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Li, escrevi e guardei um pequeno trecho de sabedoria que gostaria de partilhar convosco. Pode ser importante.
Intitula-se:
ETAPAS DE RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS
2) Conceber uma estratégia de resolução
3) Executar um plano
4) Reflectir sobre o que foi feito e sobre a plausibilidade do resultado.
Acredito que se conseguirmos fazer isto bem, resolveremos bem os nossos problemas.
Jotacê pediu-me para contar a história da Galeria Vantag numa dúzia de linhas.
Poderão ser duas dúzias de linhas, vamos ver.
No fim da década de 80 do século passado (naturalmente), a Pintora Elvira Leite e eu tivemos a colaboração importante do meu filho Jorge Nuno e da sua empresa de intermediação de seguros para a criação de uma galeria de arte naif.
A Galeria ficou instalada numa sala, eventualmente em duas, do seu escritório da rua Júlio Dinis, no Porto. Durante pelo menos dois anos expusemos loucamente: de 15 em 15 dias, inaugurávamos uma exposição nova. E elas foram-se sucedendo, já que esses artistas ansiavam expor e nunca tinham encontrado um local acolhedor e apropriado para os seus trabalhos.
Mostrámos pintura, escultura cerâmica, barcos de madeira, jóias, tecelagem e confecções artesanais, bordados, objectos resultantes de aproveitamento de peças de ferro de sucata, e tantas, tantas outras obras. Eram exposições muito bem sucedidas e aos jornais também interessava dar notícia delas. Saliento o êxito popular da primeira de jóias de Ana Fernandes, encantadoras e muito novas, executadas com materiais invulgares - galões antigos, botões, fivelas.
Quando a Vantag Seguros mudou de instalações, fomos com ela para o Edifício Aviz, mas decidimos mudar de rumo. Começámos a expor design contemporâneo para decoração de interiores e pintura de recém-formados pela Escola de Belas Artes.
O nosso objectivo principal foi a divulgação do design português.
Pedimos projectos a arquitectos e a designers (Álvaro Siza, Alcino Soutinho, Souto Moura, Pedro Silva Dias, Ana Campos e muitos outros) para peças de mobiliário, para tapetes e candeeiros, para objectos úteis e de decoração que foram realizadas com materiais do país (madeira, ardósia, mármore, granito, verga e vime, vidro, prata, lã) por processos artesanais ou semi-artesanais. Foram as chamadas peças de autor em que pretendemos ver qualidades poéticas.
Expusemos e fizemos montras durante dez anos das obras que editámos, não apenas no nosso espaço mas também em Lisboa na Sala do Risco, colaboração da C.M.L., no Mercado Ferreira Borges, apoio da C.M.P., em Vigo na Casa da Cultura, em diversas feiras internacionais e em Bruxelas com o apoio do I.C.E.P.
Do mesmo modo, importámos de Itália, da Finlândia e de outros países, e vendemos no nosso espaço - agora uma grande loja no Edifício Aviz - objectos dos melhores designers internacionais em simultâneo com aqueles editados por nós.
Fizemos uma divulgação sistemática do melhor design. E se bem que a Vantag possa agora estar um pouco esquecida, considero que cumpriu muito bem o seu papel de pioneira na divulgação do design português, o que era o seu principal objectivo.
Constatamos que houve uma mudança de gosto na escolha de peças de utilidade e de decoração e, duma maneira geral, nos objectos que nos rodeiam. O que me leva a pensar que conseguimos recrear a antiga relação simbólica entre o objecto e o seu utilizador.
Não me falem em dias de 24 horas. Porque isso é treta!
Desde há um certo tempo, os meus dias não têm vinte e quatro horas, não são de vinte e quatro horas. Ou então as horas não têm sessenta minutos. E não consigo realizar o que pretendo com horas e dias tão pequenos!
Se alguma vez tiveram para mim aqueles minutos todos, isso passou-se há muito. E é pena: preciso bem daquelas vinte e quatro horas de sessenta minutos a que estava habituada para compor aquilo que tenho para compor cada dia.
Há pessoas privilegiadas que conseguem viver dias cheios daquelas horas comuns que todos conhecem.
Eu... não sei.
E não sei o que fazer: estou muito confusa.
Vivo a sonhar com dias compridos, possivelmente em fins-de-semana, sozinha em casa, em que posso, com tranquilidade e sem que alguém ou algum acontecimento me estremeça, fazer isto ou aquilo. Ou isto e aquilo. Ou não fazer nada.
