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O texto sobre a minha ligação aos Freudenthal

por Zilda Cardoso, em 03.06.13

Recordo as minhas idas ou vindas frequentes a Lisboa, há uns anos, em que de Santa Apolónia ia direitinha ao Restelo, onde moravam os avós da minha primeira neta, o João e a Alice Freudenthal.

Era um alvoroço!

Ela, a neta, chamava-se Alice como a do País das Maravilhas e, nessa época, tinha para aí uns 25cm de altura, porque bebera o líquido - tão bom - da garrafinha que dizia bebe-me, e nem sequer chegava à mesa onde estava uma chave de ouro que lhe abriria a porta para o lindo jardim que avistava e a atraia ao longe.

Que não era este da casa do Restelo, mas podia ser. Eu apreciava o jardim dos avós Mergulhão Freudenthal cheio de luz e com uma gigantesca pereira abacate no caminho para a entrada principal da casa. Ela também me dava as boas-vindas, sempre cheia de frutos macios, longos, oblongos e verdes, tão próprios de outro clima.

Mais tarde, a Alice comeu o bolo que a faria crescer e aí está ela suficientemente alta para chegar à chavinha que lhe abrirá muitas portas para os lugares interessantes que ela descobrir e merecer.

Hoje estamos tão orgulhosos dela como estaria o Avô João que eu sempre encontrei na grande sala da casa, por vezes, tocando piano, ou na varanda cheia de sol, lendo os jornais estrangeiros que lhe permitiam estar a par da situação internacional (nos anos 80). Interessavam-lhe muito todos os detalhes: estariam “eles” a ruminar uma nova guerra? Ou a desencadear uma crise qualquer (whatsoever)? O que poderia ser desta vez? Tinha que estar preparado…

Mas depois de os ler, cada dia, ficava tranquilo: nada de mau aconteceria, por agora.

Quando mais tarde a Sofia me pediu para escrever a história do Pai a partir dos seus escritos, soube logo o privilégio que era ter conhecido uma tal personagem - alguém com uma vida tão vivida, tão sofrida e tão conseguida. Eu tinha-o frequentado como um homem elegante, encantador, solícito, querendo agradar e agradando sem esforço, uma figura de cinema num ambiente sereno e tão luminoso como os seus olhos azuis. Porém, ele era muito mais que tudo isso, naturalmente, tinha muito mundo no corpo, como poderei dizer, era uma figura viva da nossa História Contemporânea, história da Europa, da Alemanha  e dos Judeus, em particular.

O João tinha uma grandíssima e invulgar experiência de vida e, isso, eu pude constatar pelo que escreveu e me foi facultado – os seus registos mostraram-me como se pode viver perseguido sem culpa no seu país e num país em guerra, primeiro na Alemanha, depois em Angola, para onde emigrou e de onde veio para Portugal.

E comecei com entusiasmo. Foi na realidade uma vida cativante e um exemplo de vontade, de coragem, de inteligência e de determinação.

Fala da Alemanha depois da primeira grande guerra e da sua juventude antes da última guerra, no País onde frequentou boas escolas e clubes desportivos e participou da vida cultural intensa sobretudo quanto a música e a teatro. Mas foi também aí que, mais tarde, já com a família dispersa, começou a sofrer os horrores dos que não respeitam os valores da vida nem a dignidade das pessoas.

Às vezes me pergunto como um povo tão dedicado à música e à filosofia…

João Freudenthal dá a sua opinião sobre as razões que levaram o povo alemão a aceitar o nazismo, depois de terem tido uma das democracias mais liberais que alguma vez foram criadas, a famosa República de Weimar.

 “Antes do nazismo a vida era excelente”, diz João Freudenthal, havia muita liberdade para a juventude, havia trabalho e diversão”. “Porém, as pessoas modificaram-se. Quiseram entrar para o partido nacional-socialista para alterarem as suas regras e objectivos, mas algum tempo depois, o partido modificou-as, modificou as pessoas que começaram a ceder à obsessão louca dos nazis. E surgiram os discursos contra os judeus”.

A partir daí, foram os embaraços, as contrariedades, as amarguras que estão contadas neste livro de memórias que constituem uma narrativa fascinante e viva. É a perspectiva de quem sofreu tudo isso no corpo e no espírito.

Eu não pude continuar, mas quero felicitar a família que seguiu o exemplo de firmeza e perseverança do Pai; e saúdo sobretudo o afecto mostrado com a decisão de publicar as memórias que de outro modo se teriam perdido.

Parabéns a todos os que se empenharam! Valeu a pena.

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publicado às 18:22


2 comentários

De pedro a 05.06.2013 às 22:25

Lindo ! Muito bonito este texto !

De Zilda Cardoso a 06.06.2013 às 08:22

Fico feliz por teres gostado.

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