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um mar de seda selvagem

por Zilda Cardoso, em 12.10.13

 

Aquela toalha de seda selvagem apenas ligeiramente enrugada tem um brilho muito próprio: o da água salgada, imensa, iluminada, num dia especial. É azul-turquesa, mais verde do que azul, e é deslumbrante, àquela hora. Distingue-se a linha do horizonte com perfeita nitidez, separando céu e mar.

Para cima, é o céu de um azul claro e doce com nuvens bem desenhadas e cheias de luz dourada, onde a passarada se diverte.

O Sol quase pousa no mar vindo do meio do céu para a borda. É de ouro de bom quilate, avermelhado e resplandecente na sua imensa auréola. Não enfiou logo na água: permaneceu sobre a água, recortado no céu, um pouco à frente da linha de separação. E vi uma espécie de buraco negro no centro.

Pareceu-me um bolo redondo como os que fazia a minha avó, sempre impecavelmente iguais, leves como espuma, com o buraco no meio que permitia que sempre ficasse bem cozido e fácil de cortar em fatias pequenas.

O Sol cada vez mais enrubescido acabou por se enfiar na água, como era de esperar. E o buraco negro e esquisito era um grande navio que passara no momento pela frente dele, daquele sol, a pouca distância, quase tocando-o, e que ficou depois bem entalhado no céu. Até que, do mesmo modo, se foi.

Não me perguntem para onde.

Que dia maravilhoso! E que amabilidade de temperatura para uma terra do Norte tradicionalmente frio e húmido.

O golden retriever de estimação corria feliz na areia e a certa altura meteu-se na água com grande consternação da dona que não queria de todo que isso acontecesse. Ele ignorou o seu chamamento, saiu quando quis e arranjou logo um companheiro minúsculo e ambos correram ora num sentido ora no outro, metendo-se pelo molhe dentro com as donas atrás correndo de sapatos na mão. Eles estavam-se nas tintas para a aflição delas e gozavam o melhor possível o momento.

Foi um bonito espectáculo.

Achei extraordinário o mastro sem bandeira muito perto do banco de pedra onde me sentei estremecer e vibrar. Ninguém lhe tocou enquanto estive ali, mas ele oscilou todo o tempo, fortemente, estando bem seguro nas suas amarras. Talvez do centro da terra, do mais profundo, alguma coisa tivesse subido e lhe provocasse tão prolongado abalo.

Não chegou para ensombrar o dia.

São 7 da tarde do princípio de Outubro. Alguém mais entrou na água e se deleitou visivelmente com a sua temperança.

Afinal, talvez o mundo não seja tão desagradável como eu estava a pensar.

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publicado às 22:09


4 comentários

De Vicente a 14.10.2013 às 11:16

Bonito texto, Zilda. Hoje por aqui já começou o cinzento dos dias, mas é o que se segue ao verão quente..Há que recolher ao casulo...

De Zilda Cardoso a 14.10.2013 às 12:52

Ainda bem que comenta, caro amigo. Sinto a falta... agora que os posts são colocados no FB não ha muitos comentários aqui. E eram bem mais interessantes e não tão apressados.

De Joana Freudenthal a 14.10.2013 às 21:08

Que bonito, Zilda! Senti-me lá, sentada ao seu lado no banco. Até ouvi o som do mastro a abanar.
Avermelhado, azul turquesa ou cinzento, o mundo é um lugar bom.

Um abraço cheio de saudades.

De Zilda Cardoso a 15.10.2013 às 07:25

Obrigada, Joana. Apreciei muito a sua companhia ao meu lado no banco.
Volte sempre: eu lá estarei contemplando...

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