Em que tenha possibilidade de optar sem vacilantes pensamentos: faço agora isto ou faço aquilo? Ou deixo isto e aquilo para mais tarde e vou fazer aquele aquilo ou aqueloutro?
Por vezes, nalgumas manhãs, julgo que vou conseguir realizar a maior parte das minhas desejadas tarefas daí a pouco, a bem dizer, à tarde, nessa tarde. Porque há a tarde, caramba! Além da manhã, há a tarde.
Mas a meio da tarde, verifico que já não tenho tempo... e fico por de mais alvoroçada.
Interroguei algumas pessoas sobre este assunto. O que realizaram elas de excelente para merecerem o favor de terem tempo? Talvez eu possa corrigir algo que me está a impedir de ter assim um tempo.
Mas elas não explicam. Há pessoas que não partilham... Que havemos de fazer?
Por vezes, tenho vontade de reler, revisitar, reviver as histórias da Alice. Já me têm ajudado, noutras ocasiões, a compreender temas complicados. Por isso, ainda uma vez, folheei um dos meus livros preferidos, de Lewis Carroll.
Ele compreendeu muito bem esta questão fundamental da falta de tempo e a sua Alice soube ultrapassá-la da melhor maneira. Em minutos, ela sonha e fantasia e vive longuíssimas e complexas aventuras cheias de personagens muito desiguais, de ideias e de soluções assombrosas e engenhosas, histórias que demoram muitas horas só a contar.
Estão a ver que não posso acreditar que aquelas sejam horas de sessenta minutos cada.
Encontrei! Afinal, é muito simples: são fantasias novas que eu gostaria de viver, quanto mais não fosse, para vo-las contar.
"'Fica para outra vez...'; 'A outra vez é já!' Ordenavam as alegres vozes."
Ontem foi o dia mais importante da famosa Christmas Ladies Guild do Cricket Club do Porto. É uma ocasião muito concorrida em que o club abre a toda a população que queira colaborar comprando os mais variados objectos pedidos e oferecidos ou confeccionados pelas senhoras inglesas. Ou para tomar chá. O produto da venda e do chá reverte a favor de várias instituições de benemerência.
Na tômbola de vinhos há sempre esfusiante alegria. E mesmo ao lado estão as jóias
preciosas!
(Nas imagens nada disto é evidente, mas é verdadeiro)
Os jovens do Colégio Britânico colaboram na venda de plantas e de legumes lindos que
entusiasmam os visitantes, com razão.
Vejam só esta beleza única de flores brancas e comestíveis:
Há também os crochets e os tricots e os bordados, os livros usados e as velharias e a jovem Marta que, com um bebé sentado num confortável maple ao colo, circula pelas salas convidando toda a gente a dar um nome ao bebé contra 50 cêntimos, porque quem acertar no nome (não percebi bem como!) ganha uma coisa valiosa.
As salas de maior sucesso, para além da do chá, são as das bolachas, das compotas e das conservas, dos bolos e bolinhos perfumados e frescos. Comprei um Christmas puddind enorme, maravilhosas walnut brownies, ginger snaps e rock cakes e um frasquinho de tarragon jelly, sem que remorsos me atormentassem já que estive a contribuir activamente para dar algum carinho a quem habitualmente não o tem.
Termino esta grande reportagem com uma fotografia do campo que deu o nome ao clube e onde se desenrolava um jogo, tão incompreensível como amigável, não entre rapazes e raparigas mas com eles e elas do mesmo lado.
É o tema e o título de uma das crónicas de ontem da Laurinda Alves no Público. Que recomendo vivamente. O que ali se diz é duma clareza e evidência absolutas. Não quero dizer que seja novidade, quero dizer que é fundamental.
Cada palavra merece ser meditada, oxalá encontre continuação noutros jornalistas capazes de fazer tanto ruído a este propósito como fazem acerca de professores e de sindicatos, de alunos e de seus pais, de ministros e do ministro... Tanto ruído como fazem os próprios queixosos. Quando convém…
Quando o assunto convém a muita gente, tem que satisfazer os jornalistas.
Esta matéria ajusta-se a toda a população e tem a ver com o nosso lugar no mundo. Poderia interessar mais?
Escreve Laurinda Alves:
Nas escolas portuguesas os alunos não são ensinados a argumentar e a defender pontos de vista, não são treinados no debate de ideias e muito menos estimulados no improviso e na expressão oral. Não existem aulas para aprender a falar em público nem as matérias relacionadas com a comunicação são muito exploradas e é pena pois os portugueses apresentam sérias desvantagens num campo cada vez mais exigente e determinante.
