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Porquê esta necessidade de ser engraçado?

por Zilda Cardoso, em 20.11.14

 

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Diz Eduardo Prado Coelho: “Porquê esta necessidade de ser engraçado? Liminarmente detesto-a. Como tudo aquilo que converte em imperativo (em pesadelo) algo que só pode ser da ordem incalculável do acontecimento: o riso. Detesto o vestuário que tem que ser engraçado, as esferográficas engraçadas, os bilhetes postais engraçados, os jornais que pensam que tudo o que não é irresistivelmente engraçado só pode ser infinitamente aborrecido (e assim disfarçam a ignorância, a superficialidade e a estupidez).

Mas há mais. Verifica-se que a obsessão do engraçado é sempre (ou quase sempre?) sintoma de uma estrutura neurótica. Vejam-se as terríveis depressões dos grandes cómicos e humoristas”.

Não estou inteiramente de acordo com EPC. Prefiro que as coisas, todas as coisas, tenham graça. Sempre é uma boa qualidade, não se perde tudo. As coisas e os acontecimentos precisam de ter graça para terem algum interesse. Algumas. Se não tiverem mais nenhuma qualidade, pelo menos… que tenham graça.

Pronto, se tiverem as qualidades todas menos a graça, que fazemos com elas? Não somos atraídos por elas, que podem ser até obras de arte. Mas já não temos vontade de as analisar. Claro que há as cheias de graça, sabemos para onde as enviar.

Por exemplo, estas obras do meu vizinho… não era melhor que tivessem graça? Acho que ninguém procurou a graça nelas, eu não procurei. Ou não têm mesmo. No entanto, vejam, se todas as coisas tivessem que ter graça, e tivessem, talvez eu estivesse muito mais feliz e isso seria bom para mim e para o mundo em geral. Saberia criar um ambiente vibrante e engraçado, com o mar ali e os barcos acolá e o porto à vista. Estaríamos todos sorridentes.

É que encheram a minha casa de poluição: pó branco e fino, movimento desvairado, sons alucinantes e de intensidade devastadora… Eu perdi o meu canto de recolhimento, sei que… por meses. O ruído sobretudo é de tal modo agudo e perfurante e penetrante que continua a poluir o meu espaço muito depois de ter terminado.

De modo que, pouco adianta o que possa dizer e fazer, pouco adianta esperar pela hora em que termine o trabalho do pedreiro perfurador e do electricista incisivo e intenso… o silêncio não vem. E o silêncio é o meu companheiro preferido em muitas horas do dia.

Tudo isto é irresistivelmente aborrecido, acima de tudo porque não é engraçado. É verdade. E também não é engraçado porque é terrivelmente aborrecido. Se fosse de algum destes modos, tudo estaria bem. Eu acho que poderia ir até desculpar o ser tão aborrecido se fosse engraçado quanto baste.

O acontecimento, alias, qualquer acontecimento devia ou podia, pelo menos, ser as duas coisas: aborrecido, ter eventualmente e secundariamente outras qualidades, e engraçado.

Tenho que ser obstinada nisto de querer ler uns livros novos em sossego já que não aprendi a suportar o aborrecimento. Nem a prescindir do engraçado.

É nestes momentos que apreciaria ser plenamente exterior ao mundo. Não ter nada a ver com ele.

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publicado às 18:24





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