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ENSINAMENTOS BUDISTAS

por Zilda Cardoso, em 30.09.09

 

Fui ouvir os ensinamentos de Jigme Khyentse Rinpoche. Admirei a forma como iniciou a sua palestra: contou como tudo começou para o budismo. Não vi logo qual a intenção, toda a gente conhece a história do príncipe que quis sair do palácio e observar o mundo. Para quê repeti-la?
Logo a seguir, pensei que melhor e mais inteligente maneira de principiar um ensinamento?  Do princípio do princípio?
Jigme Khyentse contou histórias simples, pequenos exemplos de vida de todos os dias de todos nós. A história do sapato que alguém enterrou em porcaria de cão ao passar no passeio, provavelmente aqui na Foz, não será facilmente esquecida. O sapato ficou sujo e malcheiroso e... 
Vai esse alguém ficar a sofrer o aborrecimento e o mau cheiro do sapato, levá-lo assim para casa, contar aos amigos a ineficácia dos serviços públicos de limpeza, queixar-se aos próprios serviços, aos superiores hierárquicos, talvez falar para os jornais?
Ou vai tirar o sapato e lavá-lo na primeira torneira que encontrar? E se restar algum cheiro quando chegar a casa, vai escovar e lavar até tudo estar como era?
Talvez devamos fazer uma reflexão sobre o modo como posso evitar que o caso se repita, no caso de ser este o meu caso. Devo deixar de passar por aquele sítio? Posso passar, mas a olhar para o chão para ver bem onde ponho os pés, como os meus pais sempre me aconselharam? Devo pedir aos donos dos cães para utilizarem os sacos de plástico apropriados para a recolha dos dejectos?
O que devo realmente fazer para evitar o meu sofrimento?
Percebi que devo lavar o sapato, em primeiro lugar, lavar bem. E talvez seja boa ideia passar a usar sapatos com as solas muito lisas para ter menos trabalho com a limpeza.
Como gosto de passear naquele sítio e olhar para as árvores e para os pássaros e para as nuvens, vai-me ser difícil olhar ao mesmo tempo para o chão.  
Talvez deva procurar nova solução para evitar o meu sofrimento? E o dos outros? Devo preocupar-me com isso? Ter compaixão?
Ou cada um deve resolver os seus próprios problemas sem precisar de Governo nem de Presidente?
Isso seria para todos nós um grande alívio, neste momento.

 

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publicado às 19:37

Memórias da Hungria: o regresso a casa

por Zilda Cardoso, em 30.09.09

 

Era Dezembro, finalmente: eu ia rever a minha Mãe.
O meu coração estremecia, antecipando o encontro. O comboio trepidava agora e silvava alto para mostrar que partilhava a minha ansiedade; e eu, de nariz amassado contra o vidro embaciado da janela, querendo observar de mais perto cada árvore, cada povoação e todas as estações por onde passávamos, esforçava-me por me convencer de que era de casa que nos aproximávamos.
Era realmente de casa que nos aproximávamos!
Quando os freios começaram a gemer e o comboio parou na estaçãozinha de Farád, saí aos pulos para saudar toda a gente – o chefe da estação, o cocheiro, todos os que via. Até os cavalos foram questão de exuberante entusiasmo. Eles compreenderam o porquê de todo aquele arrebatamento, e trotaram por caminho conhecido, puxando alegremente a carruagem carregada de malas.
Meu Deus, pensava eu, pode existir maior felicidade do que esta de voltar para casa, de estar em casa?
Como escreveu o grande poeta húngaro Sándor Petofi,
A caminho de casa, quebrei a cabeça de tanto pensar,
Minha mãe, a quem há muito não via... como iria saudar?
Que lhe direi de bom e doce? Que farei quando a encontrar?
Mas ao chegar, nada disse e nada fiz senão seu corpo abraçar!
Tal como eu.
Mas não havia só a minha Mãe para abraçar com emoção.
Em casa, estreitei nos meus braços toda a gente, incluindo os cães e os gatos. Com o coração fremente do calor que não era apenas o que me dava a lenha que ardia na lareira, mas sobretudo o que vinha do muito amor de todos, senti um conforto impossível de imaginar noutras circunstâncias: esses momentos não quererei nunca esquecer.
No dia seguinte, já mais tranquila, percorri todos os cantinhos da casa, redescobrindo os seus pequenos prodígios.
E então anunciaram-me que haveria, nesse dia na propriedade, uma caçada à raposa.
Ainda uma maravilhosa surpresa para mim!

