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Quem pode ser no mundo tão quieto,
Ou quem terá tão livre o pensamento,
Quem tão experimentado e tão discreto,
Tão fora, enfim, de humano entendimento
Que, ou com público efeito, ou com secreto,
Lhe não revolva e espante o sentimento,
Deixando-lhe o juízo quase incerto,
Ver e notar do mundo o desconcerto?
Quem há que veja aquele que vivia,
de latrocínios, mortes e adultérios,
Que aos juízos das gentes merecia
Perpétua pena, imensos vitupérios,
Se a Fortuna em contrário o leva e guia,
Mostrando, enfim, que tudo são mistérios,
Em alteza de estados triunfante,
Que, por livre que seja, não se espante?
LUÍS DE CAMÕES, Lírica
Vale a pena perdermos tempo com coisas sérias e problemáticas, porque na realidade não perdemos mas ganhámos tempo. Essa foi uma das razões porque me inscrevi num mini curso de Astronomia.
Em relação ao Universo que já conhecemos, somos, é claro, muito mais pequenos do que formigas em relação a nós. Porém, o facto de podermos compreender ou querermos compreender o que se passa à nossa volta a um certo nível e não nos preocuparmos apenas com o desenvolvimento económico como acontece com as formigas… diz alguma coisa das nossas (humanas) qualidades intelectuais e espirituais. E gostamos de pensar que isso não acontece com as nossas amigas pequenas e gulosas. Ao certo, não sabemos.
Estamos rodeados de mistérios, mas os mistérios é que merecem o esforço de nos envolvermos. Talvez consigamos abrir os olhos no escuro e, depois de habituados à opacidade, passarmos a distinguir alguma coisa que não víamos antes.
Acontece que as próprias unidades que vamos inventando para medir os enigmas quando julgamos estar a penetrá-los são incompreensíveis para a nossa mentalidade do dia-a-dia. Os interesses da maioria de nós por conhecimentos profundos são tão limitados que quando objectos como estrelas que no entanto estão connosco todos os dias e são bem visíveis, quando queremos entendê-los, a que distância se encontram, de que matéria são constituídos e desde quando existem e como se formaram… não somos capazes, ou nos é muito penoso.
Parece pura e intrincada imaginação e não ciência.
Ao querer compreender o que se passa no domínio das finanças, tenho a mesma sensação de extrema dificuldade. Quando julgo começar a entender, surge uma nova explicação que torna tudo mais complexo e insondável.
Tenho a sensação de que o nosso planeta se tornou um gigantesco casino com uma roleta que ocupa todo o espaço que temos.
Precisamos de aplicar, como a moderna Astronomia, que não é como na antiguidade uma ciência exclusivamente de observação, mas usa “técnicas na aquisição e no processamento dos dados e no desenvolvimento de modelos teórico-computacionais”, precisamos de aplicar intensivamente computação para interpretar essas grandes quantidades de dados resultantes da observação.
Temos necessidade de inventar telescópios gigantes e conjuntos de telescópios que deverão estar situados na América, em Wall Street talvez - à superfície ou em aviões de grande altitude, em balões, em satélites ou em corpos que naveguem por baixo da terra - para observar o desenrolar dos processos financeiros e fazer-lhes as mesmas perguntas que fazemos aos objectos astronómicos. Cada telescópio pode registar objectos 4.000.000.000 de vezes mais ténues do que as estrelas que distinguimos a olho nu.
E por isso, talvez com um deles para observação e ajudados por técnicas sofisticadas de interpretação e ainda em combinação com diversas disciplinas como a Filosofia, a Matemática, a Psicologia, possamos entender o que se passa no nosso mundo a nível financeiro.
Sabia que ia encontrar a minha amiga Laurinda Alves na Casa da Música, esse objecto de provocação ou como lhe chamou alguém ícone-coqueluche da cidade do Porto. Mas não encontrei.
No entanto, ela esteve lá, no mesmo tempo: a sua crónica de ontem no Público confirma-o.
