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Em Os Miseráveis, Victor Hugo dedica o primeiro capítulo do Livro I a esta descrição:
“Em 1815 era bispo de D…. o sr….; contava 75 anos de idade e ocupava o episcopado desde 1806.
Conquanto este pormenor não tenha a menor relação com o verdadeiro fundo do que temos para contar, nem por isso é inútil ainda que seja senão por sermos exactos em tudo, indicar aqui os boatos e contos que tinham circulado a seu respeito, na época em que entrou na diocese. Verdadeiro ou falso, o que se diz dos homens ocupa muitas vezes tanto lugar nas suas vidas e sobretudo nos seus destinos, como o que eles fazem”.
O autor continua com ordem e detalhes por todo um capítulo para dar a conhecer a personagem: seremos desse modo muito capazes de compreender o que diz quando o disser.
Assim são também importantes os boatos e os mexericos e tudo o que diz respeito ao personagem. Quer dizer, o contexto material e mental.
Nos romances contemporâneos não é bem assim. Colho um livro de Lídia Jorge – O Cais das Merendas - e leio as primeiras linhas.
“A décima nona foi anunciada não como merenda, coisa que lembraria figos mas como party, ajuntamento que falava festa, doces gestos, meus amigos. Esse foi o verdadeiro momento. E para tanto não é preciso deitar o olho para trás, e acontecido, como a espelho retrovisor de carro, e dizer. Foi assim. Porque a própria Zulmira Santos se apercebeu do significado desse passo, incansável pelo sucesso do encontro, o rigor das coisas, a combinação dos sortidos, a pontualidade das horas.”
Não saberemos senão o contexto porque, quanto às falas da Zulmirinha, acho que nunca vieram. Sabemos no entanto indirectamente o que disse, o que pensou, o que os outros disseram e pensaram dela. É sugerida a existência de um grupo de desenraizados de que ela participa, que fala bocados de línguas e que tem em comum um desejo de encontro num local de simbólico desencontro. É da forma como se comportam que se sente ou pressente que se vão esquecendo do passado e dos antepassados e se vão aculturando.
Agora que a organização cronológica está fora de moda, e a clareza também, é muito mais difícil compreender o que alguém está penosamente a contar e, para os contadores, organizarem o seu pensamento. A vida será assim mesmo, desordenada, talvez as coisas não aconteçam em cronologia (!), mas para explicar, e visto também a natureza simbólica da linguagem e os seus múltiplos sentidos, para contar por escrita os acontecimentos entendivelmente, dar-lhes um sentido, é preferível conhecer um pouco da lógica que o contexto, aqui com valor essencial, sugere.
De maneira geral, as pessoas preferem preguiçosamente o cinema mudo, porque as imagens dizem imediatamente tudo o que é necessário saber.
Imponho-me quebrar o silêncio acerca deste importantíssimo tema.
As palavras são vazias de sentido, todos sabem, não têm conteúdo definido. Como nos entenderemos com as incertezas da linguagem que as usa?
A nossa experiência da língua e a consulta de um bom dicionário (o que é?) ajudam, mas o próprio dicionário dá vários significados que nada têm a ver entre si, e que podem contradizer-se e deixar-nos irreparavelmente na mesma. E quanto à experiência da língua que é uma coisa viva que ganha sentidos novos a cada passo… que dizer?
O menos que posso dizer é que é perigoso, e toda esta indefinição arriscada e conflituosa. E que quanto ao discurso, quanto mais sofisticado, quanto mais simbólico, mais perigoso é e arriscado.
Penso como superar as dificuldades que tornam para mim obscuro um discurso. Quando alguém fala, procuro considerar o tom da voz, a expressão do rosto sobretudo dos olhos, a atitude, os gestos… Sei que, desse modo, tenho alguma possibilidade de compreender o que diz. Alguma possibilidade, porque me posso enganar quanto ao significado do comportamento em causa.
Se quiser ir mais longe, devo levar em conta o grupo social e cultural e político a que pertence, a educação, os interesses e os gostos, todas as circunstâncias da sua vida. Se souber, considerarei o ADN. E o melhor é acrescentar o estado do tempo naquela manhã e a disposição boa ou má do indivíduo falante.
Quero dizer, qualquer de nós, interessado em entender o interlocutor deve analisar e reflectir maduramente, com tempo e com inteligência e com toda a sua experiência de vida e cultura, antes de interiorizar e de dar resposta.
Isto sobre a fala vem a propósito de seja o que for, mas é especialmente importante em ano de eleições. Se percebermos o sentido ou o projecto, se conseguirmos ver para além do que nos é mostrado, do que vemos, do que podemos ouvir… , TALVEZ SAIBAMOS ESCOLHER O MELHOR. Porque temos obrigação de pôr tudo permanentemente em questão e de escolher o que nos convém mais e à maioria.
