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Sobre o desconcerto do Mundo

por Zilda Cardoso, em 30.10.08

 

 

 

Quem pode ser no mundo tão quieto,

Ou quem terá tão livre o pensamento,

Quem tão experimentado e tão discreto,

Tão fora, enfim, de humano entendimento

Que, ou com público efeito, ou com secreto,

Lhe não revolva e espante o sentimento,

Deixando-lhe o juízo quase incerto,

Ver e notar do mundo o desconcerto?

 

 

Quem há que veja aquele que vivia,

de latrocínios, mortes e adultérios,

Que aos juízos das gentes merecia

Perpétua pena, imensos vitupérios,

Se a Fortuna em contrário o leva e guia,

Mostrando, enfim, que tudo são mistérios,

Em alteza de estados triunfante,

Que, por livre que seja, não se espante?

 

 

LUÍS DE CAMÕES,      Lírica

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publicado às 19:27

A minha amiga

por Zilda Cardoso, em 30.10.08

 

Encontrei-me ontem com uma das mulheres da minha geração (bom, bastante mais nova) que mais admiro, para um pequeno café na esplanada da beira-mar. Estava um vento agreste, mas nós estivemos confortadas pela presença uma da outra.
 
Ela é uma mulher linda e elegante, com ar dinâmico e sorridente.
Nasceu na Hungria numa família aristocrática que decidiu emigrar para o Brasil no momento de escapar à invasão comunista. Tive ocasião de ler as extraordinárias memórias da sua mãe desse período que muito mereciam ser publicadas, um dia.
 
No Brasil, a família começou com dificuldade uma vida nova. Seu pai, médico no país natal com um estatuto confortável, recomeçou em S. Paulo a partir de zero quanto a clientes e a amigos.
As filhas foram internadas num excelente colégio de freiras que lhes deram graciosamente uma educação primorosa (compensando ajudas dos seus pais, ainda na Hungria, a freiras fugidas dos invasores).
 A minha amiga começou a trabalhar cedo para um decorador de renome e cedo também casou e voltou à Europa, a Portugal, para constituir família. Sua mãe orgulhava-se de que, apesar de todas as dificuldades, as suas filhas casaram com homens de boa condição social e de famílias antigas e tradicionais onde puderam fazer uma vida semelhante à que teriam na sua terra se nunca tivessem de lá saído.
Quando o seu marido esteve preso por razões políticas, a minha amiga tomou as rédeas do poder na sua casa, voltou ao trabalho, pintou bonecos e fez retratos, empenhou-se em decoração e em design para têxteis. Tratou com sucesso da sua casa e dos seus filhos, que na ocasião eram quatro, (nasceram depois mais dois) e sentiu-se realizada e importante.
Conheci-a nesse período e ela era uma mulher luminosa, extremamente atraente, segura de si e feliz.
 
No momento do nosso encontro à beira-mar, senti-a muito frágil: queria desejar que voltasse a si, a si, pois é a mesma que soube vencer dificuldades, e não teve receio do sucesso que desejou e para que trabalhou.
 

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publicado às 11:55

Bancos e Banqueiros

por Zilda Cardoso, em 29.10.08

 