Posso dizer então que ouvimos ambas com igual prazer a interpretação do pianista Nicolai Lugansky de peças de Liszt e de Chopin que me pareceram a mim, totalmente ignorante de técnicas, originais, tocadas com inteligência, sensibilidade e um conhecimento profundo das obras. A energia e convicção que põe na sua interpretação e que acrescenta à composição é outra música que não pode ser nunca background de nenhum acontecimento importante, porque ela é o acontecimento importante e está por direito e naturalmente no centro do palco. Como protagonista absoluta.
Foi a coisa mais importante deste mundo durante o tempo em que existiu no ar por vontade de Nicolai.
Ouvi um diálogo na plateia: “Gostáste?” dizia um. “Não sei”, respondia outro, “parece que lhe falta qualquer coisa!”
Quanto a mim, não lhe falta nada – tem um talento enorme, uma memória espantosa, uma simplicidade que muito aprecio: não o vi fazer gestos teatrais e dramáticos para impressionar; revelou enorme capacidade de trabalho e igual desejo de agradar.
Durante duas horas, a música escolhida fluiu dos seus dedos por milagre; houve muitas chamadas ao palco, aplausos de pé de toda a assistência, e três extras. Apenas assisti a dois, saí a correr e cheguei à rua sem pousar os pés no chão (tudo o que se não deve fazer ou que se deve fazer naquela Casa).
Eu estava fascinada e exausta – tinha-me obrigado a uma severa disciplina de atenção na tentativa de entendimento do seu estilo de interpretação que comparei com a forma tradicional de outros artistas.
Porém, cheia de pena do jovem pianista a quem já me ligava uma afecto tremendo, ele sim com razão para se sentir fatigado, não quis colaborar no massacre (claro que sei que se não descobriu outra forma de mostrar apreço e que isso é importante para o seu sucesso). Apesar de todo o esforço e de toda a emoção, ele estava ainda a querer ser gentil e a tocar mais e mais para um público disposto a ficar ali toda a noite.
Eu... tinha ouvido o suficiente.
Há sempre um grande interesse por arranjos de flores e por decoração.
A professora, Srª D.Rosa Maria Azevedo Queirós, com uma paciência notável faz o arranjo com flores que não estão ainda secas mas vão secar; e vai explicando como se compõem.
É uma forma de aproveitar os desperdícios, coisa muito importante neste momento. Nada se deita fora.
"Aproveitem!" diz ela, "aproveitam tudo o que têm em casa. Possivelmente, não é necessário comprar seja o que for para construir objectos decorativos como este. É só a paciência de ir pelo jardim e apanhar o que caiu das árvores e dos arbustos e está já meio seco."
O entusiasmo do grupo feminino que assiste é muito grande, falam todas ao mesmo tempo, relatam as suas experiências, sentam-se, levantam-se... não ouvem metade do que a professora diz.
E ela fala sobre técnicas - de como conservar, de como limpar, de como abrilhantar, de como colar... Ficamos a saber equilibrar matizes e intensidades e como ordenar vários objectos num espaço tão limitado. A composição normalmente não é simétrica, não há um elemento que se queira distinguir em relação a outros.
A maior parte das assistentes tem muito mais do que 50 anos, mas dir-se-iam… miúdas da escola. Ela tem que chamar a atenção com frequência, bater palmas, dizer shiu, shiu com ar confidente...
Fez três arranjos muito interessantes em taças baratas de material transparente que semelhava cristal e que podem ser feitos em qualquer suporte. Decidiu sorteá-las e, claro, foi outro alvoroço.
O de cima é um deles, intensamente colorido.
Aqui está outro, com pequena gama de cores pouco intensas, e uma nítida influência da arte floral japonesa, despojada e sofisticada.
(Tenho que pedir ao meu neto, o que acabou de nascer, para clicar nuns botões da máquina fotográfica...que ele sabe...)
Este, muito elaborado, está quase irreconhecível no meio da azáfama do atelier de pintura.
Há aqui tonalidades variadas e intensas e também matizes delicados.
Prometo da próxima vez, colocar a obra na frente de um painel liso e neutro para que as subtilezas da cor se notem.