Numa era claramente marcada pela comunicação, ter dificuldade em exprimir ideias, em alimentar um debate ou manter uma polémica com quem tem opiniões divergentes é um handicap tremendo. A diversidade de dons é e será sempre enorme e hoje em dia ganha mais quem comunicar melhor aquilo que sabe.
Tão importante como pensar e fazer bem as coisas é saber comunicá-las. Acontece que no sistema de ensino nacional não existem cadeiras específicas de comunicação e o resultado é que a generalidade dos portugueses não se sente confiante na expressão verbal das suas ideias e competências.
E mais adiante:
Há os que escrevem o que querem dizer para não correrem o risco de se esquecerem ou para manterem uma coerência discursiva impecável ao longo da sua intervenção mas também estes falham muitas vezes a comunicação por uma razão simples: enquanto lêem o papel não olham para a plateia e não falam verdadeiramente com quem está presente. Até podem dizer coisas bem articuladas do ponto de vista literário mas como não adaptam o discurso às circunstâncias, não percebem para quem falam nem se detêm na eficácia daquilo que comunicam.
Este assunto sensibiliza-me profundamente (toca muita gente, de outro modo não falaria nele), já que tenho a noção e nenhuma dúvida de que esta forma de agir prejudicou vivamente a minha vida e prejudica todos aqueles que não conseguem por si próprios ultrapassar a timidez. E resultou não apenas de um temperamento (possível de corrigir), mas da forma como se ensinava nas escolas portuguesas quando eu as frequentava. Parece que continua a ser assim.
E é contra este estado de coisas que devemos revoltar-nos. Por que razão os professores e os dirigentes deste sector não se comprometem a pensar nisto e a tentar melhorar o seu próprio ensino e o ensino em geral?
A sua função é de transcendente importância no presente e para o futuro: haveriam e regozijar-se-iam de serem avaliados e bem classificados na certeza de que isso seria o VALOR do seu papel, da sua tarefa.
Gostava de poder satisfazer aqueles que com simpatia me sugeriram voltar a escrever sobre a exposição desse artista interessantíssimo que é Juan Munõz.
Não sei discutir aspectos formais e técnicos da obra; apenas como espectadora tocada, posso dizer o que sinto. Não voltei ao Museu de Serralves, mas sei que vou voltar para me surpreender com este "teatro escultórico".
Sobre o que provoca riso ou inquietação leio de Manuela Mena que o riso ocorre em Three laughing at one… "As três figuras estão situadas no alto, acima do observador, e os seus tronos elevados destacam-nas como especiais e superiores. O riso delas não é sinal de alegria, antes resulta de pensamentos absurdos ou sinistros; mais uma vez, isto provoca inquietude no observador.”
A autora diz que, neste trabalho exemplar das ideias do artista, as personagens se mantêm no seu próprio mundo: não iniciam uma relação com o espectador nem permitem que os espectadores participem do seu riso. Talvez, como nos é sugerido, “o comportamento das personagens esteja relacionado com alguma coisa mais profunda e perturbadora – um comentário sobre a incerteza do nosso destino.”
Mas, por que razão o riso não é resultado de alegria? Pode ser…não? Não estamos permanentemente a pensar na incerteza do nosso destino. Vamo-nos rindo e alegrando. Admito que aquelas personagens não estão divertidas.
Porém, há um caso que gostaria de lhes contar. Nem toda a gente sabe, mesmo portuenses, que há uma instalação permanente de Munõz no Jardim da Cordoaria desde 2001, em frente ao Palácio da Justiça. Chama-se Treze rindo-se uns dos outros - são figuras que passaram a fazer parte do nosso mundo, da cidade. A instalação é constituída por quatro elementos, cada um, um trecho de degraus de um auditório ou de um estádio. Estão três figuras em cada uma de três peças e quatro numa outra– por alguma razão o autor quis que fossem treze.
Proponho que observem: vejo que elas têm muito a ver com silêncio e, mesmo no jardim, estão em silêncio, mesmo rindo-se estão em silêncio; se chorarem é em silêncio, se gritarem é em silêncio. Têm com certeza muita vida interior, e estão voltadas para o que acontece naqueles degraus, pouco lhes interessa o que se passa mais longe. E ainda bem: se reparassem ficariam tristes, não encontrariam de que se rir.
