por Zilda Cardoso, em 06.11.08
Por falar em mulheres admiráveis... será moda ou, finalmente... reconhecimento?
O nosso Prémio Nobel de Literatura tem falado em algumas dessas mulheres no seu blogue e ontem, o eleito presidente dos Estados Unidos, num discurso tranquilo e absolutamente sedutor, falou de uma mulher singular.
Uma mulher que teve tempo, ao longo da sua vida, de sofrer toda a espécie de tropelias e de barbaridades, que sentiu desolação e esperança, assistiu à luta e ao progresso, sobreviveu à violação de direitos essenciais e ontem foi votar, monstrando que a mudança é possível.
"Se alguém ainda se pergunta se o sonho dos nossos fundadores continua vivo, que ainda questiona a força da nossa democracia - esta noite é a resposta - ".
Foi um momento extraordinário que o novo presidente aproveitou com muita inteligência: ontem foi o homem simples, sensível, corajoso, luminoso que sempre tenho visto.
O seu discurso assemelhou-se a uma oração.
Apreciei ouvi-lo e acreditar nele! Acreditei nele e "na democracia, na liberdade, na oportunidade e na firme esperança" que apregoa.
"Nasceu apenas uma geração depois da escravidão, numa época em que não havia automóveis nas estradas nem aviões nos céus, quando alguém como ela não podia votar por dois motivos - por ser mulher e pela cor de sua pele".
"E este ano, nestas eleições, ela tocou uma tela com o dedo e votou; após 106 anos nos EUA... ela sabe que os EUA podem mudar."
Ele prometeu fomentar a causa da paz para recuperar o sonho americano (não será o sonho de qualquer de nós?) e reafirmar esta verdade fundamental - que somos apenas UM e enquanto respirarmos temos esperança.
"Yes, we can"
É um expressivo slogan que nos inspira a todos. Também podemos, se quisermos.
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por Zilda Cardoso, em 05.11.08
Receava muito que ele não ganhasse, receio agora as consequências da vitória. Não é pessimismo, é atenção à realidade.
Sei que não está sozinho, Bush também não está nem estava sozinho. Nada do que decidiu, foi decidido por ele apenas. Não concebo que se considere um… um monstro, o outro... um messias. É muito perigoso para ambos. E não é verdadeiro.
Bush não é inteligente? Provavelmente, não. E quem o elegeu… é... era?
É sensato considerar que Obama não é um deus, e que embora se supere como humano, tem a força e a fragilidade do ser humano.
Tem uma carga imensa que ninguém sabe se vai conseguir suportar. O seu papel é por de mais marcante, não só na América, como no mundo. Não houve nunca antes um lugar de tamanha gravidade.
Porém, nada disto diz respeito apenas a ele, mas ao seu grupo, aos seus eleitores, a todos os que podem ajudar a criar um movimento que modifique o papel da América e o papel dos dirigentes de qualquer país no seu país e no mundo.
Se todos tiverem compreendido a beleza do seu discurso e da sua atitude, e estiverem envolvidos e empenhados no que é, além do mais, uma causa, não será ele que não vai conseguir, mas todos, todos nós.
Por isso, vamos conseguir.
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por Zilda Cardoso, em 04.11.08
No seu Caderno, Saramago escrevia há dias: quando for crescido, quero ser como a Rita. E dizia com muita graça por que razão queria ser como a Rita. E quem era a senhora.
Rita Levi-Montalcini, que recebeu em 1984 o prémio Nobel de Medicina pela sua investigação na área das células neurológicas, foi recentemente doutorada honoris causa por uma universidade de Madrid.
É uma senhora bonita e muito bem arrumada com um ar romântico, muito século XIX, que fará muito em breve cem anos. E que surpreendeu Saramago com o seu discurso naquela Universidade.
“É ridícula a obsessão do envelhecimento”, disse ela. (Cito a partir do blogue de Saramago).
“O meu cérebro é melhor agora do que foi quando eu era jovem. É verdade que vejo mal e oiço pior, mas a minha cabeça sempre funcionou bem. O fundamental é manter activo o cérebro, tentar ajudar os outros e conservar a curiosidade pelo mundo”.
“O importante é a maneira como vivemos e a mensagem que deixamos. Isso é o que nos sobrevive. Isso é a imortalidade”.
Eu também conheço algumas mulheres com qualidades excepcionais, que têm conservado a curiosidade pelo mundo e trabalhado para o modificar para melhor.
A quem presto homenagem.
Uma delas é a Elvira Leite que aparece nesta imagem e de quem falarei proximamente.
Com os seus muito jovens setenta e dois anos, conserva intactos os sonhos de juventude. E continua a trabalhar e a estudar como nunca para os converter em realidades.
