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Muitos acontecimentos nos surpreenderam recentemente: uns de grande importância para a comunidade, outros de menos. Mas todos, todos têm tanto de ridículo como de amargo.
Falamos de coisas sérias como austeridade, falta de emprego jovem, recessão económica, disciplina orçamental, endividamento…
Mas a forma como se processa o debate público sobre estes temas, a discussão sobre essas questões é confrangedora. Ou antes não existe discussão nenhuma.
Porque, entretanto, andamos a brincar às casinhas, aos governos, às presidências, aos conselhos de estado, às manifestações de rua e caseiras e a outras.
E do que falamos é de ninharias, de mesquinhices, de erros de gramática e de falas ingénuas e imprevidentes.
Estaremos de facto a viver uma democracia?
O artigo de João Miguel Tavares, do Público, de hoje dá umas estocadas certeiras num dos últimos acontecimentos mais tristemente apalhaçados de que temos conhecimento. Houve muitos.
Falou da originalidade daquela fantochada, é certo, e da oportunidade, só por isso, de a publicar. Mas o que acrescenta é bem mais importante – é o “tratamento dado aos assuntos políticos e económicos” pelos jornalistas como resumido a “protestos mais ou menos coloridos e de pequena intriga.”
O que relata, é um caso que teria pouco a ver com aquilo de que nos queixamos, de que falamos sem termo, se não fosse, em última análise, sobre finanças. Era a apresentação de um livro pelo ministro das Finanças, um livro que fala de oito séculos de loucura financeira e é de autores de renome.
Por favor, era a apresentação de um texto que pelo seu objecto podia ter dado lugar a um debate inteligente com a pessoa responsável pela forma como o tema, as finanças, está a ser tratado na realidade, aqui e agora!
Podia ter dado, se bem que se tratasse de um livro de que ele não é autor e de cujo conteúdo pode discordar. Não ficamos a saber nada porque se tratou de não deixar dizer, fosse o que fosse.
Era o sentido do rir às gargalhadas no momento em que o apresentador falava seriamente do que nos devia interessar. Compreendo que era esse o objectivo do protesto: não haver sentido nenhum e por isso chamar a atenção.
Não houve curiosidade em saber o que é chamado obra fundamental, agora traduzida para a nossa língua.
O que acho mais triste neste e noutros acontecimentos que ultimamente testemunhámos e de que temos verdadeira erudição ( já que nos são repetidos até à saciedade pelos jornais escritos ou falados durante dias, a todas as horas do dia, todos especializados em sensacionalismo), é que se trata de pessoas que elegemos ou que escolhemos para os altos cargos que ocupam e, por isso, devíamos respeitá-los enquanto os estivessem a desempenhar. Esta é uma das razões por que nos devíamos envergonhar: não prezámos as nossas próprias decisões.
De resto, há que respeitar qualquer ser humano como criatura com uma dignidade igual à nossa, ou não?
Por outro lado, tal como acentua JMT, não ficamos a saber nada da análise que é feita no livro sobre a louca economia do nosso tempo, sabedoria que nos parece imprescindível. Apenas conhecemos o fait-divers comunicado.
E temos o direito de desperdiçar análises possivelmente perspicazes contra o favorecimento de protestos ineficazes e grosseiros que não nos esclarecem nem trazem nada por que pareça valer a pena lutar?
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