Quanto às palavras escritas, os romancistas do século XIX, descreviam com detalhe o ambiente, as feições, o vestir, a classe, a ascendência, o tempo… antes de pôr a falar qualquer das personagens. E isso facilita enormemente o funcionamento da imaginação do leitor. Ou antes, facilita a sua visão dos problemas e da história a contar.
A Rita está atenta. Diz: a avó já escreveu sobre todos os meus irmãos, mas nada sobre mim.
Tem razão e não há razão.
Hoje vou corrigir essa falta. Ela tem doze anos e frequenta o O.B.S. do Porto. É boa aluna e muito interessada em diversas actividades dentro e fora da escola. Joga basquete para ver se cresce rapidamente e participa de tudo o que for possível e adequado para a sua idade, desde acampamentos a peças de teatro e a torneios desportivos. É muito entusiasta e tem bons amigos, boas amigas para casa de quem viaja com frequência como acontece como a Jimena, the best best friend que está agora a viver no sul de Espanha e a amizade não quebrou por esse motivo, pelo contrário, como se pode verificar pela correspondência apaixonada que trocam.
E há a Joana que é agora a best friend local: ambas são o nucleo de um grupo alargado, zangam-se todos os dias e reconciliam-se com grandes abraços e juras de amizade eterna... até ao dia seguinte.
É muito despachada, já tem comentado os meus textos no blogue e escreveu há tempos um artigo sobre a minha escrita que me deixoua a impar de orgulho. Encontrei-o nos documentos do meu computador, com fotografia e tudo. Como queria fazer-lhe algumas referências, não o descubro! E este post é surpresa, não posso indagar nada.
Ela ajuda-me muitas vezes a resolver dificuldades tontas acerca de computadores, tem muita paciência e… gosta, por várias razões.
Já escreveu em verso a história da minha vida (a dela) com a mesma facilidade com que Bocage o faria. E criou outros poemas sobre variados temas, bastante bem conseguidos. Pode vir a ser uma boa escritora e de sucesso, ou uma política de topo ou uma educadora de infância ou uma excepcional secretária de direcção ou... o que quiser. Está pronta a responder a desafios e toma rapidamente as suas decisões. Conhece e usa excelentes estratégias para conseguir o que pretende e fará perfeitamente um espectáculo dos seus talentos.
Há um acontecimento que gravei na memória e nunca vou esquecer porque me agradou de mais. Quando há poucos anos, no Colégio, perguntaram aos alunos se conheciam alguém importante que quisesse falar dos seus feitos, ela indicou a sua avó escritora e eu fui com muito gosto falar aos seus colegas dos meus livros. Vi como estava orgulhosa e risonha e gostei, gostei muito de responder às perguntas pertinentes e inteligentes de muitos. Estiveram interessados sempre, por isso, as perguntas não terminavam e fui eu que pus termo à reunião antes que o aborrecimento deles viesse.
Mas quanto à Rita, que tem uns olhos muito particulares, é a que conhece e valoriza a minha importância.
Rania, a Rainha, é uma mulher exemplar: jovem, bonita, elegante, educada, inteligente, sabedora dos assuntos de que se ocupa e de que fala com o maior à vontade.
Apreciei ouvi-la e vê-la, ler o que escreve e o que responde a um sem número de perguntas - sobre as suas actividades, sobre o seu país, sobre os árabes, sobre os conflitos mais persistentes, sobre o mundo em geral.
É extremamente sensata e usa uma enorme dignidade.
Procurei saber um pouco da sua vida.
Li que era de origem palestiniana, viveu com a família no Kuweit onde estudou. Emigrou para a Jordânia em 1990, quando o Iraque invadiu aquele país. Formou-se em administração de empresas. Foi empregada bancária e de uma empresa de computadores. Casou com o príncipe Abdullah que não iria ser rei, mas que é rei da Jordânia. Tem quatro filhos e dedica-se a um trabalho muito importante: a reforma da educação - melhores condições nas escolas, introdução do ensino obrigatório do inglês...
“Sinto que o nosso mundo está em crise, neste momento, a violência tomou o lugar do diálogo e a raiva tomou o lugar da compaixão”.
Criou um canal no YouTube para responder a perguntas de internautas de todo o mundo sobre o islão e sobre o mundo muçulmano. A sua ideia é combater e eliminar lugares comuns e explicar a verdade.
“Tenho esperança de que este canal de comunicação seja uma ponte entre o Oriente e o Ocidente, porque acredito firmemente que o nosso mundo precisa muito disso”.
O seu discurso é moderado e o valor do trabalho em que se empenha é reconhecido em todo o mundo.
Portugal concedeu-lhe um prémio que recebeu há dias pela contribuição dada para o estreitamento das relações entre os países do Norte e os do Sul.