(Versão minha de memórias alheias)

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publicado às 10:12

Uma campanha eleitoral

por Zilda Cardoso, em 25.09.09

 

Viver num país onde há campanha eleitoral ao longo do ano, todos os anos desde há já longos anos, é pelo menos acabrunhante.
Não é que eu não goste de eleições ou não compreenda a sua importância num regime democrático. Sei que devemos escolher e aprecio ser eu a escolher. Seleccionar por mim própria sem imposições. E compreendo que é necessário estar preparado para escolher com tino.
Não dar preferência apenas pelo aspecto físico, pela beleza do sorriso, pelo tom harmonioso da voz ou pelo encanto dos gestos: tudo isso se cultiva. Porém, é fundamental distinguir quando é dissimulação ou quando há mesmo intenção de cumprir o que é programado e está a ser anunciado.
Todos nós sabemos de cor, depois desta experiência longa, que muito diferentes saberes são imprescindíveis.
Porém, por muito que me custe, perante os hiper-enfados desta sucessão de campanhas eleitorais, só posso ter a certeza de que é urgente - já que não é possível mudar nem os homens nem as mulheres - descobrir um outro sistema de governo mais de acordo com o nosso tempo, direi, mais moderno. Os mais novos, devem entender.
Que tal poder contar com a sabedoria e o saber de todos que tenham pelo menos uma idade mental de quinze anos? Como dizia A. Huxley é provável que desse modo “a influência dos demagogos e dos jornais fosse consideravelmente reduzida”.
As eleições não têm nada de mal, pelo contrário, as campanhas é que têm. Não estamos fartos?
Todos os meios de comunicação social estão em campanha ininterrupta, parece ser disso que vivem, e estas duas semanas de cuidados intensivos e manipulações assanhadas que este ano acontecem três vezes, só podem ser desmesuradas, descomedidas, supérfluas (por favor, acrescentem todos os adjectivos densos de que se lembrem para ilustrar devidamente a ideia).
É consumida demasiada energia e muito dinheiro em ligeirezas que são estratégias e planos que visam impor certas ideias e não dar a conhecer realidades. Quem tem uma causa que defende com determinação? Digam-me quem é que eu vou votar nesse.
O que vemos é uma campanha de maldade, maledicência, mentiras e mexericos articulados com grande alarido de abraços atropelados e de beijos na orelha, cabelos desgrenhados e absoluta falta de humor. Que CENAS! Se não fosse o Gato Fedorento…! Estas cenas, é que parecem ser a sério. Porque as grandes questões não se põem agora, não é agora nem nunca será ocasião de cogitarmos no processo de as resolver.
Quem pode resistir a tanto azedume e zanga, a tais insultos, congeminações e insinuações, a acusações e a envolvimentos indesejáveis sem ficar triste e melancólico? Ou pior. Deprimido? Provavelmente, com vontade de emigrar para um confortável deserto. Ou para Marte.
Porque os políticos querem ganhar, já sei. Mas à custa de quê? Da nossa ignorância, da nossa falta de curiosidade e de desejo de saber?
Que políticos (sabido que não são todos iguais, mas quase) fazem apelo à nossa imaginação para descobrirmos coisas relevantes que não digam respeito a interesses de partidos mas ao bem de todos, ao chamado bem comum ou mesmo interesse comum? Ou estaremos apenas interessados naquilo que nos afecta directamente, como dizem?
Cairemos em nós um dia destes.
Então com esforço inteligente, iremos procurar adquirir os conhecimentos necessários para nos sentirmos responsáveis pelas decisões que tomarmos e pela solução dos problemas que tivermos de enfrentar.
E talvez seja razoável o que desejo.

