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Quem me dera estar a viver num país onde a política não seja o único tema de conversa. Apreciava que a política fizesse discretamente parte do meu mundo, não que fosse o meu mundo.
A minha vida tem sido variada, nesse aspecto. Vivi no tempo de Salazar sem política. Ele tratava de tudo, não precisava de me preocupar. Jovem, assim pensava: havia um trabalho a fazer, um mundo a descobrir...
Não, não precisávamos de nos inquietar. Ele tratava de tudo como sabia, de modo patriarcal, e nunca se apercebeu que já nos considerávamos crescidos e queríamos decidir as nossas contendas, com independência. Por nós.
Passámos por uma época revolucionária, razoavelmente interessante e estimulante em muitos aspectos e estamos num tempo que se tem prolongado cheio de peripécias, de lances imprevistos e previstos, onde há unicamente política. Essa política. E nenhum outro tema é possível. Nem sequer economia, educação, cultura. Discussões apaixonadas sobre ideologias? Nem sequer.
Tudo se transforma rapidamente em política que acaba por ser da máxima importância, a menos que queiramos fazer o papel de apáticos, ignorantes ou estúpidos no que respeita aos nossos próprios negócios. Interessamo-nos por ela, pois, não como coisa boa para que nos relacionemos bem uns com os outros, para que nos entendamos melhor, mas como coisa boa para que sejamos inimigos uns dos outros. Contudo, não foi com essa intenção que ela foi sendo criada e introduzida aqui.
É assim e aqui que vamos sofrendo uma vida de má qualidade, tosca, se posso dizer; de qualquer modo, muito mais imperfeita do que poderia ser.
Afinal, não sabemos tomar decisões e aceitamos o que afirmam, aparentemente cheios de convicção (mas com muito maus fígados,) os comentadores dos comentadores num frenesim mimético sem fim. Não procuram conhecer. E são eles, os comentadores dos comentadores dos comentadores que pululam vindos de todos os buracos e recantos sombrios e húmidos, os que, numa qualquer diminuta oportunidade, irradiam por instantes e são inacreditavelmente acreditados.
Sabem eles de que falam?
Sabemos nós de que falamos? Fomos instruídos sobre as melhores e mais justas decisões a tomar em ordem aos objectivos comuns ou mais convenientes para todos? Apenas falamos, a maior parte de nós, como se.
Estou desolada.
Estou desolada agora com a recente polémica que envolve Isabel Jonet. Os comentários deploráveis às suas palavras sensatas e verdadeiras tanto como à sua acção benemérita ilustram o que tenho tentado dizer sobre essa política.
Os seus processos não são os que vão resolver os problemas de pobreza e desigualdade, porque estes são estruturais e não se decidem dessa forma. Isabel Jonet sabe disso, melhor que qualquer outra pessoa. Sabe e tem larga experiência do seu trabalho voluntário: apenas quer ajudar. E tem ajudado e tem-se dedicado ao seu serviço de forma extraordinária e digna, criando uma organização exemplar no seu género.
O que só podemos agradecer-lhe.
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