Posso bem imaginar que sempre houve quem gostasse de poupar e de acumular as suas poupanças para possíveis necessidades futuras; e quem gostasse de gastar sem pensar em aforro e em futuro e, em certo momento, tivesse que pedir emprestado para poder ter o de que necessita absolutamente, ou seja, bens de primeira necessidade (um pouco como a cigarra e a formiga); e ainda quem gostasse de empreender de modo a necessitar de mais dinheiro do que o que possuia, não para satisfazer necessidades primárias mas para aumentar os s/ bens, diremos supérfluos, de modo a assegurar para si e para os seus um futuro pelo menos tão bom como o presente.
Emprestar a um amigo com reais e urgentes necessidades, é um serviço que é prestado ao amigo – tudo pode ter começado por aqui. Tem o seu risco, por vezes um grande risco – como se pode saber o que acontecerá ao amigo até ter possibilidade de devolver o empréstimo?
Com a frequência dos pedidos de empréstimos, o risco aumenta – estará o emprestador a arriscar-se a ficar mais necessitado do que aquele que pediu emprestado?
Quem abona com frequência, começa a pensar em cobrar uma certa quantia que cubra em parte o risco que corre, e em fazer dessa actividade um trabalho, um comércio.
O comércio vive do lucro, da margem de lucro – o comerciante compra e vende os mesmos produtos, faz disso a sua actividade, a sua vida, o seu ganho.
Os comerciantes instalam-se nas cidades e surge uma classe que se torna importante – a classe burguesa – de empreendedores e de emprestadores.
Não quero falar na classe burguesa – o que podia eu acrescentar?
Porém, nos emprestadores de dinheiro que podem ou não ter-se transformado em usurários, agiotas judeus ou não-judeus ou em banqueiros, gostaria de dizer mais algumas palavras.
Os banqueiros começaram a receber dinheiro para depósito de quem confiava neles e queria ter as suas poupanças em segurança; a pagarem juros aos depositantes; e a emprestar esse dinheiro aos que precisavam dele, cobrando juros naturalmente mais altos do que pagavam aos seus depositantes.
Com o desenvolvimento económico que esta actividade proporcionou, ela cresceu de importância de maneira que já não é possível viver nesta sociedade sem actividade comercial bancária que é também de serviços como me parece que é qualquer outra actividade comercial.
Todavia esta tornou-se de tal modo importante que os banqueiros se converteram em pessoas influentes e os bancos em instituições financeiras indispensáveis, de grande poder, prestígio e autoridade: passaram a emprestar dinheiro para grandes empresas comerciais e industriais e, mesmo a nível nacional, para os grandes empreendimentos dos governos que incluem guerras e provavelmente idas à Lua e passeios no espaço. Com o evoluir constante das sociedades modernas, sociedades comerciais e de concorrência, em que a procura do lucro é uma questão de sobrevivência, teve que ser usada muita imaginação para forjar novas formas de interessar os clientes.
Foram inventados produtos financeiros extremamente sofisticados e estes tornaram delicada a actual explicação dos processos usados. São, na verdade, processos complexos mas a finalidade das operações financeiras bancárias é a mesma que era no tempo em que os que emprestavam dinheiro se sentavam no seu banco nas feiras (isto pode ser imaginação minha:”não precisa acreditar em tudo”) e punham à disposição dos clientes as suas poupanças ou o que recebiam de depósitos.
Por essa razão, o empolamento dado ao tema e as explicações que todos os dias nos são dadas, muitas e diferentes e mesmo antagónicas, prestam-se não à compreensão do que se passa mas a grande confusão.

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publicado às 20:45

Lição de Astronomia

por Zilda Cardoso, em 27.10.08

 

 

Vale a pena perdermos tempo com coisas sérias e problemáticas, porque na realidade não perdemos mas ganhámos tempo. Essa foi uma das razões porque me inscrevi num mini curso de Astronomia.

Em relação ao Universo que já conhecemos, somos, é claro, muito mais pequenos do que formigas em relação a nós. Porém, o facto de podermos compreender ou querermos compreender o que se passa à nossa volta a um certo nível e não nos preocuparmos apenas com o desenvolvimento económico como acontece com as formigas… diz alguma coisa das nossas (humanas) qualidades intelectuais e espirituais. E gostamos de pensar que isso não acontece com as nossas amigas pequenas e gulosas. Ao certo, não sabemos.

Estamos rodeados de mistérios, mas os mistérios é que merecem o esforço de nos envolvermos. Talvez consigamos abrir os olhos no escuro e, depois de habituados à opacidade, passarmos a distinguir alguma coisa que não víamos antes.

Acontece que as próprias unidades que vamos inventando para medir os enigmas quando julgamos estar a penetrá-los são incompreensíveis para a nossa mentalidade do dia-a-dia. Os interesses da maioria de nós por conhecimentos profundos são tão limitados que quando objectos como estrelas que no entanto estão connosco todos os dias e são bem visíveis, quando queremos entendê-los,  a que distância se encontram, de que matéria são constituídos e desde quando existem e como se formaram… não somos capazes, ou nos é muito penoso.

Parece pura e intrincada imaginação e não ciência.

Ao querer compreender o que se passa no domínio das finanças, tenho a mesma sensação de extrema dificuldade. Quando julgo começar a entender, surge uma nova explicação que torna tudo mais complexo e insondável.

Tenho a sensação de que o nosso planeta se tornou um gigantesco casino com uma roleta que ocupa todo o espaço que temos.

Precisamos de aplicar, como a moderna Astronomia, que não é como na antiguidade uma ciência exclusivamente de observação, mas usa “técnicas na aquisição e no processamento dos dados e no desenvolvimento de modelos teórico-computacionais”, precisamos de aplicar intensivamente computação para interpretar essas grandes quantidades de dados resultantes da observação.