As minhas homenagens.
Que é notícia?
Um hoje que nunca é hoje
um amanhã que é já ontem
entre ontens que se perdem
no anteontem dos anos
no tresantontem dos lustros...
Que é notícia?
Amanhã acontecido,
notícia é sempre um depois,
é um a viver vivido...
Que é notícia?
............. ..............
... ... ...
.... ....
Que é notícia?
Das convulsões deste mundo
dava meu pai a versão:
- Ailitla por toda a Europa...
O guarda-roupa, meu filho,
varia, a tragédia não...
............... .........
.................. .............
Que é notícia?
Notícia em primeira mão
na minha mão infantil:
o papagaio empinado
no claro céu da manhã,
meu jornal publicado
por cima de tanto afã...
Mas terá sido notícia?
Que é notícia?
Poema de Alexandre O'Neill,
incompleto e retirado do volume Poesias Completas, Assírio & Alvim, Lisboa 2002, 3ª edição.
Decidi-me. Entusiasmei-me com o quadro vangoghiano na busca de volteantes loucos amarelos e movimentos vibrantes, retorcidos e roxos com algum azul. Que formas nasceriam daquela força criadora?
Tinha-se falado muito em festas da cidade. Em fogo de artifício e em cachoeira sobre o rio. “Que bonito o incêndio de Roma”, dizia-se. “Se bem que muito ambicioso”, opinavam. Pode tirar-se-lhe o brilho, alvitrei. É evidente. Mas não, que ideia! Enfim, uma unidade de pensamento, uma ligação entre loucura e ritmo, entre arrebatamento e medida pode existir… Espectáculo dionisíaco a restabelecer a ordem?
Visto o ou apesar do gosto das pessoas pelos enormes espectáculos, as “festas do deserto”, soube que não ia resultar. Que poderia haver antes a preparar a sensibilidade…? Como nos aplicarmos? Incêndios menores produzindo-se devagar, aperfeiçoando-se, bem conduzidos; explodindo lentamente…?
A seguir a depois, não decidi o que aconteceu. Era necessário antes de mais, descobrir o motivo e a qualidade do motivo.
Deito-me ao comprido no chão, de costas, olhos nos olhos da madeira do tecto, resolvida a resolver.
Podia ser vingança. Desejo de vingança. Eles sabiam o que eu pensava. Pensava o que eles pensariam, diferente do que diziam, do que sorriam. Divertido isso. A luta era entre pensamentos esconsos. E saiu um espectacular ajuste de contas em som e luz.
Non sense.
Amor, talvez. Amor fora de moda e de convenção. Ele não correspondia. Eu não me encontrava no azul fluido dele. Então… lancei o cocktail.
Mas não podia ter lançado. Seria de um vulgar ressentimento, nitidamente fora da minha medida. A minha virtude é o desejo de bons desejos passivamente conformes com a disciplina, com a lei. Fugir à dor entrando no coro.
E por que encontrar alguma enredada razão? Apenas o gosto do espectáculo transbordou, do grande espectáculo de fachada que vai do esplendor da cortina de fogo de um lado à miséria que ela esconde do outro lado da ponte. Duas violências. Ou podia ser o gosto de degelo. Que não sucedeu: de facto, não atirei o cocktail.
Voltei para a sala a pousá-lo com cuidado, vermelho, sobre a mesa por entre as bolachinhas salgadas e leves, receita muito antiga, de avó, e a bola de carne, uma delícia quente.
Quanto ao que aconteceu a seguir, finalmente decidi: não voltaremos a encontrar-nos.
Porém, naquele dia, veio ao meu encontro - de olhos azuis com o sorriso escolhido embora alto e toda a doçura musical na voz: "Tanto gosto!"; "Ainda bem que veio!"; "E a família?".
Eu suspeitava vagamente. Perguntei-me se iria acontecer alguma coisa a seguir a depois. Se continuaríamos a ver a vida por uns visuais diferentes: eu passando abaixo do seu olhar para o longe, desconhecida, pequena, autopiedosa; ele...
Depois, foi o cocktail que sempre aprecio como devo: não para conhecer as actividades de seja quem for, mas para imaginar pensamentos, sentimentos, vontades. De forma aberta a todas as surpresas e riquezas possíveis.
As apresentações, o deambular de grupo em grupo de sorriso colado como o copo de sumo vermelho aos dedos, usado como arma de defesa. Ou de ataque para alguns. (Também pode ser um microfone que registe). Sempre perigoso utensílio cuja função com rigor desconheço.