 

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publicado às 10:56

Portugal e o Mundo (séculos XVI e XVII)

por Zilda Cardoso, em 23.09.09

 

É agradável que a exposição internacional no MMAA até 11 de Outubro, Portugal e o Mundo, não vise mostrar território conquistado mas o “intercâmbio cultural iniciado pelos Portugueses que ainda hoje pode ser considerado como o mais notável e também o mais perene dos seus feitos”, lesse no folheto de introdução.
Que fizeram os Portugueses de admirável? Ligaram a Europa ao resto do mundo por via marítima, revolucionando o trânsito de bens e de informação. Criaram redes de comunicação e estabeleceram mercados internacionais e, além do comércio e da troca de conhecimentos, exerceram uma grande actividade missionária.
E não apenas os Portugueses se deixaram cativar pelos povos que descobriram como estes admiraram os que os visitavam nos seus grandes e estranhos barcos. E isso é visível nas obras de arte de uns e de outros.
Graças ao transporte que efectuámos nos dois sentidos a Europa disseminou a sua influência em África, na Ásia, na América e foi muito influenciada por essas culturas.
Reaprendemos isso agora com obras que nos dizem muito: o políptico de S. Vicente, pintura a óleo e têmpera sobre madeira; a Custódia de Belém, ouro puro e mole, esmaltes, vidro - limpa e a brilhar;  dois biombos Nambam, têmpera sobre papel; e um saleiro de marfim, do Benim.
Da exposição constam mapas e instrumentos de navegação; objectos exóticos; e desenhos, gravuras, esculturas, pinturas e objectos de ouro, de prata e de marfim pertencentes a várias colecções.
Apreciámos rever para nos orgulharmos das nossas múltiplas capacidades e pensarmos no futuro com boa disposição

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publicado às 20:15

Contrato Sentimental de Lídia Jorge

por Zilda Cardoso, em 23.09.09

 

Num extraordinário momento de clarividência, tive uma ideia einsteiniana, passei-a rapidamente a um minúsculo papel branco e agora, depois de ler, estou a ler, o Contrato Sentimental, fui procurá-lo e aqui está, na minha frente, pronto para reviver neste texto.
Digo assim: Os escritores de uma certa experiência de vida e de escrita não deviam escrever romances. A sua actividade intelectual será muito mais interessante para a comunidade e útil se for uma reflexão sobre o mundo.
No Contrato, isto é bem visível. A sua leitura é muito inspiradora e não é usada aquela imaginação de criar histórias apenas para dar prazer, obras de arte para serem admiradas, mesmo usando, como é usada, a visão do mundo do autor.
Lídia Jorge começa o seu contrato duma forma sentimental e muito bem-humorada, divertiu-me imenso.
 
 “Muitos são aqueles que apresentam razões fortes para duvidar, mas eu tenho a certeza que Portugal existe. Ainda há pouco tempo atravessei o território de Norte a Sul… “
São 180 páginas de reflexão inteligente e bem informada de quem está habituada a pensar no futuro e a traduzir o pensamento em palavras inteligíveis para os outros.
Fala de identidade, de comunicação, de língua, de cidades, de mitos…
É a propósito de mitos que diz:
“Como sucede com todos os povos, sobre nós mesmos, temos ideias contraditórias. Para já… entendemos que não prestamos. Para muitos, nunca prestámos nem prestaremos. Todos por junto, não somos capazes. Mas não sei se não será menos útil a visão oposta que convive com esta, e é a face da mesma moeda, uma visão idealizada da nossa própria imagem. Refiro-me à ideia corrente de que poderemos não ser bravos nem especialmente empreendedores, mas somos inteligentemente compassivos e bons.”
O novo povo escolhido e protegido a quem nada acontece de mal? E que não faz mal a ninguém?
Que futuro nos permitirá continuar a pensar deste modo?
Sobre a formação, escreve que "cada vez mais a instrução básica está a preparar os jovens para  uma vida que lhes exige desenvoltura, capacidade de adaptação, preparação para um novo mundo laboral, predisposição para a curiosidade, a mudança e a viagem."
Temos todos esta simpática tarefa, este compromisso connosco que devemos satisfazer: o de rebater seriamente velhos mitos e descobrir quem somos e para onde podemos ir.
 

 

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publicado às 08:59

De Política... sei eu, diz ele.

por Zilda Cardoso, em 21.09.09

 

 

