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É um prodígio ardente o que neste momento desaparece apressadamente no horizonte, na água, melhor dizendo. Em frente a mim.
Sei que não vou ter tempo de preparar a máquina fotográfica, mas vou tentar.
Sem êxito! Quando bato a chapa, ele já mergulhou.
Digo, mergulhou, e fico preocupada.
Quero voltar a vê-lo, mas receio já não ter essa oportunidade: ele vai derreter, dissolver-se rapidamente, já deixou avermelhado o horizonte nas proximidades. É um vermelho misturado com azul e é muito bonito.
Ou talvez volte e não tenha acontecido nada de grave.
Deve ser um processo mecânico ou coisa assim.
E amanhã pelas 5... pelas 6, ele irá surgir, como se nada se tivesse passado, no lado oposto da minha paisagem, a erguer-se lentamente.
Passará sobre mim e voltará a mergulhar depois das cinco naquela água azul transformada em turquesa. Presumo que vá nadando sem se fatigar, com paciência, por dentro da água; arrefecerá, perderá a cor incendiada e a maior parte do calor e da luz.
Durante doze horas, foi o que antes sucedeu, quero acreditar que é o que vai suceder.
Todavia, não posso deixar de recear que ele se canse, que um dia vá deveras fatigar-se e que não o tenha de volta, que não o tenhamos de volta de manhã, amanhã.
O meu desassossego é se não vamos ter amanhã.
Mas trata-se de um ritual mágico, não pode falhar, que ideia se me meteu na cabeça!
É como quando, deitada, ouço o meu coração bater com força, arritmicamente, divirto-me com isso e penso como seria engraçado ouvi-lo parar. Gostaria de ouvi-lo parar, de ter consciência desse descontinuar e, naturalmente, de ter conhecimento do que será o instante seguinte.
Penso assim porque estou bem-disposta, vem aí um dia cheio de sol e, à tarde, vou a Serralves ver, pela milionésima vez, o Parque no Outono e espreitar a gigantesca exposição de Cildo Meireles.
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