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Jazz no Parque

por Zilda Cardoso, em 17.07.11

Há 20 anos que há jazz no Parque de Serralves. Foi ontem a Festa,
muito especial, justamente porque foi possível encomendar ao
Mário Laginha música original para este concerto. Ele chamou os amigos, o
saxofonista inglês Julian Arguelles e o percussionista norueguês Helge
Norbakken, excepcionais ambos, e foi com eles que escreveu a música para ouvir no parque
e para gravar.

Cheguei muito cedo, fui ver as últimas exposições no Museu e
passeei no parque tão do meu afecto. Passei sob os liquidâmberes altos e
elegantes como catedrais, que se cruzam no céu e se abraçam, gosto de ver esse
sentimentalismo deles ou esse natural desejo de convivência; passei pela casa
cor-de-rosa e fiquei um bom pedaço sentada nas pedras do jardim, sentindo o calor delas e
do sol e ouvindo já os sons do futuro concerto. Era um ensaio.

Mas já definitiva era a dança das gaivotas no pequeno tanque
quadrado de água doce onde se banhavam e bebiam. Há vários tanques na frente da
casa que levam a água descendo até ao octogonal com a taça em forma de concha e
o repuxo.

A água produz um som ligeiramente esverdeado e suave que é o
background do outro, o do jazz no campo de ténis, mas aqui perto de mim.

Caminhei pelas áleas de saibro avermelhado ao encontro do
lago grande de água castanha onde três patos negros corriam ao
encontro do Coelho da Alice, sempre acelerado. Sigo o som do piano, do saxofone
e da percussão. Persigo o som e espero poder parar no Campo de Ténis. E vou
pensando.

O que me incomoda nas exposições contemporâneas como as que
vi hoje no Museu, é o som. Por vezes, fico sufocada – ele exponencia o efeito
dramático da fotografia ou do que for e eu acho excessivo, talvez não seja
boring como se comprometeram os artistas a não ser, mas não quero ver, não quero
ouvir e fujo… Para o jazz de que tiro grande prazer e que já é música clássica,
aproximo-me do recinto donde vem o som.

De vez em quando, o sol foge abraçado às notas do saxofone.
Acho que este parque liga bem comigo, com esta música e com a ligeira brisa que
toca nas folhas como se estivessem já tostadas e produzissem este fundo musical
que só não é improvisado porque, pelo menos este ano, o vento é uma constante
aqui e é tudo diariamente ensaiado.

Porém, as folhas estão ainda verdes e o som é mais fresco e sedoso
do que parecia. Estou no Roseiral e o perfume é tão suave e encantador que não
chega a ser intenso apesar de tantas rosas e tão perfumadas. As pessoas
vão-se juntando aqui à espera da hora marcada. Sentei-me num banco cómodo
ligeiramente sujo dos pássaros e daí a pouco um casal, passado da meia-idade,
sentou-se a meu lado, ela só depois de ter limpado o banco com um minúsculo papel
branco e de terem ambos discutido o assunto; sentou-se e puxou imediatamente de
uma toalha branca que começou a bordar afanosamente de azul. Fiquei fascinada.
Há quantos anos não via alguém bordar com tanto interesse!?

Assim, num dia de sol, rodeada de pássaros e de rosas
brancas e cor-de-rosa, uma senhora borda sem olhar sequer para o lado, ouvindo a
música do piano ao longe e a da folhagem fresca aqui. Senti-me no século XIX ou
princípio do XX e pensei que sentido tinha chegar a casa e passar esta escrita
manual, tão difícil de decifrar, feita no programa de Jazz no Parque, que
sentido tinha passá-la para o computador, digitalizá-la como se diz?

Preferia mandá-la para os jornais tal qual, entregar isto
para publicação na folha branca, escrita a esferográfica ou a lápis, alguém a
passaria à máquina.

No presente em que estamos em casa a alimentar-nos de agricultura biológica,
sem animais nem inteiros nem em bifes, mas com
muita variedade de algas marinhas, e preparada como se estivéssemos numa tenda na
floresta sem sofisticados aparelhos electrónicos, é tempo de deixar o
computador.

Do Roseiral muito perto, dei uma volta enorme para entrar no
Campo de Ténis como deve ser, isto é, onde quatro controladores me viram o
bilhete. Passei por uma surpreendente oliveira com 1491 anos e ramos frescos e primaveris no alto, um monumento oferecido
pela empresa de azeites Oliveira da Serra, e sentei-me numa boa cadeira por
baixo do guarda-sol gigante que possivelmente ia servir de guarda-chuva; sofri
o vento nas costas todo o tempo, mas fiquei junto dos operadores, dos fotógrafos,
das máquinas cinzentas complicadas e dos fios e cabos negros e emaranhados, das
teclas azuis e vermelhas e amarelas, centenas, certamente todas justificadas.

Passa das 18 horas e estou cheia de sede mas não me atrevo a
levantar: onde me sentaria depois? O recinto está cheio de gente muito animada
e não jovem, por isso, mesmo o ruído do entusiasmo é agradável. Os
músicos são excelentes (não se pensa ou pensa na voz da Maria João) e gostei de
escutar e aplaudir a música original muito portuguesa, certamente com inúmeras
referências da história do jazz americano.

Quase desejava que chovesse para ficar a saber como saem os
sons do saxofone molhados da chuva. Porém, vim embora com frio antes do fim sem que isso
acontecesse.

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publicado às 16:58


2 comentários

De Cabecilha a 21.07.2011 às 13:12

eu também uso som nas minhas obras e sei que pretende provocar um efeito mas... não deve ser contraproducente e afastar o espectador...

De Zilda Cardoso a 06.08.2011 às 10:09

Nalgumas obras, o som não participa lateralmente na obra - é a obra. Dramatiza por vezes de forma excessiva como se o mundo fosse assim tão mau como o autor indica e quer fazer crer.
As tuas peças são alegres e sofisticadas, o som só pode ter as mesmas características, não afasta os espectadores.
Parabéns, Cabecilha, vamos vê-las à Cooperativa Árvore na prox. semana.

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