Estive três dias em Lisboa sem um plano definido.
Quis apenas ir. Sem querer pensar no que ia fazer nem com quem ia falar nem com quem ia estar. Conversei com uma amiga de longa data - a Cândida -  que se mostrou disposta a partilhar comigo qualquer indefinição, embora ela própria seja muito organizada, muito definida, muito certa. Fomos de comboio. E divertimo-nos.
Começámos por limpar um pouco as folhas secas do jardim do Pedro; e vi dois papagaios a subir as paredes de casa dele. Fui a correr buscar a máquina fotográfica para testemunhar, mas quando voltei ao lugar, eles já lá não estavam. Quem vai agora acreditar?
No entanto, eu sei que eram de plumagem verde-clara, soltavam uns pios esquisitos e agarravam-se de mais à parede e ao terminar-de-cano que lá está inserido. Estavam domesticados, mas mesmo assim quiseram sair do seu confortável poiso habitual e experimentar o ambiente selvagem da parede amarela, pintada e incrivelmente limpa.
Vim aqui à procura de colorido e logo encontrei algum, modesto. Um colorido pequeno em pássaros verde-desmaiado possivelmente daltónicos, muito irritantes: não gosto de ouvir as suas imitações, era o que me faltava.
Contudo gostei de ouvir de imprevisto, absolutamente sem contar, o Dr. Jorge Sampaio apresentando um seu livro para crianças O Meu Livro de Política.
Entrámos na Gulbenkian para saber o que estava a acontecer no momento, demos com um burburinho de jornalistas e fotógrafos e gente comum e logo apareceu o Presidente com uma quase longa comitiva. Seguimo-lo até ao auditório onde  a orquestra infantil tocou os parabéns ao menino Jorge e outras músicas. E depois o palco despiu-se de meninos e entraram o homenageado, a jornalista moderadora e outras pessoas igualmente importantes que falaram do interesse do livro e daquela escola de Vialonga que leva a sério o seu conjunto de instrumentos de corda.

Disseram como é relevante que os jovens se interessem por política e por experiências pessoais, e que saibam de processos e de motivações. 

Nunca tinha visto apresentação semelhante: o autor falando com entusiasmo e respondendo às perguntas dos meninos que queriam saber coisas da sua experiência de político. E ele a dizer coisas de pé, já impaciente no meio do palco, roubando a palavra à inteligente moderadora.

Terá dito (ou fui eu que quis que ele dissesse?) que os políticos e os jornalistas se devem deixar de blá blá, blá blá, de mexericos destinados a criar um certo ambiente emocional e de maledicências telenovelescas.

Ele falou da necessidade de sermos mais exigentes uns para com os outros, não desistirmos de olhar para o que se passa, de nos perguntarmos quem somos e como vamos evoluir...

Até que uma jovem fez uma pergunta oportuna: poderão os políticos que nos representam ter outro tipo de comportamento? 

 

  

 

Como podia ser dada resposta? É preciso ser transparente, não ter medo do passado, ter um sentido de disciplina... foi uma resposta?

Houve sessão de autógrafos, pois.

E um longo painel de papel branco onde os meninos colocaram perguntas e deram opiniões e disseram o que fariam se fossem políticos por um só dia.

 

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publicado às 20:23

UM AMANHECER DIFERENTE

por Zilda Cardoso, em 14.09.09

 

 

 

No princípio existiam o Caos e a Noite, o negro Érebo e o profundo Tártaro; mas não havia a Terra nem o Ar nem o Céu. E a Noite nos infinitos recessos de Érebo gera o primeiro entre todos, o Ovo de negras asas; e deste ovo, fecundado pelos ventos, nasce no devido tempo Eros, o deus cobiçado, de dorso resplandecente e asas de ouro, semelhante aos torvelinhos rápidos como o vento.

 

Assim começou Aristófanes a falar dos primeiros seres divinos, baseado na antiga teogonia órfica. Eu digo de outra maneira, claro, que sei eu? Mas estou igualmente fascinada por aquele amanhecer tão nocturno.
Digo: a luz nasce do nada naquele ninho que se enche dela por magia. Que transborda. Não tem ainda cor, nada cintila. É estranho o tom da luz que irradia.
Os pássaros pesados e negros rondam ameaçadores, por quê?, houve antes festim, quando a luz não era nem esboço. Ainda nada cintila, é verdade, mas já ouço a música de Emanuel Nunes enquanto observo, como se uma orquestra tocasse sem sons visíveis, apenas dentro de mim. É o tom da música que dá aquela espécie de cor a mudar de cor.
Do festim nocturno vai finalmente sair a luz. Da negra noite, vem o dia que há-de ser brilhante.

