenhum! Antes ali naquelas condições mas com o exército húngaro do que em casa à espera dos russos. Mantive-me firme nas minhas convicções.
E o comboio retomou a sua marcha vagarosa, aos solavancos. Por motivo de possíveis ataques aéreos, parávamos antes das estações em trilhos secundários e, por vezes, ficávamos parados durante horas.
Por fim, chegámos a Viena que atravessámos a velocidade máxima para escapar de assaltos e investidas.
O que nos perturbava mais, eram os boatos e as notícias e a falta delas sobre o nosso destino. Ninguém parecia saber ao certo para onde íamos nem o próprio comandante. Umas vezes diziam que caminhávamos para o norte da Alemanha outras para a Pomerânia outras para a Dinamarca. Preferíamos a Checoslováquia, não que gostássemos dos checos, mas aparentemente não havia bombardeamentos nessa zona.
Foi nesta ocasião, fins de Janeiro, que os Russos atacaram Varsóvia.
O nosso pequeno comboio continuou bufando, gemendo, arrastando-se pelos trilhos; passava por paisagens cobertas de neve, por pequenas aldeias que surgiam de ambos os lados do comboio e nos lembravam a nossa terra. De vez em quando, entrava um funcionário do caminho-de-ferro sacudindo a neve da roupa; aquecia-se um pouco, esfregava as mãos e nós aproveitávamos para saber novas. De resto, a notícia importante e que corria era esta: não iríamos mais longe. Ficaríamos em Praga, ou melhor numa estação de veraneio próxima chamada Rostok.
Ficámos em Rostok, a cerca de 20 quilómetros de Praga, naquela época, por ser Inverno, totalmente abandonada.
O próximo sábado é dia grande para a nova Vantag: inaugura a segunda exposição de fotografia, a primeira fora dos seus espaços de privilégio.
É na vila de Ponte de Lima, no belo espaço da Torre da Cadeia Velha disponibilizado para o efeito pelo Turismo Municipal.
Prometi clarear os nomes dos 6 fotógrafos/artistas que figuram à esquerda no convite:
Marga Crespo, Nuno Veloso, A. de Lima, Pedro Bruschy, Adriana Oliveira e Jorge Cardoso
Das obras, apenas vi um trabalho ainda incompleto e posso dizer que a imagem -deslumbrante - era resultado de excelente manipulação de imagens reais, em suporte também inesperado.
O pouquíssimo que vi deixa supor que a surpresa vai ser preciosa porque nos põe a imaginar, sem ser necessário um raro talento de observador para consegui-lo.
Mas sim atenção e predisposição para o sonho.
Fiquei com a impressão de reconhecer o objecto fotografado mas estava longe de ser o mesmo que conhecia.
Será a visão de um tempo que passou e no entanto está aí, transformado apenas, segundo uma lógica criativa.
Olhando-o não sinto que haja repetição do passado mas presente e futuro preparados pela técnica moderna usada e talvez inventada.
Uma única fotografia de um dos artistas sugeriu estas reflexões, calculo que todas as outras obras em exposição sejam muito diferentes e igualmente inspiradoras. É necessário ir vê-las, no sábado, 3 de Outubro pela 17 horas, ou até 25.