Cocktail especial com petróleo e areia – se o arremessasse ao longe, tapado, com força… Se lançasse o fogo…
Pode ser hoje, pensei. Posso libertar-me hoje. Há um poder de que devo proteger-me ou que posso dominar sem ritos mágicos ou encantamentos. Apenas um gesto simples…
Espreito o seu jardim de óptimas dimensões, perfeito. Cerejeiras em flor, “Já estiveram mais bonitas”, diz-me com orgulho olhando a direito para a sua árvore, e relvado imenso. Saí para a frescura, farta de bater coros com toda a gente. Assembleia de aristos – os melhores sem ressentimentos – gozando ainda a velha herança de costumes e de opiniões que se não transformaram em sabedoria. Porque eles não transformam nada. Conservam e classificam. A mim, sem avós, como se fosse possível. Errante. Qual a sua/minha moral? Sem avós, a moral não é possível.
É certo que havia os quase mestiços em menor número. Eram intelectuais práticos ensaiando não imitar tudo, mas dando ordens do berço senão por vocação. Top ten people. Por que dissimulavam? Verdadeiramente era tão aberta a dissimulação que só podia ser outra coisa: subtileza ou requinte. Fosse como fosse, parecia natural. O fingimento.
Pus-me a supor o raro espectáculo que daria: as chamas altas enquanto os gritos do jardim agredido, os brilhos soltando-se para o infinito em faíscas e pedaços cintilantes. Então o vermelho líquido espalhava-se no chão e uma harmonia de sons e cores trazia com o prazer uma pequena felicidade; vinha sabiamente iludir uma certa angústia.
Entendamo-nos: o conflito era solúvel, não trágico. Devia resultar um espectáculo justo que colocaria cada um no seu lugar, sem dissenções. Talvez que a memória dele viesse a ser um elo de ligação entre nós. Um verdadeiro elo.
(termina depois)
Texto publicado na página Das Artes Das Letras, O Primeiro de Janeiro, 1982
Há lugares em que mesmo no começo da gentil Primavera há uma beleza rústica e tocante.
Foi assim na Quinta minhota do Casal, há uma semana.
Alguns dos meus amores tinham acabado de nascer ali por perto.
Mais além, os cactos rejuvenesciam tranquilamente depois das geadas.
E, junto da Capela, as flores luminosas da magnólia como estrelas alegravam o Inverno sem folhagem.
Ontem, no mesmo lugar, havia mais algumas cores suaves.
É apenas o começo do mundo novo.
já não é hoje?
não é aquioje?
já foi ontem?
será amanhã?
já quandonde foi?
quandonde será?
eu queria um jazinho que fosse
aquijá
tuoge aquijá.
(poema JÁ de Alexandre O'Neill)
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Desde há cerca de um mês e até 24 de Maio, a Fundação Gulbenkian expõe sobre a história da evolução de Darwin.
É a partir da viagem do Beagle ali recreada que é possível compreender como chegou à sua teoria que é fundamentalmente a evolução por selecção natural. Todas as espécies evoluiram a partir de um antepassado comum, afirma Darwin. A genética terá resolvido este enigma, mas opôs-se à “gradualidade “ que o cientista defendia. Foi a Matemática em 1930 que estabeleceu em definitivo a aliança entre a genética e a evolução.
“A Selecção Natural é considerada o principal mecanismo da Evolução e a razão fundamental da diversidade biológica e do padrão ramificado da árvore da vida.” (Transcrevo do folheto elaborado pela Fundação Gulbenkian).
A exposição tem um programa de conferências e filmes encomendados a artistas e inspirados na obra de Darwin. São curtas-metragens de 3 minutos apresentadas no hall de Congressos da Fundação que penso terem muito interesse.
Não tive tempo de ver nenhuma delas, mas vou voltar para as apreciar devidamente. Para já, leio os títulos sugestivos: E se tivéssemos percebido mal?, Bichos de BIblioteca, Apto para Sobreviver, A Vereda do Pensamento, Perspectiva, Requiem pelos Ruivos, (que parecem estar em vias de extinção e serem uma prova da teoria de Darwin: "Os ruivos surgem em aglomerados e a migração causa o seu declínio evolutivo").
A famosa viagem de Darwin no Beagle, que durou cinco anos de observação, foi determinante para o estabelecimento da teoria. Na América do Sul, no arquipélago dos Galápagos, o então muito jovem cientista encontrou, descreveu e registou os mais interessantes "exemplos da adaptação das espécies ao ambiente".
Voltou a Londres e reflectiu e estudou, experimentou durante anos; escreveu, falou e convenceu a comunidade científica. A Biologia - botânica, imunologia, microbiologia, genética humana, comportamento animal e paleontologia - demonstra o processo da Selecção Natural.
Apesar de todas estas certezas, muitas perguntas estão por responder especialmente no que respeita a origem da espécie humana. Pertencemos ou não a uma espécie privilegiada desde o início? E com um destino invulgar?
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