Temos necessidade de inventar telescópios gigantes e conjuntos de telescópios que deverão estar situados na América, em Wall Street talvez - à superfície ou em aviões de grande altitude, em balões, em satélites ou em corpos que naveguem por baixo da terra  - para observar o desenrolar dos processos financeiros e fazer-lhes as mesmas perguntas que fazemos aos objectos astronómicos. Cada telescópio pode registar objectos 4.000.000.000 de vezes mais ténues do que as estrelas que distinguimos a olho nu.

E por isso, talvez com um deles para observação e ajudados por técnicas sofisticadas de interpretação e ainda em combinação com diversas disciplinas como a Filosofia, a Matemática, a Psicologia, possamos entender o que se passa no nosso mundo a nível financeiro.

 

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publicado às 12:35

O PIANISTA

por Zilda Cardoso, em 25.10.08

 

Sabia que ia encontrar a minha amiga Laurinda Alves na Casa da Música, esse objecto de provocação ou como lhe chamou alguém ícone-coqueluche da cidade do Porto. Mas não encontrei.

No entanto, ela esteve lá, no mesmo tempo: a sua crónica de ontem no Público confirma-o.

Posso dizer então que ouvimos ambas com igual prazer a interpretação do pianista Nicolai Lugansky de  peças de Liszt e de Chopin que me pareceram a mim, totalmente ignorante de técnicas, originais, tocadas com inteligência, sensibilidade e um conhecimento profundo das obras.  A energia e convicção que põe na sua interpretação e que acrescenta à composição é outra música que não pode ser nunca background de nenhum acontecimento importante, porque ela é o acontecimento importante e está por direito e naturalmente no centro do palco. Como protagonista absoluta.

Foi a coisa mais importante deste mundo durante o tempo em que existiu no ar por vontade de Nicolai.

Ouvi um diálogo na plateia: “Gostáste?” dizia um. “Não sei”, respondia outro, “parece que lhe falta qualquer coisa!”

Quanto a mim, não lhe falta nada – tem um talento enorme, uma memória espantosa, uma simplicidade que muito aprecio: não o vi fazer gestos teatrais e dramáticos para impressionar; revelou  enorme capacidade de trabalho e igual desejo de agradar.

Durante duas horas, a música escolhida fluiu dos seus dedos por milagre; houve muitas chamadas ao palco, aplausos de pé de toda a assistência, e três extras. Apenas assisti a dois, saí a correr e cheguei à rua sem pousar os pés no chão (tudo o que se não deve fazer ou que se deve fazer naquela Casa).

Eu estava fascinada e exausta – tinha-me obrigado a uma severa disciplina de atenção na tentativa de entendimento do seu estilo de interpretação que comparei com a forma tradicional de outros artistas.

Porém, cheia de pena do jovem pianista a quem já me ligava uma afecto tremendo, ele sim com razão para se sentir fatigado, não quis colaborar no massacre (claro que sei que se não descobriu outra forma de mostrar apreço e que isso é importante para o seu sucesso). Apesar de todo o esforço e de toda a emoção, ele estava ainda a querer ser gentil e a tocar mais e mais para um público disposto a ficar ali toda a noite.

Eu... tinha ouvido o suficiente.

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publicado às 15:16

Arte Decorativa

por Zilda Cardoso, em 23.10.08

Há sempre um grande interesse por arranjos de flores e por decoração.

 

 


 

 

 

A professora, Srª D.Rosa Maria Azevedo Queirós, com uma paciência notável faz o arranjo com flores que não estão ainda secas mas vão secar; e vai explicando como se compõem.

É uma forma de aproveitar os desperdícios, coisa muito importante neste momento. Nada se deita fora.

"Aproveitem!" diz ela, "aproveitam tudo o que têm em casa. Possivelmente, não é necessário comprar  seja o que for para construir objectos decorativos como este. É só a paciência de ir pelo jardim e apanhar o que caiu das árvores e dos arbustos e está já meio seco."

O entusiasmo do grupo feminino que assiste é muito grande, falam todas ao mesmo tempo, relatam as suas  experiências, sentam-se, levantam-se... não ouvem metade do que a professora diz.

E ela fala sobre técnicas - de como conservar, de como limpar, de como abrilhantar, de como colar... Ficamos a saber equilibrar matizes e intensidades e como ordenar vários objectos num espaço tão limitado. A composição normalmente não é simétrica, não há um elemento que se queira distinguir em relação a outros.

