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Na Baixa da Cidade

por Zilda Cardoso, em 05.10.13

 

 

 

 

(imagens da cidade gentilmente cedidas por Primavera Lima)

 

Desci à Baixa do Porto.

Há anos que não frequento essas ruas que antes calcorreava todos os dias por afazeres. Que mudanças teriam ocorrido, ia pensando e caminhando rapidamente, não tinha todo o tempo do mundo. E começava a cair uma chuva minúscula, levezinha.

Encontrei muitas diferenças, agradáveis… desagradáveis.

A cidade volta-se decididamente para os turistas estrangeiros e para as suas pequenas necessidades e desejos. Procura fazer negócio com isso, naturalmente. E então pululam pequenos restaurantes e cafezinhos com as suas esplanadas nos passeios, impensável há poucos anos. E muitos letreiros com imagens coloridas dos pratos que servem, não é preciso saber português nem qualquer outra língua para escolher.

Tudo na rua pode acontecer. Mesmo em frente ao Coliseu, exibem-se malabaristas na mira de uma moeda. E a maioria das pessoas passa e não dá importância. Há quem cante e dance e toque um instrumento musical… com resultado idêntico. Fazem um esforço para melhorar a nossa vida e a deles e só por essa razão… é louvável e merecem a moeda. Passei e não a dei… que horror!

Tornaram-se animadas as ruas da Baixa. Mesmo assim têm um ar muito usado, antigo quase gasto, e sujo. Vá lá, com optimismo, um pouco sujo.

Estava um calor húmido e a roupa colava-se à pele. Também porque continuava a cair a hipótese de chuva que não parecia.

Ia humedecendo.

Comecei a imaginar animais gigantescos dinossáuricos a respirarem para cima de mim com o seu bafo quente e vivo. Apressei-me.

Não pousava os pés no chão por várias razões. Mesmo assim, comecei a ficar cansada com aquele constante subir e descer… Clérigos… Santo António… Passos Manuel. Reparei que tinha que descer sempre que subia e vice-versa. Serão colinas? Quantas? Pensei que esta cidade não era de colinas.

Tinha partido do Bom-Sucesso, antigo mercado tradicional onde fiz as minhas compras de legumes e frutas durante anos, agora muito limpo e sofisticado, com cafezinhos e esplanadas, mesas e cadeiras no exterior lá dentro, sem animais jurássicos vivos nem outros desconfortos. Preparados para um pequeno-almoço não continental ou para comer e beber qualquer coisa ao longo do dia. Comprei um belo pão de alfarroba.

E voltei a partir da Torre da Cidade, aniversariante, passei na Cândido dos Reis, desci a rua da Fábrica, atravessei a avenida da Liberdade e na rua de Passos Manuel encontrei os saquinhos bordados para meter a alfazema de Moledo. Tal como procurava.

Pus um chapéu de pano que me abrigou da chuva. Fez surgir na minha cabeça, assim posta a ridículo, um pensamento capaz de se exprimir por inteiro nesta frase: Dos livres de espírito, é o reino dos céus.

Idiotice que me fez sorrir.

A chuva parou. Senti-me um pouco menos estúpida sem o chapéu. Entrei no carro que me levou de volta a um mundo mais deste mundo.

  

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publicado às 08:38


6 comentários

De Vicente a 06.10.2013 às 19:26

Que bom senti-la de novo, solta e a fazer o que lhe apetece sem consequências...

De Zilda Cardoso a 06.10.2013 às 20:10

Muito obrigada, Manuel. Bom é ter amigos que compreendem.

De Isabel Maia Jácome a 07.10.2013 às 21:33


Querida Zilda!!!
...Que bom acompanhá-la nesse seu passeio, imaginar o que descreve e pensar que hoje, em muitos momentos do dia me aconteceu algo semelhante enquanto acelerei passo, do Largo do Rato à Rua de S. Marçal, para depois subir S. Bento, de novo até ao Rato.
Ah, a minha Lisboa, tão a mesma e tão diferente... a mesma na luz diferente a cada dia, mas a luz de Lisboa, tão especial e tão própria...
...e enquanto andava, acelerada no tempo contado da hora de almoço, em que aproveitei para dar um beijinho aos meus pais, lembrei-me de tanta coisa, senti tanto e estive tão proxima de tanta gente, estando sozinha enquanto caminhava...
...foi interessante e fez-me bem à alma.
Amanhã, quem sabe, repito a proeza acelerada, mas encantada, porque o tempo acaba na correria que terei de inventar, para estar na rodoviária às 18.30h para regressar a Leiria...
Pensei em si, sobretudo quando passei no Marquês de autocarro e olhei os jacarandás, verdes, frondosos, lindos mesmo sem flor...
...pensei no Manuel e na oportunidade uma vez mais perdida de lhe dar um olá ao vivo e a cores, assim como na Teresa, com quem nem tive coragem de falar, certa como estava da minha incapacidade de fazer esticar o tempo...
...pensei em alguns dos meus grandes amigos que por aqui permanecem e que gostaria de ver mais vezes... alguns deles, que sabem bem quem são, para mim tão importantes!....
... e pensei nos meus filhos, na sua vida, tão perto e tão longe...
...no meu marido, estranhamente longe, o que me parece sempre estranho, mas tão perto nas recordações da nossa juventude...

Foi uma viagem no tempo em muitos sentidos. Tempo passado, tempo presente... futuro de certo modo, um pouco também...

Amanhã... amanhã quero aproveitar ainda melhor o azul do céu de Lisboa... os verdes, mais verdes olhados de encontro a esse azul... e acentuar as escapadelas de olhar curioso nas galerias da Rua da Escola Politécnica, no movimento renovado do Principe Real... e no projecto arquitectado de, na próxima vinda a esta minha terra, trazer o meu marido pela mão, proibindo-nos o carro que só nos stressa e limita a visão...
...abraço bem forte e cheínho de saudades, querida Zilda...
...adorei a sua partilha que me incentivou à minha!!!
Sempre,
Isabel

De Isabel Maia Jácome a 08.10.2013 às 22:36

Bom dia, boa noite... já regressei, querida Zilda!!!
Um beijinho e desculpe a minha verborreia... mas fez-me escrever e tive tempo... e foi bom. Obrigada.

De Zilda Cardoso a 09.10.2013 às 07:14

Mas estava interessante: eu gostei.

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