(Imagem gentilmente oferecida por Marcolino Osório)

(Aconselho-os a vê-la o mais ampliada possível)

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publicado às 20:56

QUARENTA ANOS

por Zilda Cardoso, em 13.09.09

 

A Mariana fez quarenta anos e uma festa lá em casa. Perguntei-lhe se notava alguma diferença entre este aniversário e os que já viveu. Agora é um número redondo, pensava eu, e toda a gente se impressiona com isso, tal como se emocionou com a viragem do século e com o novo milénio...
Ela respondeu: "É igual. Não noto qualquer diferença".
O que não será tanto assim, visto que desta vez a festa, dois dias depois do aniversário, que preparou e a que preside será enorme. A Casa sempre aprimorada está toda luminosa e iluminada, com arranjos decorativos originais, na varanda quase um jardim de amores brancos e sofá, almofadas e mesa de palhinha, mesas Eileen Gray, uma grande de madeira oriental com castiçais.
A humidade estava no ar e acabou por cair docemente em gotículas gostosas, a alegria continuou e ampliou-se com o decorrer da noite.
A música vinha da sala principal transformada, só espaço, sem sofás nem cadeiras, muitos metros de campo para circular de prato e copo na mão, e para cantar e dançar. Houve uma coisa e outra e cumprimentos e saudações e abraços, sorrisos e risos. Os amigos cantaram em coro os versos imaginados por um dos elementos do grupo, inscritos num grande painel com assinaturas de todos os presentes, e dedicados à feliz aniversariante. Tudo a vermelho vivo.
As iguarias sobre a mesa eram um conjunto espectacular, uma obra de arte, original e sugestiva, tremendamente atraente. Como conseguir provar cada coisa? Esse constituiu um dos principais problemas da noite.
Havia por todo o lado imagens dos filhotes que a Mariana elegeu como seus heróis principais. Circulavam por ali de vez em quando, um ou outro, até o bebé ao colo da sua grande amiga, a mesma Maggy dos seus irmãos, de olhos arregalados, sacudindo vigorosamente quem se aproximava com má intenção: a de o tirar desse conforto de colo. Até que caiu para o lado, de sono.
Houve festa até de manhã com alta música que nenhum vizinho próximo teve de ouvir. Amanhã é outro dia. Outro ano. Um novo milénio?
INSTANTE
Deixai-me limpo/ o ar dos quartos/ e liso/ o branco das paredes
Deixai-me com as coisas/ fundadas no silêncio.

(Poema de Sophia)

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publicado às 17:52

Missão dos Portugueses no mundo 2

por Zilda Cardoso, em 10.09.09

Lendas e mistérios envolveram a formação do Reino Portucalense.

Portugal não só se separou de forma misteriosa, porque supostamente impossível, do resto da Península, enfrentando reinos muito mais poderosos, como, mais tarde, teve ânimo para “dar mundos ao mundo” de forma totalmente inesperada; para reconquistar a sua independência contra qualquer expectativa; para fazer gorar as ambições do Grande Imperador...
Nós, Portugueses, aprendemos diversas versões das nossas origens, mas nenhuma que eu saiba, se assemelhava àquela da missão a cumprir absolutamente, quero dizer, de inspiração divina. Procurei relembrar o que me tinha sido explicado há muitos anos: que vínhamos directamente dos celtas - bárbaros  e muito independentes - mas com outra língua e outros limites territoriais; e também que afinal não descendíamos deles, celtas lusitanos, mas que éramos uma nação moderna formada graças à revolução e à conquista. Surgiu a ideia do factor geográfico determinante e criador de independência e não acaso e não “consequência de acontecimento puramente histórico”. E muitas outras teorias têm sido apresentadas com argumentos etnográficos, étnicos, antropológicos e mesmo administrativos e culturais que pretendem usar razões lógicas.
Mas que a eclosão da nacionalidade fosse devida a uma missão que os Portugueses tivessem sido escolhidos para cumprir não ocorre a qualquer do nosso tempo, mas era assim que falava dela apaixonadamente Claudius Legrais.
Quanto à gigantesca expansão marítima (aquela força, o dinamismo, a pujança), interrogamo-nos qual podia ter sido o seu objectivo. Económico? Decerto. E científico, religioso, político? Desejo de expansão em África ou maneira de chegar à Índia? Curiosidade pelo Oriente? Tudo isto e o desejo de descobrir, de experimentar, de se aventurar?
Nessa época, estudámos muito, depressa e bem, criámos uma arte de navegar que durou três séculos, realizámos uma revolução económica, política e científica pela influência e em consequência dos Descobrimentos, segundo Jaime Cortesão.
Alguma vez, curiosidade, desejo, sentimento, emoção... foram suficientes para realizar uma época de ouro, um milagre como esse? Ou teria sido a cultura, o método e o espírito organizador?
Os Legrais porém acreditam que sem uma ajuda de outra ordem não teria sido possível aos Portugueses realizarem tão grandes feitos com tão poucos e pequenos meios (e a repartição do mundo e o lugar primeiro reservado à navegação portuguesa ?...).
                       ...”Mais do que prometia a força humana”
diz o Poeta. Muito mais do que era permitido esperar e mais do que prometia a capacidade e a inteligência humana. 
O FAVOR DIVINO é claramente uma constante na História de Portugal, na opinião dos Legrais. A Ordem do Templo, foi criada em França no ano da formação do reino português; um dos seus fundadores foi Bernard de Clairvaux que tinha visto, numa sua peregrinação a Compostela, um sinal que lhe permitiu apontar o território do futuro país independente como o lugar donde partiria o Verbo.
A Ordem do Templo foi depois abolida em toda a Europa, mas em Portugal, transformada, tomou o nome de Ordem de Cristo. A Cavalaria ligada a essa Ordem usava a Cruz de Avis que ficou desde então relacionada com todos os grandes acontecimentos da História de Portugal. Os Cavaleiros juravam defender os fracos e os oprimidos e lutar pela fé; a Ordem forneceria os meios necessários a essa empresa.
D. João, mestre de Avis e futuro rei, surge como predestinado para a missão que assumiu como defensor da pátria contra Castela e como comprometido difusor da fé cristã. Com alguns dos seus filhos, os ”ínclitos infantes”, dirigiu e organizou a grande empresa destinada a revelar o mistério do Mundo. Portugal era então um país confiante em si próprio, unificado, com um grande ideal colectivo e uma vontade sobre-humana de vencer.
Consolidada a independência, a expansão marítima era o caminho apontado a estes novos portadores da Mensagem.