  

 

 

A maior parte das assistentes tem muito mais do que 50 anos, mas dir-se-iam… miúdas da escola. Ela tem que chamar a atenção com frequência, bater palmas, dizer shiu, shiu com ar confidente...

Fez três arranjos muito interessantes em taças baratas de material transparente que semelhava cristal e que podem ser feitos em qualquer suporte. Decidiu sorteá-las e, claro, foi outro alvoroço.

O de cima é um deles, intensamente colorido.

 

 

Aqui está outro, com pequena gama de cores pouco intensas, e uma nítida influência da arte floral japonesa, despojada e sofisticada.

(Tenho que pedir ao meu neto, o que acabou de nascer, para clicar nuns botões da máquina fotográfica...que ele sabe...)

 

 

 

 

 

Este, muito elaborado, está quase irreconhecível no meio da azáfama do atelier de pintura.

Há aqui tonalidades variadas e intensas e também matizes delicados.

Prometo da próxima vez, colocar a obra na frente de um painel liso e neutro para que as subtilezas da cor se notem.

 

 

 

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publicado às 21:44

A evidência do dia-a-dia

por Zilda Cardoso, em 21.10.08

(fotos de A. Lima)

 

Esta é a bonita casa perto do Castelo do Queijo, no Porto, que ainda no ano 2000 estava situada à direita da estrada que leva do Porto a Matosinhos pela beira-mar e agora está na praia, perto do Edifício Transparente, totalmente à esquerda de quem vai na mesma direcção.

 

 

 

 

Vejam o estado de ruína a que chegou.

 

 

 

 

 

 

Que imagens desoladoras!

Mas há mais que me levam a interrogar: sendo a alegria uma iguaria inesquecível, o que é a tristeza?

Não importa.

Importa o que podemos fazer para pôr em evidência este edifício que se arruina todos os dias, aqui, junto a nós, na cidade, à beira do mar.

Assisti a uma primeira aula de Astronomia com a Prof. Teresa Lago e fiquei fascinada com a grandeza e a beleza e a organização do Universo a que pertencemos. Fiquei com uma impressão de vastidão... como se não soubesse... Esta impressão deve pairar sobre os nossos pensamentos, sobre as nossas decisões.

Isto de que falo hoje é apenas o mundo pequenino que está ao nosso alcance para  facilmente  ser cuidado.

 

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publicado às 16:27

NÃO VOLTAREI

por Zilda Cardoso, em 21.10.08

 

 

 
O arbusto branco cortado…
Arrancadas as flores que semeei…
Os doces malmequeres malbaratados…
 
choro...choro o jardim que perdi...
 
Desenrolado na minha frente
nunca mais verei o seu esplendor
virado a nascente
 
onde passei horas de encontro e alvoroço
ou trabalhando vivamente.
 
Ali regressei cada manhã de Verão
confiante nas promessas do jasmim
no seu perfume
nos cantos apaixonados
na suavidade das brisas que vagueiam.
 
Não ouvirei mais o apelo daquele então.
Não voltarei.
 
 006
 

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publicado às 12:54

Time to say goodbye

por Zilda Cardoso, em 19.10.08

Lewis Carroll nas suas cartas às Meninas escreve entre parêntesis - Atenção: isto não corresponde exactamente à verdade, por isso, não precisa acreditar em todos os detalhes.

"Se você acreditar em tudo, começa a fatigar os seus músculos-do-acreditar, e depois fica tão cansada que não é capaz de acreditar nas verdades mais simples".

"... um amigo meu começou a acreditar no João-Assassino-Gigante. Conseguiu, mas ficou tão exausto que, quando eu lhe disse que estava a chover, ele não foi capaz de acreditar, e saiu para a rua sem chapéu e sem guarda-chuva: ficou com o cabelo tão molhado..."

Ele está a falar ou a escrever para crianças, escreve de maneira que elas possam entender. Há uma simplicidade de pensamento intencional mas também desejada e natural em alguém que é professor de lógica e de matemática, tem o hábito de pensar de forma directamente adequada à finalidade, e procura,  com graça e usando muito a imaginação,  fazer sorrir. Sorrir também pela novidade e pelo absurdo das suas descobertas. E, por isso, interessar aqueles a quem se dirige.

É sem dúvida um grande escritor: não há nada mais difícil de conquistar do que a simplicidade.