Neste momento, para nós, talvez tivesse sentido impressionarmo-nos com o mau odor que existe por ali e torna desagradável o estar num jardim-de-estar. E não valha a pena desassossegarmo-nos com o nosso destino.
Acho que neste trabalho, as figuras estão alegres, brincalhonas. Riem-se daquele que caiu e está de pernas para o ar nos degraus, enquanto eles estão de pés vagamente nos degraus, sentados ainda que instáveis.
Apesar do que Manuela Mena afirma ser exemplar das ideias de Munõz, acho que estes se riem sem pensamentos sinistros. Um deles caiu, os outros dois ou três riem-se (também pode ser: o outro caiu, os dois ou três riem-se) e haverá alguma perversidade nessa atitude, mas parece-me que há sobretudo uma infantilidade ou uma maldade ingénua de filme cómico... Não me provocam inquietude.
Tive vontade de ler alguma coisa do escultor e encontrei no catálogo de Serralves o escrito de uma conferência proferida no Isabella Stewart Gardner Museum – fiquei deliciada. É um homem extremamente inteligente que sabe pensar e escrever. Ele propõe-se falar sobre um desenho de Bellini exposto no Museu, e termina assim:
“Mas então todas essas palavras e todos esses conceitos, todas essas palavras que agora escrevo em silêncio e que vos leio alto não me vão ajudar a compreender, nem mesmo a recriar, esse instante em que pela primeira vez entrei numa sala do Gardner Museum e contemplei um delicado e pequeno desenho de um jovem turco feito por Gentile Bellini e pensei, só por um instante, que era perfeito.”
Não tenho o menor talento para obter imagens a partir de máquina: por mais automáquinas que digam ser, pedem-me sempre coisas que eu lhes não sei dar.
Porém, sei muito bem quem tira belas fotos de cidade e se apaixonou por essa actividade. "Hobby", a começo, ela está a transformá-la numa actividade profissional.
Vai brevemente sair um livro de fotografias suas, editado pela Vantag. Será um acontecimento para o fim deste mês e um bom presente para um Dezembro sempre natalício apesar de todas as crises.
Só vou mostrar, se for capaz, algumas fotos da Primavera, a autora do livro que tem o mesmo título.
Este é um mundo novo que a autora descobriu, incrivelmente mais belo do que o que eu conhecia e fotografo quase todos os dias à minha insípida maneira.
As gaivotas e o pombo são muito das minhas relações: habitantes do lugar - do rio - que tem estes brilhos a uma certa hora do dia. E jamais os repete.
Mostro-lhes ainda uma terceira imagem para aguçar o apetite.
É esta, mesmo única, feita num momento de performance perto do Douro.
Deixo-lhes o endereço
galeria.vantag.foto@g.mail.com
para falarem com a autora ou com o editor.
Preparamo-nos durante horas, fazendo sacos e saquinhos para dois dias fora de casa com uma caçada pelo meio. Caçada a perdizes inocentes que se vêem envolvidas sem quererem num combate desigual. Escrevi imenso durante anos sobre o meu desgosto de caçadas. Não é esse o meu propósito hoje.
Na realidade, fui com gosto, como acompanhante, para rever amigos e para passear por terras, para mim, não muito conhecidas.
Voltando um pouco atrás… Enchemos o carro com bagagem sem fim. Começámos bem cedo, porque queríamos chegar com dia. Pusemos o cinto logo, ao contrário do costume, mas tudo devia estar dentro das regras para que corresse pelo melhor no melhor dos mundos.
E quando ele rodou a chave da ignição, o carro fez um estranho ruído.
“Que esquisito”, diz, “já ontem à noite, depois que meti gasolina, fez um ruído semelhante.”
“GASOLINA! Será que meti gasolina em vez de gasóleo?! “
O motor continuou a fazer um barulho cada vez mais duro.
Tinha sido isso mesmo.
Foi um desmoronar… um desacreditar... Tinham sido 51 litros: gasolina de mais para um motor não preparado.
- Como vamos fazer? O que acontece...? O que pode acontecer? pergunto eu.
“Não anda!”, responde ele. “Não funciona enquanto lhe não tirar o combustível errado.”
- Que complicado e que demorado. Então vamos no meu, abandonamos este.
Tivemos que retirar do carro toda a tralha ali colocada criteriosamente na mala pequena e nos bancos de trás e por baixo dos bancos (não imaginam a quantidade de utensílios necessária para uma caçada). Estivemos uma hora naquela mudança, inquietando-se ele excessivamente em descobrir por que razão tinha feito aquilo. Nunca se perdoaria uma falha destas, nunca.
