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CONTOS SOMBRIOS de Mónica Baldaque

por Zilda Cardoso, em 14.07.11

 

 

Mónica Baldaque acabou de publicar um belíssimo livro que intitulou Contos Sombrios.

Contos inspirados nas memórias de alguém que sabe dizer o que a tocou fundo e a relacionou com o mundo. E isto está escrito no livro do
princípio ao fim com estas palavras e com outras.

Os contos são muito bons - são histórias de despedidas, diz-se na contra-capa. Trata-se fundamentalmente de se afastar de uma casa que
vai ser vendida e que se tornou um espaço de memórias e de histórias de personagens que ali viveram, que a narradora conheceu e agora evoca. Talvez
tenham acontecido, talvez não. A autora conta essas histórias "cheias de lacunas e de abismos" como se as tivesse ouvido a essas personagens no
lugar mítico, na casa da Quinta do Douro, onde podiam ter acontecido.

Elas marcam também para a narradora, talvez autora, a despedida de uma época da sua vida que não se vai repetir e de que possivelmente
lhe ficaram saudades.

Comovem-me sempre estas histórias não apenas por serem de despedida mas por se inspirarem em memórias de infância, em episódios que a
narradora viveu ou que testemunhou ou com que sonhou. O que evoca é a época, o ambiente, a casa, as pessoas e os fantasmas que ali viveram – fez de tudo personagens com os seus conflitos, as misérias, os seus desejos, as sombras, as ruínas…

O que admiro na autora é a sua extrema sensibilidade para as coisas do mundo ou de certo mundo, a riqueza da sua solidão tão produtiva, o silêncio que aprecia e a concentração que alcança na procura do caminho do sagrado em si e naquilo que a rodeia. Admiro os seus conhecimentos, a sabedoria, os seus gostos requintados, a sua arte.

Porém, não esqueço que, ao estar desperta e a prestar atenção à sua voz interior, ao questionar e ao procurar a verdade em cada coisa e em cada acontecimento, ao meditar ou ao reflectir sobre isso, ela está a aproximar-se de Deus pelo caminho da espiritualidade. E está, nos seus contos, a convidar-nos para esse caminho de encontro e de transcendência.

 

“Há muitas coisas de que não me lembro. Outras, lembro-me de as lembrar. Outras, essas
ficam bem nítidas, umas aqui, outras além, e são todas essas que tecem as minhas memórias.

Desde muito pequena que o sei: a minha força, o meu mundo interior nunca ultrapassou os lugares do meu imaginário. Nem vai ultrapassar. Por mais viagens que eu faça, por mais encontros que eu tenha, há um tempo inalterável. E desde criança que lá está tudo, intacto, como um embrulho de raízes.

O som mais longínquo de que tenho memória é o da voz da minha mãe a chamar “mãe”!

Rolava o som pela casa como uma nuvenzinha de partículas frágeis, transparentes, prontas a desagregar-se contra os estores de pano-cru queimados do sol. O som abria-se no quarto do mirante, junto à minha cama, batia na caliça da parede e saía ligeiro pela porta…”

É assim que principia A caveira da tia Assunção. Mónica fala de outros sons – o dos passos, o do vento e o do silêncio das tardes. Este último é o mais excitante dos silêncios.

Espero que apreciem como eu os Contos Sombrios, de Mónica Baldaque.

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publicado às 16:31


2 comentários

De Cabecilha a 17.07.2011 às 21:12

sem dúvida uma enorme carga emocional...

De monica baldaque a 27.07.2011 às 22:19

Zilda!

Por que razão já leu os contos sombrios?!

Fiquei comovida com as suas apreciações, sobretudo por ter visto tão fundo, aquilo que não é visível: a procura do encontro com Deus...mesmo através da miséria, do desgosto, do crime. Todas são histórias verdadeiras! Até a do cavalo que fala!

Um beijo,

Mónica

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