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Crise de Migalhas

por Zilda Cardoso, em 19.09.12

 

 

 

(imagem de Marcolino Osório)

 

Do telhado, vê as minhas migalhas no chão. Estica o pescoço, espreita, tenta ver melhor, de outro ângulo. Desce e entra e, por momentos, saltita no espaço agora muito ocupado por mesas e cadeiras.

Acerca-se mais, não há nada interessante. Anda sem medo por ali, percorre todo o pequeno sítio turbulento daquela zona da estação do caminho-de-ferro e nada encontra que lhe sirva.

Volta a sair do lugar, desiludido o pombo-outrora-próspero, voa para fora. Ninguém lhe presta atenção.

Um casal e um neto com alguma coisa de ciganos na sua atitude, na cor da pele e na roupa atravessam o espaço das migalhas em direcção ao comboio.

O lugar está a revelar-se mau para o pombo, nada proveitoso nem atraente. Ouviu falar de uma crise, não compreende o que isso é.

(Já estarão mais magras, as pessoas da crise, mas os anúncios de dietas para emagrecer são cada vez mais e mais importantes.)

As pessoas têm de comer, pensa o pombo, por isso deve haver migalhas. Têm de comer…

… mas comem também as migalhas. Anunciou, “comam também as migalhas”, o altifalante da estação numa voz roufenha e indecifrável.

Comem também as migalhas, essa é que é a verdade!

Pois!

E o pombo saiu dali.

 

 

 

(imagem fantástica de Jorge Cardoso) 

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publicado às 13:30


13 comentários

De Isabel Maia Jácome a 19.09.2012 às 21:39


Olá! :)
As fotos estão fantásticas... mas confesso que ultimamente os pombos me parecem demasiado invasivos... atrevidos demais!
Aquelas imagens dos pombos associados à paz, com ar limpinho e airoso, já era... nas praças, aparecem em multidões, desinquietos e sôfregos, chegando a saltar para as mesas e a olhar-nos de soslaio, a dizer-nos abertamente, fazendo-se entender por gestos insistentes e desrespeitosos: "Vá paguem a conta e deixem-nos um pouco mais do que os restos!"
Migalhas?
Preferem deixá-las para nós!
É a revolução! É a revolução, mesmo!!! ainda não reparou?... ou os pombos no Porto ainda não se manifestaram assim?
Se calhar têm direito!!!
...e francamente, não me parece que tenham respeito pela "crise"!...
Depois, já nem se aprumam da mesma maneira, de penas luzidias, sedosas e limpas, desmazelam-se e guerreiam entre si, descaradamente, quer as donzelas mais prazenteiras, quer os pratos mais requintatos... e se não estivermos atentos, não tarda dão-nos uma bicada!!!
ah, os pombos de outrora!!! Outro dia vi um dos poucos que mantinha a sua graça: Atravessava a passadeira a passo lento e prazenteiro, dando satisteito à cabeça, a compasso de cada passada. Esse sim uma delícia... ou sou eu que estou formatada!!!

De Zilda Cardoso a 22.09.2012 às 09:58

Isabel, sabe do que gosto mesmo nesta conversa de pombos? É da imagem do Jorge Cardoso. Acho-lhe tanta graça que não posso vê-la sem me rir. Foi um momento extraordinário, se não na vida do pombo pelo menos na vida do fotógrafo...
Apreciava dar-lhe mais relevo.

De Isabel Maia Jácome a 22.09.2012 às 17:28

Deliciosa a foto, de facto... o clik no momento exacto... ou o exacto do momento, no clik... e aí está toda aquela acrobacia pombistica, despudorada e fantástica que dá ao pombo lugar de destaque!!! É de rir mesmo, Zilda.

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