por Zilda Cardoso, em 31.08.09
A Mini chamou a minha atenção para a teia que a aranha cor-de-rosa tecia ao nosso lado no arbusto. Era difícil de descortinar, mas os jovens olhos dela vêem tudo.

A aranha tinha ar de ser venenosa com aquela teia especialmente atraente, (tenho dúvidas acerca dos mais sedutores, como acontece com os cogumelos), feita com fio solidificado das suas glândulas.
Dizem-me que são antrópodes da classe dos aracnídeos. Talvez esta seja, entre as 50.000 espécies descobertas, aquela aranha ou araneídio que constrói a teia em mais ou menos uma hora seguindo um ritual definido muito rigoroso (digo definido porque todas as desta espécie constroem da mesma maneira como obedecendo a uma ordem).
Ou então não é um ritual mas um plano.
É uma obra de engenharia que funciona muito bem para o desfecho em vista: a confortável sobrevivência, seja, a caça de alimentos, a reprodução, a protecção... sem ter que sair para algum lugar perigoso.
A teia é construída com fio resistente e elástico, fino, leve e mais forte do que o aço.
Os cientistas estudam-no e esperam poder fabricar um fio com estas qualidades para os mais variados fins.
Porém, eu sinto em relação a qualquer espécie de fascinantes araneídeos, todos venenosos afinal e a maior parte com oito olhos, uma repugnância difícil de ultrapassar.
Espero não ter passado à Mini este sentimento negativo.

(imagem da Wikipedia)
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por Zilda Cardoso, em 31.08.09
As pequenas casas restauradas pelo arquitecto Álvaro Siza continuam a funcionar bem como turismo rural, mas a casa da família e a piscina, uma jóia inestimável, sofreram algumas alterações.
O tempo só por passar degrada e muitas vezes não é possível recuperar. E por muito que se lamente, por muito doloroso que seja, torna-se necessário alterar.
Um acidente de Inverno, uma inundação, um derrube de muro, fendas na parede, levaram a fuga constante de água da piscina, constante e impossível de continuar do mesmo modo para sempre. E aquele objecto de culto, deixou de o ser.
A escassa semana em Moledo, na Casa da Eira, em Agosto último, levou-me a recordar tempo de vida, horas e horas que devem somar anos, ali passado com tanto prazer que me é difícil aceitar a nova versão.
(Ernesto da Veiga desfolha a vinha junto da casa)
No lugar sagrado, aquele tanque era … um altar.
Gosto, como é natural, de viver o mais perto possível dos objectos sagrados. O "sagrado está saturado de ser", é a "realidade por excelência", "equivale ao poder". É o ponto fixo absoluto, o centro.
No entanto, no tempo presente, quando estou na Casa, descanso, apanho sol, fico num lugar outro. Não preciso descalçar as sandálias: o local está des-sacralizado.
Compreendo como é necessário cultivar pensamentos positivos tal como me é recomendado no pequeno cartaz oferecido um dia pelo Pedro e colocado no vidro da estante.
Nele, vejo imagens de belíssimos amores-perfeitos e leio as legendas: Profiter de chaque instant, sourire interieurement, accepter le changement, faire confiance à la vie, être joyeux, remercier, ouvrir son coeur…
Obrigada, Pedro, por me lembrares a importância disto.
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por Zilda Cardoso, em 27.08.09
Hoje o silêncio é verde e real. Deve ser dia de descanso para aqueles que ali ficaram quietos como ao sétimo dia. E eu aproveito para observar.
Pousam os ramos pesados sobre a ramada de quivis que se escondem, emagrecem, murcham de todo. E sobre as belas uvas agora empoladas, mas visivelmente incomodadas pela falta de espaço, de humidade e de ar.
Logo depois, estão os girassóis que já não giram muito bem, os hibiscos entristecidos e as outras flores e arbustos do canteiro. Há o relvado e o tanque pacificamente aguardando os acontecimentos.