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por Zilda Cardoso, em 02.11.08
(estranha luz entre velhos arbustos)
Um mundo desconcertado, percebi, é mais interessante do que um mundo perfeito (embora não tenhamos qualquer experiência de um mundo perfeito), porque é mais intenso, mais sedutor …
Camões referia-se a um mundo desconcertado como sendo cheio de acontecimentos difíceis de compreender, coisas vãs e efémeras como a glória e o mando, injustiças como má fortuna para os bons e merecedores de boa, e boa para os que não a merecem, de amores não correspondidos e impossíveis, de auras falsas e incertas, de grandes conquistadores sempre insatisfeitos, de “esquivanças do bem”...
Para reforçar a minha reflexão sobre este desregramento, leio um livro de Matthieu Ricard com o título deste artigo. O autor cita Rabindranah Tagore: “Interpretamos mal o mundo e depois dizemos que ele nos engana”.
O Poeta sente-se desamparado (não sei se interpretou mal ou se o mundo o enganou). Fala de quem levasse uma vida simples tranquila humilde e fosse ignorante, “sem imaginar a água donde nasce, nem quem a luz esconde no horizonte”, de quem tivesse, enfim, “perdido o siso” como exemplo de pessoa feliz.
Ele próprio gostaria de viver com as suas musas num ambiente bucólico, celebrando o Tejo, junto daquela que entreteceria rosas nos cabelos brilhantes de sol. Se vivesse assim, não pediria para si a ignorância do que perdeu o juízo, mas sim um duplo entendimento “por ter de tanto bem conhecimento”.
Ricard afirma que felicidade é o gosto de viver, é amar a vida. É preciso ter uma percepção nítida da realidade e saber como funciona o espírito para eliminar o ódio e a obsessão que o ocupam e envenenam. É necessário não nos deixarmos confundir. Porque não há limite para os nossos desejos, é impossível encontrar felicidade no exterior de nós.
Precisamos de ver o mundo a partir da nossa serenidade interior, sem emoções perturbadoras que nos darão visões erradas, mas com altruísmo e sabedoria.
O Poeta sábio compreendeu também que seria feliz não apenas pela simplicidade e beleza do que o rodeava (coisas efémeras), mas porque ele próprio, experiente e agora clarividente, não queria desejar mais. Estava preparado para não desejar mais.
Bebo então "o primeiro vinho claro e vermelho, de gotas frias escorrendo no barro", e como Agustina no final da sua Embaixada a Calígula, digo: "se quiserdes, bebei também".
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por Zilda Cardoso, em 01.11.08
Continuo a leitura das Oitavas de Camões.
O Poeta escreve: “… se este estranho desconcerto novamente (ou pela primeira vez?) no mundo se mostrasse, que por livre que fosse e mui esperto, não era de espantar se me espantasse”.
Quinhentos anos depois, anos de liberdade e de esperteza, seria de espantar se qualquer de nós se espantasse ainda com o estado do mundo.
Ele está desconcertado e foi posto assim pelos que o habitam e o vão desarrumando desde há muitos séculos ou desde sempre. Não sei se alguma vez o compuseram ou intentaram alinhá-lo ou se, por sistema, deixaram isso aos heróis e semi-deuses, quiçá aos deuses. Que não tiveram muito êxito.
“Não é para causar mui grande espanto que mal tão mal olhado dure tanto”.
O que parece estar a acontecer, já aconteceu mil vezes antes.
Talvez seja mais divertido assim, por isso não nos empenhamos em compô-lo.
Pensando bem, já tem havido tentativas, mas com o decorrer dos séculos, vão ficando esquecidas.
Será mais interessante deste modo, sobretudo para quem o aprecie de grande distância e de fora.
Acontece que não é só o nosso planeta no seu interior que está desconcertado, mas o sistema. Vejam o Sol no seu movimento anual: em vez de traçar um percurso certinho em volta da Terra, paralelamente ao equador, ele faz uma trajectória elíptica, por isso, o ângulo horário medido entre a elíptica do Sol e o equador não é constante. E a órbita da Terra em torno do Sol é elíptica também, por isso, o movimento do Sol é mais rápido nos meses de Inverno. De tudo resulta que não há nenhum dia igual ao outro, por mais que se procure… e que se mude a hora...e que não gostemos de a mudar. Nem mesmo os dias do ano anterior da mesmíssima época são iguais aos deste ano.
E sobre o Sol, reparem, o seu movimento não é autêntico como seria de esperar tratando-se de um assunto fundamental. Sabemos que é aparente e tudo o que concluímos sobre o seu movimento é a dissimular, é astucioso, camuflado, mascarado. Dizemos: o Sol roda em volta da Terra, mas sabemos que é a Terra que gira em volta do Sol.
E assim por diante: tudo desconcertado.
Como assim? Não podemos fazer nada? Ou vamos concertar isto? Ou consertar? Fingiremos que acreditamos e continuamos a seguir o exemplo das estrelas que, (acontece com o Sol), aparentemente brilham para nós?
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