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Casa da Eira - lugar xamânico

por Zilda Cardoso, em 09.10.17

Passei em Moledo, Casa da Eira, estes últimos dias…

O tempo esteve maravilhoso: sol brilhante, boa temperatura, cores tremendamente nostálgicas, perfumes a serem esbanjados, outonais, de frutos maduros e doces, matizados, esquisitos. E nenhum ruido de mundos… O silêncio era apenas sedutor e eu usei-o tal qual, nunca foi excessivo.

Deitei-me sob o azul. De vez em quando passava por mim uma borboleta amarelo-esverdeada, quase transparente, batendo as asas sempre no mesmo ritmo, agradável mas enérgico, e eu não pude deixar de pensar que o movimento de uma borboleta daquela cor, digamos, aqui na Casa da Eira num simples dia do princípio de Outubro podia provocar um tufão do lado de lá do mundo.

É claro que somos dependentes de numerosas e muito diversas realidades, mas um bater de asas e um tufão… de que modo se podem relacionar? Os cientistas lá sabem e quando tentam explicar… complicam ainda mais. Serão as frágeis quase transparentes borboletas da Casa da Eira provocadoras dos turbilhões devastadores que sempre acontecem do outro lado do planeta?

Quero crer noutra coisa: estas borboletas simbolizam transformação, renovação, inconstância, efemeridade… E o lugar em que aparecem, é xamânico a que apenas falta o feiticeiro. Beleza tem que baste. E o resto tem… em alusões enigmáticas.

Quanto a mim, que ali permaneci até ao crepúsculo, dei-me conta de uma alteração profunda na minha maneira de ver o mundo. Só. O ambiente era perfeito, confortável, despojado, inspirador.

Durante quase toda a minha vida me esforcei por fazer bem o que achava que tinha para fazer, o que devia fazer para legitimar a minha existência. Executar bem, ou pelo menos, de forma aceitável, o que as circunstâncias, os conhecimentos, os sentimentos, os raciocínios me sugeriam. E sofria imenso quando não conseguia. Tinha obrigações, não é, montes de obrigações! Mas agora entendo: posso deixar isso de lado – para outras pessoas, para outro tempo, para outras galáxias.

O que me deu gosto descobrir é que há uma quantidade enorme de empreendimentos que não me importo de realizar ou não. Não quero saber, não me atormento. E é esse o meu gozo, o prazer da minha nova vida: não quero saber. Não é como antes, por que havia de querer compor eu tudo? Agora não me ralo.-

E ficou tudo bem.

 

Saí dali triunfante, fui pregar a outras freguesias.

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publicado às 20:19


4 comentários

De Anónimo a 21.10.2017 às 11:24

O pianista que toca piano no grande, alto, branco, frio, barulhento, hall do hotel, toca piano inutilmente.
Toca e mal se ouve, não se ouve. Passa gente constantemente, com pressa para entrar, ou sair, para um lado e outro, um qualquer, não interessa, muitos, apressados e faladores. A porta é giratória pelo que gira, estonteantemente. O tráfego nos elevadores é um piscar de luzes e portas a abrirem e fecharem. Acumulam-se malas, umas melhores.
Em condições normais o pianista não precisaria de tocar piano só para si. Teria audiência.
Toca, mas o automático movimento dos seus dedos mesmo que premindo teclas inexistentes no ar, em que local seja, seria suficiente para ele ouvir música, que lhe vem de dentro.
O homem que é pianista e tem um fato decente escuro e gravata formal, tudo isto inutilmente, está ali, porque o valor do gás, da electicidade, da água cada vez mais proibitiva, não lhe dá tréguas.
Por esses motivos fortes, invisível aos olhos dos outros, toca uma belíssima sonata de Rachmaninoff, porque deve ser mesmo assim: uma música irada, também pungente, ácida, intrincada.
Estão todos surdos, não o vão ouvir. Apesar, ele toca-a para marcar a sua posição irredutível: de músico que toca piano num hall de hotel para pagar contas à vida.
Irá para casa mais aliviado por saber que pode voltar amanha a tocar para o nada, e receber por isso.

É isto: uns observam, com emoção, o que os rodeia...até o silêncio. Outros há que a visão foge e os ouvidos não ouvem...!

De Zilda Cardoso a 22.10.2017 às 08:27

Há dias que não via nenhuns comentários, minha culpa. Só hoje... e muito agradeço. São comentários preciosas.

De Anónimo a 21.10.2017 às 14:51

O pianista que toca piano no grande, alto, branco, frio, barulhento, hall do hotel, toca piano inutilmente.
Toca e mal se ouve, não se ouve. Passa gente constantemente, com pressa para entrar, ou sair, para um lado e outro, um qualquer, não interessa, muitos, apressados e faladores. A porta é giratória pelo que gira, estonteantemente. O tráfego nos elevadores é um piscar de luzes e portas a abrirem e fecharem. Acumulam-se malas, umas melhores.
Em condições normais o pianista não precisaria de tocar piano só para si. Teria audiência.
Toca, mas o automático movimento dos seus dedos mesmo que premindo teclas inexistentes no ar, em que local seja, seria suficiente para ele ouvir música, que lhe vem de dentro.
O homem que é pianista e tem um fato decente escuro e gravata formal, tudo isto inutilmente, está ali, porque o valor do gás, da electicidade, da água cada vez mais proibitiva, não lhe dá tréguas.
Por esses motivos fortes, invisível aos olhos dos outros, toca uma belíssima sonata de Rachmaninoff, porque deve ser mesmo assim: uma música irada, também pungente, ácida, intrincada.
Estão todos surdos, não o vão ouvir. Apesar, ele toca-a para marcar a sua posição irredutível: de músico que toca piano num hall de hotel para pagar contas à vida.
Irá para casa mais aliviado por saber que pode voltar amanha a tocar para o nada, e receber por isso.

Isto porque existem pessoas que se emocionam com o que as rodeiam...ouvem até o silêncio...outras há que nada ouvem e também não veem...!

De Anónimo a 21.10.2017 às 16:28

O pianista que toca piano no grande, alto, branco, frio, barulhento, hall do hotel, toca piano inutilmente.
Toca e mal se ouve, não se ouve. Passa gente constantemente, com pressa para entrar, ou sair, para um lado e outro, um qualquer, não interessa, muitos, apressados e faladores. A porta é giratória pelo que gira, estonteantemente. O tráfego nos elevadores é um piscar de luzes e portas a abrirem e fecharem. Acumulam-se malas, umas melhores.
Em condições normais o pianista não precisaria de tocar piano só para si. Teria audiência.
Toca, mas o automático movimento dos seus dedos mesmo que premindo teclas inexistentes no ar, em que local seja, seria suficiente para ele ouvir música, que lhe vem de dentro.
O homem que é pianista e tem um fato decente escuro e gravata formal, tudo isto inutilmente, está ali, porque o valor do gás, da electicidade, da água cada vez mais proibitiva, não lhe dá tréguas.
Por esses motivos fortes, invisível aos olhos dos outros, toca uma belíssima sonata de Rachmaninoff, porque deve ser mesmo assim: uma música irada, também pungente, ácida, intrincada.
Estão todos surdos, não o vão ouvir. Apesar, ele toca-a para marcar a sua posição irredutível: de músico que toca piano num hall de hotel para pagar contas à vida.
Irá para casa mais aliviado por saber que pode voltar amanha a tocar para o nada, e receber por isso...!

Isto porque existem pessoas cuja sensibilidade lhes permite ver, sentir, ouvir o que outros não vêem não sentem não ouvem...!

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