Quando os castanheiros crescem até devorarem tudo o que se lhes atravessa, quando os seus frutos incham e atingem dimensões tais, pergunto-me para que servem … qual é a sua ideia… o que estão a fazer, a querer fazer e farão provavelmente se desistirmos.
Andamos muito distraídos a meditar em coisas complicadas que acontecem na América e no Médio Oriente e no Centro da Europa e não reparamos em acontecimentos tão próximos. Da minha varanda (tenho duas: uma em frente ao mar azul e reluzentemente líquido, outra de onde aprecio o mar verde e tão sólido), desta, vejo-os na sua missão de avançar sem possibilidade de réplica dos outros. Sem que os outros, os vizinhos, defendam o seu lugar neste mundo que afinal… de quem é?
É uma situação nova no Casal, uma quinta com séculos onde havia, entre outras culturas, alguns castanheiros. Porém, esta invasão de um elemento que avassala tudo desenfreadamente é a grande novidade deste século.
Resolvi estudar com profundidade o que está a acontecer.
Comecei por querer entender a situação, a palavra.
“Que tipo de coisas constituem uma situação e como se relacionam essas coisas entre si?” Isto é o que pergunta Graham Priest, professor de Filosofia na Universidade de Queensland.
Será uma boa pergunta. Pelo menos em Portugal, é uma palavra que esteve irritantemente na moda durante alguns anos.
Acontece com frequência que alguém adopte uma palavra e passa a usá-la em todas as situações; daí a pouco, e não sei porque razão, um grupo começa a utilizar a mesma palavra, a repeti-la até que a novidade deixa de ser novidade, deixa de interessar, e passa a outro grupo menos classificado culturalmente, que a aplica mal. E andámos nisto, muitas vezes, anos.
Até que, ao fim de diversos grupos, deixa totalmente de ser moda, morre, e há que inventar outra para ser usada obsessivamente em todas as frases dos nossos discursos.
No presente, a situação da palavra situação é periclitante: já passou por todos os grupos, está em agonia. Contudo, pergunto ainda quem a fez nascer e quem lhe dará agora o golpe de misericórdia?
Voltarei a falar de situação e de castanheiros, naturalmente.
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por Zilda Cardoso, em 20.08.09
O jornal O Tripeiro de Agosto de 2009 fala de Moledo, a praia de maior prestígio no Norte, desde há muitos anos. Traz artigos de Rui Moreira, de Sérgio Andrade, de Alberto Martins, de Manuel Correia Fernandes, de A. Alves Costa, de António-Pedro Vasconcelos, de Júlio Gago.
De que falam os que falam de Moledo?
Falam de terra refúgio, de praia de arquitectos e de artistas e de políticos e de imenso pequeno lugar convivial; falam de tempo, de lugar e de mistério – tudo em Moledo encoberto. Recordações e nostalgia, dias felizes, António Pedro e o seu sonho de novo teatro e de pintura surrealista. Lembram o pintor, dramaturgo, encenador revolucionário que, depois de vagabundear pelo mundo, escolheu Moledo, apaixonou-se, semeou por lá a sua poesia, ficou.
”Eu caibo aqui”, diz ele…, “a paisagem… entra-me pelos olhos… e enche-me a alma. Aqui os homens e as árvores têm raízes no chão.”
Eu também caibo aqui.
Quando chegava a Moledo vinda de onde fosse, inquieta, inquieta, até angustiada, sentava-me no relvado e ficava imóvel, voltada para entre nascente e sul, e daí a pouco, o milagre começava a acontecer. Rodeada de asas brancas, ali assentava até ao fim do dia em silêncio. Nunca apreciei a noite mesmo com muitas estrelas, (a menos que houvesse festa no clube), as noites foram sempre difíceis para mim. Mas pela manhã, mal o Sol nascia, eu esperava a pé que nascesse, caminhava no jardim levemente, apercebendo-me da alfazema e do alecrim, de outros odores como o das ameixas douradas e o das roxas, o perfume das amoras e das framboesas, o das maçãs ácidas que conhecia e apreciava hoje mais que ontem, à mistura com as pequenas gotas de luz pousadas nos ramos….
