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Figuras Mudas

por Zilda Cardoso, em 13.05.11

"É preciso procurar o sentido das coisas"  (C. G. Jung)

 

 

Quando eu era criança, queria ser uma estátua. Não por não
ter de obedecer, nem pela imobilidade, pela ausência de voz, ou de ouvido, mas
justamente porque a imobilidade delas se me afigurava aparente, e o silêncio,
de repente, podia muito bem ser quebrado. Como o seu sangue cinzento, igual ao
nosso, o português, podia colorir-se de vermelho com uma pincelada.

Era capaz de permanecer tempos infinitos diante de uma
estátua, fixando-a, tão imóvel como ela, e acabar por vê-la sorrir-me ou
pedir-me uma coisa. Um dia, uma senhora-estátua de um jardim sombrio do Porto,
pediu-me um espelho, porque aquele que segurava na mão era de bronze, e ela não
se via reflectida nele.

- "Só me cansa ter um espelho de bronze, onde nada
vejo. Se ao menos eu tivesse um espelho a sério, poderia ver-me, ver o céu, os
pássaros, as árvores, e as pessoas à minha volta. Sentiria o tempo a passar.
Porque assim, não sinto, e é como se estivesse esquecida do mundo, perdida para
todo o sempre. Como podemos viver sem receber o reflexo de tudo o que nos
rodeia? É como estar fechada num quarto escuro, num túnel sem saída."

Figuras mudas desta cidade, deste País, desçam dos vossos
plintos de granito, e falem!

 

Mónica Baldaque

 

 

 

No dia 2 de Maio p.p, Mónica Baldaque inaugurou uma exposição de desenhos de estátuas no Clube Literário do Porto que estará até 17. 

Figuras Mudas é o título da exposição a que se refere também o belo texto do desdobrável que aqui publico.

Mónica trabalha na apresentação do seu livro mais recente. Espero dar muito em breve uma notícia sobre essa apresentação.

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publicado às 08:37


22 comentários

De Isabel Maia Jácome a 13.05.2011 às 23:24


Querida Zilda
...confesso que enquanto lia o texto das "figuras mudas", pensei que fosse escrito por si. Estava deliciada como sempre e surpreendi-me quando li Mónica Baldaque... depois, foi como se me lembrasse de texturas... umas naturais, outras polidas de forma semelhante, embora diferente, conduzidas por mãos e gestos que se observam e entrecruzam algures numa espécie de cumplicidade e entendimento, numa espécie de partilha da beleza e do discernimento, ou da própria descoberta de tanto, no fantástico de cada dia!...
…ou mais do que uma textura, uma pronúncia que se contagia aqui e ali, mas que cada um acentua à sua maneira e com a sua própria magia...
Será que isso possa acontecer entre pessoas que mutuamente se admiram e respeitam?
Sei que gostei e que achei que o texto podia ser seu. E não me importei que fosse da Mónica Baldaque que, pelo que diz e conta, tem tanto para partilhar e tanto ensina também...
Que bom querida Zilda que haja tanta gente extraordinária que diz de forma tão expressiva o que sente…e não desiste… e interpela como pode os outros para a prossecução do caminho!
Vamos nessa, minha amiga... vou consigo e no seu convite, com a Mónica Baldaque!
Abraço apertado
Sempre,
Isabel





De Zilda Cardoso a 14.05.2011 às 08:21

Mónica Baldaque é uma excelente escritora além de pintora. Adoro os seus textos e estou ansiosa pela apresentação do seu último livro.
É uma mulher admirável que ontem, dia do seu aniversário, viajou para Lisboa a fim de participar numa homenagem a Agustina Bessa-Luís - a quem tem prestado assistência contínua e amorosa nestes anos de impossibilidade de sua Mãe.
Presto homenagem a ambas.
ZC

De Isabel Maia Jácome a 14.05.2011 às 09:38

Zilda
...de facto há pessoas extraordinárias e é pelo seu exemplo que conquistamos o ânimo necessário para prosseguimos... poder lê-las, escutá-las, apreciar os seus gestos a sua coerência de vida... o exemplo é uma força de mudança, como a compreensão, como diz a Laurinda...
... sinto o quanto Agustina é importante para si... e Mónica Baldaque também. Não a sabia escritora, mas também fico alerta e entusiasmada porque gostei efectivamente do que li e acredito nas direcções que a Zilda aponta. E perdoe se a identifico consigo, mas acho que a Zilda é excelente também. Precisamos creio que os seus livros voltem a estar mais acessíveis!!!!!!
Por favor, Zilda... merece tanto!
Mas continuo a dizer:
Estou consigo e com Mónica Baldaque quando nos interpela nas palavras do seu tecto que colocou no seu post...

