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Olhei pela janela: as folhas da vinha, vi-as, em camadas sobrepostas de diferentes tons de verde, algumas quase transparentes, outras verde só verde-carregado. Formavam um tecto donde pendiam cachos de uvas quase soltas, cada cacho meia-dúzia de bagos de um só tom. E para lá das camadas e através da folhagem e nos intervalos das folhas… o céu baço, adormecido.
A meia distância, a macieira brava com um cacho de sete maçãs enormes encostadas umas às outras e muitas outras maçãs que eu ouvia a cada passo cair no chão duro com um eco, porque duro sobre duro… E outras macieiras, uma com mais de uma centena de anos e tronco totalmente oco, ramos carregados de maçãs, ano sim ano não: este é um ano-não. E ainda umas árvores tristonhas - a nespereira eternamente à espera de melhores dias para frutificar, a pereira franzina, duas monumentais pereiras abacates sem abacates nem pequenos nem grandes, nem longos nem redondos…
Uma outra ramada de ramos caprichosamente retorcidos e velhos existe num quadrado de terreno mais baixo e contíguo, carregada de folhas que sombreiam o espaço ao lado do tanque de água azul. A sombra é espessa e nem a erva cresce naquele chão.
Em certo momento, o sol brilhou nas gotas de água das folhas miudinhas da roseira de minúsculas rosas amarelo-desbotado, ao meu lado.
Era um princípio de festa sem “aquela” música, sem os foguetes, sem os sermões – não aprecio nenhuma dessas coisas.
Contudo, sinto um semi-fechamento no pomar onde este hoje de princípio de Agosto nada tem do que me alegra o coração, excepto talvez aquela ponta do eucalipto florido cor de fogo. Nem o velho limoeiro existe entre as hortênsias brancas. No espaço, naquele, só ele podia crescer, se existisse.
Os pássaros desapareceram, não se ouve o seu canto. O silêncio pesa e como que cai, cai mais uma gota brilhante, dança levemente uma ou outra folha espalmada vertical, mais escura que qualquer outra.
Não é movimento suficiente, começo a sentir-me encurralada no e à vista do pomar. Não posso fazer parte deste mundo como gostaria.
Saio. Vou à feira.
Com a chuva, a feira é diferente. Ninguém está interessado em nada, nem os negociantes. À mínima pergunta, atiram uns números e esperam qualquer resposta. Ou na melhor das hipóteses, esperam que os que passeiam estejam tão aborrecidos que comprem por bom preço (para quem?) o que não lhes faz falta.
Que dia zonzo!
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