Apanhava os frutos doridos do chão, voltava à casa, dava-lhes outra vida.
A casa muito à minha medida, onde nada me era estranho e me não sentia estrangeira, onde recebia os amigos de forma simples… enfim, onde vivi os melhores momentos da minha juventude com a família.
E agora que estive na praia/aldeia minhota alguns dias com os netos, eles sem saudades mas com amores, fascinados como os os seus pais pelos encantos de Moledo, receio pensar que todo o tempo passado noutro lugar foi um total desperdício.
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por Zilda Cardoso, em 19.08.09

Antes dos Romanos, no século IV a.C., os celtas habitavam a cidade e a região de Milão. Consultando a História, apercebi-me de que todos os grandes povos conquistadores dominaram em tempos a grande capital da Lombardia - visigodos, ostrogodos, longobardos, francos e romanos. Foi capital do Império Romano do Ocidente, construiram-se grandes palácios, o circo, as termas…
Na Idade Média, famílias ricas de poder como os Visconti e os Sforza e no século XVIII os Habsburgos dominaram a cidade e o distrito. Os austríacos criaram teatros, o teatro de Opera La Scala, trouxeram o seu amor pela moral e pela cultura de forma geral e pela música em particular.
E depois veio Napoleão.
E no século XX, Mussolini criou ali os camisas negras que eram a essência do seu movimento fascista; nesta cidade, iniciou a sua marcha sobre Roma - coisas tristes que não devia recordar.
Ao longo dos séculos, muitos acontecimentos de grande relevo ali sucederam (graças ao Édito de Milão do imperador Constantino, os cristãos tiveram liberdade de praticar a sua religião no século IV d.C.) e deixaram marca: a cidade foi muito bombardeada durante a última guerra, mas o que eu vi em Julho passado foi uma cidade jovem, alegre e cheia de sol, de vida e de calor, com o melhor e mais moderno comércio, de grande qualidade quanto aos produtos e quanto à sua apresentação em grandes espaços bem iluminados e de artístico design contemporâneo. A indústria que floresce é de têxteis e de vestuário, de automóveis, (o Alfa-Romeo), e de químicos, de ferramentas e de máquinas, a da publicação de livros e de músicas. É um grande centro financeiro e de negócios.
O que me leva à Feira de produtos de decoração, mobiliário e iluminação, que se realiza num recinto que é o maior complexo de negócios que existe e que frequentei quando dirigia a galeria de arte e de design. Assombrei-me com a sua importância e utilidade. Sobretudo as exposições paralelas em galerias de design, durante a Feira, constituiam o melhor que já vi.

O que de maneira nenhuma permite esquecer a impressionante catedral gótica, a Biblioteca Ambrosiana, o fresco do Convento de Santa Maria delle Gracie, creio que recentemente restaurado, de Da Vinci que aqui tanto trabalhou; a belíssima Galeria Vittorio Emanuele II, o mais antigo “mall”, que liga a Praça Duomo à praça oposta ao Teatro alla Scala. A Galeria é uma passagem coberta com telhado redondo de vidro e ferro a que foi dado o nome do primeiro rei do reino de Itália, unificada apenas em 1861. Onde as boutiques se sucedem cada uma mais atraente do que a outra e os cafés, não há nada do melhor que se não possa ali encontrar. Não esqueço as grandes basílicas, as igrejas, as torres, os castelos, objectos de inestimável valor.
Porquanto a cidade está a ser redesenhada pelos melhores arquitectos.
(Algumas informações foram colhidas na Internet)
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por Zilda Cardoso, em 18.08.09

Antes de falar da última etapa da nossa viagem a Itália, gostava de lhes contar quanta satisfação me deu hoje o pequeno passeio na beira-mar-e-rio que neste momento terminei.
O rio é o Douro, a foz é dele.