Começámos a viagem desmoralizados, mas decidimos, ainda antes de chegar à Ponte, contar-nos umas anedotas bem divertidas, e rir como bom remédio – o que funcionou.
Chegámos ao fim da tarde e fomos recebidos pelos amigos de lareira acesa e copo de vinho branco fresco ou tinto mais caloroso. Muito aconchegados naquele calor, quase esquecemos o incidente.
Para o jantar, estava preparada uma surpresa: as senhoras foram convidadas a ficar numa mesa redonda, um degrau acima do nível normal da maior parte do pavimento do chão. E os homens... a ficar numa grande mesa rectangular na mesma sala um degráu abaixo.
Eu apenas perguntei - por quê? A resposta não foi satisfatória e eu continuei a interrogar o anfitrião amavelmente responsável.
Na verdade, todos sabiam por quê. Eles queriam discutir política, situação financeira, corrupção em termos sérios e nada amáveis, de modo que entenderam muito bem que as mulheres, se bem que muito interessadas, não estavam dispostas a estragar o convívio e o jantar com temas e termos corrosivos.
Elas têm uma sabedoria que eles não atingem!
Talvez nunca venham a saber o que perderam. Divertimo-nos todo o tempo com histórias engraçadíssimas, rimo-nos em abertas gargalhadas enquanto eles sorumbáticos continuaram a discutir sem qualquer resultado os seus temas predilectos, aparentemente, muito masculinos.
Fui ao Museu de Serralves ver a exposição retrospectiva de Juan Munoz.
Em muitas salas fiquei amarfanhada com tanta tristeza e tamanha solidão, mas não na sala central onde um grande grupo conversa e se diverte. São figuras encenadas que sugerem situações reais. De muito longe, tive a ilusão de que eram pessoas a conversar, todas de cinzento com iguais traços sorridentes. Estavam muito entretidas umas com as outras e eu não estava ali para nada.
The Wasteland é uma grande instalação, para mim muito original, com uma triste e pequena figura, ligeiramente desproporcionada, sentada numa prateleira fixada na parede, de pernas penduradas, a olhar um mundo que é um pavimento feito como de azulejos, de padrão repetitivo, que eu pisei a medo ao querer aproximar-me da figura solitária ao fundo. Não sei se queria saber o que ela tinha para me dizer. Ou se receava que ela não tivesse nada para me dizer.
E há a figura ao espelho que talvez espreite para dentro de si própria, e que é surpreendente. Estive alguns minutos a espreitar também e a não compreender. E vi o reflexo do jardim e o da sala e o da figura e o meu. Bastava que me deslocasse um pouco para um lado ou para o outro e tudo era diferente, e tão diferente.
Há um outro trabalho em que duas figuras com máscara estão na frente do espelho. Por que razão estão mascaradas? Diferentemente do outro trabalho, neste não é possível ver qualquer reflexo no espelho. Não nos vemos.
Há figuras com base arredondada em vez de pernas e pés, e por isso não se movimentam nem parecem ver nem ouvir: têm teias nos olhos e encostam a orelha à parede para escutar, sem resultado. São figuras patéticas e comoventes.
E muitos outros trabalhos merecem atenção e reflexão. Vou voltar e ler alguma coisa dos entendidos sobre esta extraordinária exposição.
Gostava de saber opiniões vossas. Querem dizer-me?
São tão bonitos e venenosos, estes habitantes do sous-bois, que não tenho palavras para falar deles. Deixo, por isso, imagens esclarecedoras, se bem que...
Bom, quero pedir-lhes que não reparem na qualidade técnica das fotografias, mas apenas na beleza perversa dos cogumelos. E dos versos camoneanos. Para que tenham cuidado!
"Quanto incerta esperança, quanto engano!
´Quanto viver de falsos pensamentos."
"Amor é brando, é doce, e é piedoso,
Quem o contrário diz não seja crido."
"Mas se meu coração tivera antolhos,
Não vira em vós seu dano e mal funesto."
"Que o monte, o campo, o rio e a floresta
Se estão de vós, Senhora, namorando."
"Qual daquelas três flores tomaria
Por mais suave, pura e mais fermosa"?
"Ah! quem de sonho tal nunca acordara,
Pois havia de ver tal desengano!"
"E se pera perder já a vida é tarde,
A morte não fará que vos não queira."
"Como quem vê por sonhos um tesouro,
Parece tenho tudo aqui presente."
(Luís de Camões, Lírica, sonetos)
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