"Como podemos viver sem receber o reflexo de tudo o que nos rodeia? É como estar fechada num quarto escuro, num túnel sem saída. Figuras mudas desta cidade, deste País, desçam dos vossos
plintos de granito, e falem!

Com muito, muito carinho
Abraço apertado de força... e um beijinho, que não resisto.
Sempre
Isabel


De vicente a 15.05.2011 às 15:14

Madame Cardoso,

Je voudrais vous demander une grace....changé votre photo du blogue!

L'autre ou plutôt une plus récente était beaucoup mieux!

Serais-je attendu dans ma gracieuse demande?

Merci infiniment.

Votre trés dévoué

Vincent aka Vicente

De Zilda Cardoso a 15.05.2011 às 21:14

Só se me disser por quê e o quê for aceitável. Não tem assim tantos anos, essa, e eu não tenho fotos mais recentes aceitáveis, quero dizer que correspondam ao que eu sou... por dentro. Tem que me vir tirar uma.

De Joana Freudenthal a 15.05.2011 às 21:29

Madame Cardoso,

A sua cara vê-se mal nesta fotografia e merece que se veja melhor.

Monsieur Vicent, vá lá tirar a fotografia... :)

Respeitosamente

De Vicente a 16.05.2011 às 10:15

Mlle Freudenthal,

Je vous suis trés gré de votre suggéstion d'aller prendre une photo a Madame Cardoso.

Si jamais je deviens fameux je vous dois cette grace.

Je n'oublierais jamais.

Votre fidéle esclave ( c'est une façon de dire)

Trés respectueusement

Strauss-Kahn

De Vicente a 16.05.2011 às 10:11

Oui, volontiers.

Je vous prendrais une belle photo.

Et si la photo est dans la plage en plein soleil et avec la tête et le visage tourné vers le ciel?

C'est romantique, voyons!

Mais je suis d'accord pour une autre photo dans la pénumbre d'une porte vers le jardins des camélies...

A votre disposition

Camus

De Zilda Cardoso a 16.05.2011 às 15:13

Vicente ou Vincent
Pelo menos tão louco como o outro, o que punha no papel ou na tela umas espessas pinceladas de cores vibrantes e depois cortava a própria orelha. E fazia outras loucuras. Fazia retratos a sério, cheios de riscos, daqueles que mostram o avesso do retratado e se percebia perfeitamente quando estava com dores de cabeça como eu hoje. Ou quando era o retratista que sofria
de um mal maior.
Está bem, um dia penso nisso.

De Vicente a 16.05.2011 às 16:21

touché, chére amie!

je suis un vrai fou...d'hospice plutôt!

mais je m'amuse, quand-même:-)

De Zilda Cardoso a 16.05.2011 às 20:28

Je regrette tout, qui ne regrette rien?
Tenho uma admiração enorme pelo Vincent que era tão grande artista e ... tão só, tão louco, tão desproporcionado. Acabei de visitar uma amiga que está terrivelmente deprimida e ficou tão contente de me ver, mas ela não pinta nem escreve e por isso está triste: parece-lhe a sua, uma vida SEM SENTIDO. Como a compreendo! Ne me quitte pas, pareciam dizer os seus olhos a todo o momento! Ne me quitte pas.

De Vicente a 17.05.2011 às 16:29

A minha vida sem sentido? Não me parece.

De Zilda Cardoso a 17.05.2011 às 20:45

A sua dela... A vida dela parece-lhe a ela sem sentido. Eu nunca diria isso de nenhuma vida. Mas a m/amiga, que está muito deprimida, disse-me isso a propósito da própria vida. Há momentos em que UM não encontra sentido para a própria vida. Mas logo passa, felizmente.
Até logo.