Contudo, há outra foz, a da Ribeira da Granja no estuário do Douro onde existe um observatório de aves selvagens. Foi aí que me detive.
Tinha querido ir a um sítio diferente do habitual e caminhei pela marginal reabilitada até ao jardim do Calem, junto da ponte de madeira, onde um painel identifica as espécies que se recolhem e se alimentam na Ribeira. A mim, pareceu-me uma água muito poluída.
Na placa de aço enferrujada “cortene”, recortam-se as silhuetas das espécies que ali é hábito serem vistas. Outros perfis de aves muito elegantes de aço inoxidável estão cravados na placa.
É o que dá certa privacidade ao lugar dos dois belíssimos bancos de mármore voltados aos brilhos do rio, em frente do outro painel informativo, identificativo. Soube por ele que a garça-real, a alvéola-cinzenta, a rola-do-mar, a gaivota-de-patas-amarelas, o pato-real, o maçarico-das-rochas, o borralho-de-coleira-interrompida, o guincho-comum e o corvo-marinho-de-faces-brancas se podem observar por ali.
Fiquei encantada com o local e a ideia e vou voltar porque não acredito na imperfeição do lugar, apesar de não haver telescópio para observação meditativa nem aves verdadeiras, o rio estar alto e não ser talvez a época apropriada. E porque um grupo barulhento interrompeu a quietude do sítio.
Porém, muitos e grandes peixes prateados passeavam mesmo na beira da água, de dois palmos de comprimento, que os pescadores não conseguiram enganar, que eu visse e para meu divertimento.
O que fortemente me encanta neste passeio é a frequência com que descubro pequenas novidades que todos os portuenses certamente conhecem; e coisas velhas que enxergo desde que me enxergo, como sejam, as rochas metamórficas, os metrosíderos gigantescos e os choupos negros, o Homem do Leme cada vez mais verde e mais bonito, o Salva-Vidas sempre pronto, Raul Brandão e os seus personagens, o Anjo Dourado na Cantareira, o grupo que lembra a expedição a Ceuta e a frota do Infante, a placa de homenagem “à Grei que lhe deu navios, provisões e nela embarcou”…
E agora o lugar que amavelmente me convida a observar as aves.
(fotos de Fev. passado gentilmente cedidas por A. De Lima, Vantag Foto)
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por Zilda Cardoso, em 17.08.09
Em Pádua, visitámos a Basílica de Santo António que terá sido construída em 1228 para abrigar o túmulo e as relíquias do Santo, umas para mim estranhas relíquias, que se encontram na Capela do Tesouro. Compreendo como homenagem à sua capacidade oratória, à sua cultura, à sua inteligência.
É a maior igreja de Pádua, sem estilo definido, mas com obras muito importantes no interior, como as estátuas do altar de Donatello, a Crucificação de Zevio, uma das obras de mais valor com esse tema no século XIV, e o candelabro de Páscoa de Briosco de 1515.
Santo António nasceu em Lisboa onde é apenas um santo popular e casamenteiro, um milagreiro, a ponto de Afonso Lopes Vieira escrever que parecia mais um feiticeiro por dele tantos prodígios se contarem. Tenente-general do exército português, tinha estudado na Ordem de Santo Agostinho, no Mosteiro que foi origem da Universidade. Ali se preparou para as pregações e adquiriu fama de sábio. Passou depois para a Ordem de S.Francisco, missionou em Marrocos, foi convidado a ensinar Teologia nas escolas franciscanas de Bolonha, Montpellier e Toulouse e, mais tarde, nomeado ministro provincial em Pádua, onde prosseguiu a sua carreira de professor de Teologia. É considerado «exímio teólogo e insigne mestre em matérias de ascética e mística».
A Universidade de Pádua foi fundada em 1222 por e com um grupo de dissidentes da Universidade de Bolonha que queria maior liberdade académica.