(fotos de A. Lima)
Esta é a bonita casa perto do Castelo do Queijo, no Porto, que ainda no ano 2000 estava situada à direita da estrada que leva do Porto a Matosinhos pela beira-mar e agora está na praia, perto do Edifício Transparente, totalmente à esquerda de quem vai na mesma direcção.
Vejam o estado de ruína a que chegou.
Que imagens desoladoras!
Mas há mais que me levam a interrogar: sendo a alegria uma iguaria inesquecível, o que é a tristeza?
Não importa.
Importa o que podemos fazer para pôr em evidência este edifício que se arruina todos os dias, aqui, junto a nós, na cidade, à beira do mar.
Assisti a uma primeira aula de Astronomia com a Prof. Teresa Lago e fiquei fascinada com a grandeza e a beleza e a organização do Universo a que pertencemos. Fiquei com uma impressão de vastidão... como se não soubesse... Esta impressão deve pairar sobre os nossos pensamentos, sobre as nossas decisões.
Isto de que falo hoje é apenas o mundo pequenino que está ao nosso alcance para facilmente ser cuidado.
Lewis Carroll nas suas cartas às Meninas escreve entre parêntesis - Atenção: isto não corresponde exactamente à verdade, por isso, não precisa acreditar em todos os detalhes.
"Se você acreditar em tudo, começa a fatigar os seus músculos-do-acreditar, e depois fica tão cansada que não é capaz de acreditar nas verdades mais simples".
"... um amigo meu começou a acreditar no João-Assassino-Gigante. Conseguiu, mas ficou tão exausto que, quando eu lhe disse que estava a chover, ele não foi capaz de acreditar, e saiu para a rua sem chapéu e sem guarda-chuva: ficou com o cabelo tão molhado..."
Ele está a falar ou a escrever para crianças, escreve de maneira que elas possam entender. Há uma simplicidade de pensamento intencional mas também desejada e natural em alguém que é professor de lógica e de matemática, tem o hábito de pensar de forma directamente adequada à finalidade, e procura, com graça e usando muito a imaginação, fazer sorrir. Sorrir também pela novidade e pelo absurdo das suas descobertas. E, por isso, interessar aqueles a quem se dirige.
É sem dúvida um grande escritor: não há nada mais difícil de conquistar do que a simplicidade.
Em Agustina a escrita é densa e labiríntica, por vezes, estranha, mas sempre de grande beleza. O barroco nela nada tem a ver com sobrecarga decorativa, com acumulação de ornamentos para criar certos efeitos e ilusões como na pintura. A sua linguagem é barroca porque é brilhante e colorida, porque há nela uma maravilhosa agitação, e uma riqueza de composição, de vocabulário e sobretudo de pensamento.
Que é elaborado e refinado - nunca há, no seu pensamento ou na sua escrita, o que seja verdadeiramente simples.
O simples, se há um simples, é ampliado e sublima-se; e há um mistério na sua natureza – só desse modo, vale a pena reflectir sobre ele. Ela procura significações, razões, motivos: nada escapa à sua reflexão.
E há em Agustina a ironia que é qualquer coisa que vale a pena estudar. “A ironia é a consciência da revelação pela qual o absoluto, num momento fugidio, se realiza e se destrói”...
Não compreendo isto que afirma Jankelevitch a propósito de ironia e de obra de arte, mas calculo que não haja desta ironia na obra de L. Carroll.
“Assim eu volto”, diz Agustina no fim da sua Viagem, “não de acordo, não afeita à simpatia, não destinada às coisas resolvidas, não quase igual a quem quer que seja, não portadora de boas novas. Se há uma crise, é de incorruptíveis, se há uma decadência, é de criaturas que não convertam a comunicação numa burocracia; se há uma moléstia, é a de fazer da própria paz um sectarismo. Aqui está o primeiro vinho, claro e vermelho, de gotas frias escorrendo no barro. Bebo pelos embaixadores, os que inventam o outro lado do horizonte, os que seguem incansavelmente, nos jardins de Mecenas, os passos dum tirano distraído. Se quiserdes, bebei também.”
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