Em Agustina a escrita é densa e labiríntica, por vezes, estranha, mas sempre de grande beleza. O barroco nela nada tem a ver com sobrecarga decorativa, com acumulação de ornamentos para criar certos efeitos e ilusões como na pintura. A sua linguagem é barroca porque é brilhante e colorida, porque há nela uma maravilhosa agitação, e uma riqueza de composição, de vocabulário e sobretudo de pensamento.

Que é elaborado e refinado - nunca há,  no seu pensamento ou na sua escrita, o que seja verdadeiramente simples.

O simples, se há um simples, é ampliado e sublima-se; e há um mistério na sua natureza – só desse modo, vale a pena reflectir sobre ele. Ela procura significações, razões, motivos: nada escapa à sua reflexão.

 

E há em Agustina a ironia que é qualquer coisa que vale a pena estudar. “A ironia é a consciência da revelação pela qual o absoluto, num momento fugidio, se realiza e se destrói”...

Não compreendo isto que afirma Jankelevitch a propósito de ironia e de obra de arte, mas calculo que não haja desta ironia na obra de L. Carroll.

 

Assim eu volto”, diz Agustina no fim da sua Viagem, “não de acordo, não afeita à simpatia, não destinada às coisas resolvidas, não quase igual a quem quer que seja, não portadora de boas novas. Se há uma crise, é de incorruptíveis, se há uma decadência, é de criaturas que não convertam a comunicação numa burocracia; se há uma moléstia, é a de fazer da própria paz um sectarismo. Aqui está o primeiro vinho, claro e vermelho, de gotas frias escorrendo no barro. Bebo pelos embaixadores, os que inventam o outro lado do horizonte, os que seguem incansavelmente, nos jardins de Mecenas, os passos dum tirano distraído. Se quiserdes, bebei também.”

 

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publicado às 18:29

Em Moledo, com Agustina

por Zilda Cardoso, em 18.10.08

 

No jogo tradicional da malha, Alberto Luís foi um dos melhores. De resto, todos os intervenientes se empenhavam a fundo no jogo, assim como... se disso dependesse a sua vida.
Na Casa da Eira em Moledo no Verão, preparámos durante muitos anos, torneios de malha com disputa de taças e medalhas. Era uma organização complexa porque havia muitos interessados em jogar e, como cada equipa é formada apenas por 4 jogadores, havia diversas fases e eliminatórias, meias-finais, finais, e organizadores e participantes passavam toda a tarde naquilo. Havia campeões e excelentes jogadores e também os que não conseguiam deitar abaixo o meco por nada deste mundo. Esses sentiam uma terrível frustração, mas no ano seguinte, lá estavam no grande campeonato, acreditando que se os outros conquistavam, eles também haviam de conseguir. Nenhum acreditava em vocações.
Mas Alberto Luís tinha vocação para a malha, o que não era de todo esperado numa pessoa tão prudente, tão distinta, tão bem educada.
Acho que Agustina também apreciava observá-lo no gesto elegante de atirar o disco metálico e não sei se lhe importava que ele ganhasse ou não. O gesto do jogador/atirador não é parecido com o do discóbolo apenas porque não se faz necessário que a malha ou disco vá tão longe, mas… aproxima-se (digamos, com muito boa vontade).
Sempre admirei o discóbolo que nada tem a ver com os actuais atletas lançadores do disco.
Não têm nada a ver… em sedução, em brilho, em graça, em equilíbrio. Claro que me estou a referir a uma belíssima estátua de mármore, cópia romana de uma grega de bronze que representa “o estilo clássico em plena maturidade”. Adoro até a mais pequena minudência desta obra ou deste atleta que pude admirar em Roma, no Museo delle Terme.
As senhoras sentavam-se com toda a simplicidade em volta de uma mesa perto dos jogos e, Agustina, sempre com enorme curiosidade, escutava as minhas invenções de sumos e refrescos improvisados com frutas das árvores do quintal – frutas maltratadas, feias como tudo, mas muito sumarentas. E outras conversas por igual interessantes.
Sorridente e integrada no ambiente sofisticadamente rural e provinciano, dava-nos a impressão ou a ilusão de que se divertia. E nós ficávamos com a sensação de estar no Olimpo a tratar os deuses por tu.
Não há nada melhor para evocar o espírito desse lugar nessa época com aquelas pessoas do que uma jovial citação de Lewis Carrol. Mas não vou dizê-la.
De Agustina, de Um cão que sonha, digo: “É preciso que aconteçam muitas coisas sem estridência para que se complete o ciclo duma época…”
 

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publicado às 11:11

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