As primeiras disciplinas ali ensinadas foram jurisprudência e teologia. No século XIV a universidade dividiu-se em leis e teologia e em astronomia, dialéctica, filosofia, gramática, medicina e retórica. As duas escolas voltaram a juntar-se 1813.
Estas informações foram colhidas na Internet, assim como a ideia de que a história da Universidade foi “turbulenta”, mas foi e é famosa pela pesquisa em áreas como a medicina, a astronomia, a filosofia e as leis, em parte pela protecção dada por Veneza que lhe permitiu manter liberdade e independência em relação à Igreja Católica.
Embora não tivéssemos observado, soubemos que havia um Jardim Botânico desde 1545, o mais antigo e bem conservado no local em que foi criado.
Ligadas à cultura e à Universidade, há outras instituições de grande prestígio como o Museu de História Natural e outros oito museus. O Teatro Anatómico permitiu a um ilustrador como Vesalius desenhar o corpo humano enquanto a ser dissecado.
Vale a pena estudar a história da Universidade de Pádua que continua a desempenhar um papel muito marcante na pesquisa científica, desenvolvendo cada vez mais ligações de cooperação e troca com as melhores universidades do mundo.
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por Zilda Cardoso, em 17.08.09
Sendo uma viagem organizada por agência, não podíamos deixar de visitar o balcão onde Romeu e Julieta se teriam encontrado, segundo o romance. É pelo romance que nos levam a Verona.
Porém, a cidade é muito interessante e é, nesta região de Veneto, a mais importante a seguir a Veneza e uma das que melhor resguardaram o seu património cultural e arqueológico. O anfiteatro romano ou Arena é uma beleza do século primeiro, ampliada mais tarde, onde se realizam festivais de teatro; há a catedral romanesca e gótica, belos palácios como o Barbieri já do século XIX, a ponte de pedra do tempo de Augusto, a torre Lamberti do século XII que conserva os famosos sinos de 1464, as mais bem preservadas portas da cidade…
Verona dá a ideia de cidade próspera e limpa, um tanto medieval, com belas praças como a Piazza delle Erbe onde se realiza um mercado de rua, muito popular e colorido de vegetais e de frutas frescas que comprámos devidamente embaladas e apreciámos ali mesmo; e vias importantes para o comércio de excelente roupa de design italiano como a via Mazzini.
O que nos deu gosto ver foi que o enquadramento do mercado era de palácios e de torres e de esculturas, de belos edifícios de diferentes estilos. O maravilhoso Mafei do século XVII rematado pelas seis divindades pagãs, considerado barroco, aparece sempre como fundo do mercado na Piazza delle Erbe.
Verona é muito mais do que o lugar do romance; contudo, é dele que nos lembrámos em primeiro lugar quando pensámos na cidade que tinha sido cenário de outra peça de Shakespeare, Two Gentlemen of Verona.
Em Romeo and Juliet, "the most excellent and lamentable tragedie" "Two households, both alike in dignity,/In fair Verona, where we lay our scene,/From ancient grudge break to new mutiny,/Where civil blood makes civil hands unclean."
E depois da história contada, os últimos versos são do Príncipe de Verona: "Go hence, to have more talk of these sad things;/Some shall be pardon'd and some punish'd:/For never was a story of more woe/Than this of Juliet and Romeo."
Também eu cumpro a ordem do Príncipe ao lembrar estas angústias e talvez provoque, como ele queria, "more talk of these sad things".
Que maior fatalidade podia ter havido e por piores razões? Podemos evitar futuras tragédias falando delas... das passadas... apresentando-as... representando-as?
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por Zilda Cardoso, em 15.08.09
Apenas hoje comecei a ler o mais recente livro de Mia Couto JESUSALÉM. É uma obra destinada a enorme sucesso, apresentada por Laurinda Alves há pouco tempo, e que contém citações de alguns dos meus autores preferidos.
Encanta-me sobretudo a "doçura imensa do regresso" a Sophia que costuma contar-nos os seus desejos, os seus amores, a sua pátria como um sonho de que nunca acorda, refazendo assim o nosso.