De Vicente a 18.05.2011 às 06:03

http://youtu.be/aT-nS_ESpbM

ela que oiça isto pois é bem bonito

De Joana Freudenthal a 15.05.2011 às 21:26

Quando vem, Zilda! Está na hora...

Abraço ansioso.

De Zilda Cardoso a 15.05.2011 às 21:30

21 ou 22. Espero ficar vários dias. Ainda vejo os jacarandás?

De Joana Freudenthal a 15.05.2011 às 21:33

Vou dando notícias de como estão. Espero que sim!

De Zilda Cardoso a 15.05.2011 às 21:38

Eles vão ter que se aguentar, há tanto tempo que ando a falar nisto que era um desastre se não estivessem lá a receber-me mas no chão a sujar as ruas, como dizia o outro indignadamente.

De Joana Freudenthal a 17.05.2011 às 22:01

Fui vê-los hoje. Há de tudo: os que já floriram completamente e já deixam o chão «sujo», os que estão a meio caminho e os que ainda não têm nem uma flor para amostra.
Por baixo do Estádio do Restelo, já estão um esplendor.
Vamos ter esperança de que chegue a ver este espectáculo.

De João Nuno a 17.05.2011 às 02:44

Querida Zilda,
o muito trabalho tem-me feito um espectador menos activo, infelizmente, mas sempre presente. E fica a certeza de que me delicio verdadeiramente com o que escreve e com a forma simples e leve com que nos transmite mensagens de real eloquência. Obrigado.
Também eu penso na vida das estátuas e nas muitas vidas que por ali se assemelham. Talvez a vida de muitas daquelas obras de arte (às vezes tão desvalorizadas!) sejam parte da nossa que, em traços mais geométricos e menos artísticos, se mistura numa essência de afrontamento ténue. É que me parece que em tudo há semelhanças e pontos convergentes.
E sim, ser estátua é ter a pujança no porte. Aquela mesma pujança que deveríamos ter todos nos comportamentos, gestos e valores. Que alegria saber que assim tentamos que seja.
Um abraço muito apertado, com esta música a dar de si
http://www.youtube.com/watch?v=5kvIq2WUEPc&feature=related

De Zilda Cardoso a 17.05.2011 às 08:12

As s/observações são inteligentes e pertinentes. As estátuas, os monumentos são parte da n/vida, foram criados para que fossem. Muitas vezes, passámos por eles e não reparámos, mas têm vida própria e interpelam-nos. A Mónica tem razão, não estão tão em silêncio como parece. E dão ordens. E sabem o que querem.
Fazem-nos companhia.Devemos prestar-lhes atenção e não mais do que isso. Não mais do que isso. Porque nós é que temos que viver.

De João Nuno a 22.05.2011 às 13:58

Com desejos de bom domingo, querida Zilda:

«Quando for grande, não quero ser médico, engenheiro ou professor.
Não quero trabalhar de manhã à noite, seja no que for.
Quero brincar de manhã à noite, seja com o que for.
Quando for grande, quero ser um brincador.
Ficam, portanto, a saber: não vou para a escola aprender a ser um médico, um engenheiro ou um professor.
Tenho mais em que pensar e muito mais que fazer.
Tenho tanto que brincar, como brinca um brincador, muito mais o que sonhar, como sonha um sonhador, e também que imaginar, como imagina um imaginador…
A mãe diz que não pode ser, que não é profissão de gente crescida. E depois acrescenta, a suspirar: “é assim a vida”. Custa tanto a acreditar. Pessoas que são capazes, que um dia também foram raparigas e rapazes, mas já não podem brincar.
A vida é assim? Não para mim. Quando for grande, quero ser brincador. Brincar e crescer, crescer e brincar, até a morte vir bater à minha porta. Depois também, sardanisca verde que continua a rabiar mesmo depois de morta. Na minha sepultura, vão escrever: “Aqui jaz um brincador. Era um homem simples e dedicado, muito dado, que se levantava cedo todas as manhãs para ir brincar com as palavras.»
O Brincador,
Álvaro Magalhães

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