 

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publicado às 09:45

Missão dos Portugueses no mundo

por Zilda Cardoso, em 06.09.09

 

Há talvez dez anos, conversei com um casal extraordinariamente interessante que me pediu para escrever a entrevista que eu lhes faria e que seria publicada algures com determinado objectivo. Tanto quanto me recordo, nada chegou a ser divulgado. Acontece que encontrei o rascunho desse trabalho; retomo-o agora,  mesmo sem saber o que aconteceu ao propósito em que tão apaixonadamente se empenhavam.
Ele, Legrais, cidadão francês, ela, oriental, Yen Bay, tinham um projecto europeu de negócio com uma base muito concreta mas certamente difícil de realizar por pessoas tão sonhadoras e entusiastas por um programa que seria de re)conciliação, alguma coisa de que muito se falou na circunstância.
"Considerando que o mundo dos negócios se constrói fora de Portugal, sentindo os industriais portugueses o perigo de exclusão, tentam realizar alguma coisa eficaz. Algo que nivelará as diferenças entre o Norte e o Sul da Europa..."
Confesso que ignoro o que aconteceu aos industriais portugueses neste campo, não sei se existe o Triângulo Textil Europeu, mas o que ainda me fascina é a forma como Legrais falou da missão dos Portugueses no mundo: era sobre este tema que ele derramava a sua paixão.
‘Ao Apóstolo S. Tiago tinha sido confiada a Península Ibérica como lugar de pregação da mensagem cristã; depois da sua morte, o túmulo tornou-se objecto de veneração e a Galiza centro de peregrinação de crentes de todo o mundo. Mas a Mensagem permaneceu por demasiado tempo cristalizada em Compostela; era necessário espalhá-la de novo.
Foi essa missão que coube aos Portugueses que deviam, antes de mais, existir como povo independente. De facto, o mesmo sentido de humanismo social, o mesmo intercâmbio de culturas que se realizou durante séculos em Compostela orientou a Viagem dos Portugueses – a sua peregrinação pelo Mundo’.
Mais ou menos assim, Legrais falou da missão dos Portugueses e de Portugal como o novo povo escolhido por Deus, a quem ama acima de todos os outros e a quem confiou a missão de perpetuar o Verbo. Certamente em termos muito mais poéticos.
Haveria momentos na história de Portugal envoltos em mistério em que pode ter havido intenções e votos secretos, recomendações, indicações, vontades, altos desígnios: o momento da formação do reino e o das grandes descobertas dos séculos XV e XVI foram alguns citados. 

(Voltarei a falar deste projecto e da missão dos portugueses no mundo)

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publicado às 09:34

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