A pensar nestes autores, conto o que aconteceu hoje no meu lugar.
Perdi o mar, toda a manhã. Porém, ao princípio da tarde, saltou ele vindo não sei donde, sorridente, brilhante, sem sombra de culpa, tranquilo.
Senti-me logo jovial. As gaivotas começaram a deslizar para norte e a dar-me a ideia de que podia usar o mar como meio de fuga já que não sabia acompanhá-las voando muito por cima dele. Iria nadando submersa até muito longe, momento em que subiria à superfície, no lugar de uma ilha amparada por seixos lisos, redondos e ovais, esguios e roliços, claros todos, feita de areia fina e limpa, pouco salgada, com árvores tão belas e verdes, que eu via agora deitada de costas, no céu azul.
O mar continuou a enfeitiçar com os seus brilhos e rebrilhos, vistos do outro lado, as suas cintilações prateadas na superfície, e eu também do lado de lá estarei com os meus silêncios.
Não quero regressar, porque na ilha não há solidão, ela está cheiinha dos silêncios musicais de que falo… que nunca são vazios porque durante a manhã tive tempo de os encher a meu bel-prazer. Naturalmente, com os sons de que gosto e com outros delicados e rendados detalhes.
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por Zilda Cardoso, em 07.08.09

É fácil imaginar um arquipélago na laguna de Veneza, talvez alguém no século V, fugido de invasões no seu país, tenha acrescentado umas pedras aqui e ali; e foi criado um espaço protegido de ataques externos por perigosos bancos de areia e por lagoas baixas, uma cidade única e poderosa no noroeste do mar Adriático. No século X era um império comercial e económico, com uma frota extensíssima, comandado pelos doges com feitorias e controle de rotas comerciais no Levante.
Não podia deixar de ser Património da Humanidade, não apenas pelos monumentos, pela basílica de São Marcos, pela Praça de São Marcos e pelos pombos, pela ponte de Rialto e pela dos Suspiros, por igrejas e museus e galerias de arte, por palácios e uma importante biblioteca com uma das mais ricas colecções de manuscritos do mundo e documentos que são raridades, mas pela sua configuração e estrutura.
Festivais de cinema e de artes realizam-se cada ano, assim como a Regata Histórica e um Carnaval espectacular de dez dias.
Na lagoa de Veneza, república que limitava os poderes dos chefes, doges ou duques desde o século IX, há outras ilhas, como a Lido dos festivais de cinema e a Murano onde se fabrica o vidro. Na cidade que tem 177 canais, 400 pontes e 118 ilhas (verifiquem na Internet) não circulam carros mas barcos colectivos ou vaporetos, embarcações privadas e barcos táxis e andar-se-ia muito bem a pé, se não fossem os milhares de turistas que permanentemente circulam e se acotovelam e formam intermináveis filas na frente dos lugares a visitar.
E há as gôndolas, naturalmente, pintadas de negro e dourado e os gondoleiros vestidos a rigor que em tempos cantavam espontaneamente no melhor estilo operático, mas que no presente se fazem acompanhar de instrumentistas a pedido e bem pagos. Vimos dois ou três pares de noivos muito fotografados de gôndola ou a caminhar pela cidade com os seus fatos de cerimónia.
Quando lá estive a primeira vez, rescendia por ali de forma desagradável excepto no Grande Canal mas, agora, podem ir à vontade, está tudo muito limpo.
Sedimentos chegam de todo o lado e água dos rios e do mar e vento pelo que é necessário vigiar o equilíbrio das águas continuamente. Há com frequência inundações nas partes baixas da cidade, as fundações das casas são difíceis e as ideias brilhantes surgem a propósito.
Seja como for, a cidade é um encanto com a sua música-que-ninguém-toca e constato que não me importava nada de viver num daqueles palácios com patera e uma lancha e cais de saída para o Grande Canal. Não me importava nada.
Não sei o que pensará o meu neto de tudo isto.
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